"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/10/2015

Jurisprudência (209)


Audiência prévia; nulidade processual


1. O sumário de RP 24/9/2015 (128/14.0T8PVZ.P1) é o seguinte:

I - Entendendo o juiz, após a fase dos articulados, que os autos contêm os elementos necessários a habilitá-lo a proferir decisão de mérito que ponha termo ao processo, deverá convocar audiência prévia para o fim previsto no artigo 591.º, n.º 1, b), do Código de Processo Civil.

II - A não realização desse acto processual só será consentida no âmbito do exercício do dever de gestão processual, a título de adequação formal, se o juiz entender que a matéria a decidir foi objecto de suficiente debate nos articulados, justificando a dispensa dessa diligência. Sobre o propósito de dispensar a audiência prévia deverá, porém, ouvir as partes, de acordo com o disposto nos artigos 6.º, n.º 1, e 3.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil.

III - A não realização de audiência prévia, impondo a lei a sua realização, constitui nulidade processual, podendo ser arguida em sede de recurso, conduzindo à anulação da decisão que dispensou a sua convocação e do saneador-sentença que se seguiu a essa decisão.
 

2. Tem interesse conhecer a seguinte transcrição da fundamentação do acórdão:

"Imputa a recorrente à decisão que impugna o vício de nulidade, argumentando, para o efeito, que tendo a mesma sido proferida sem antes se ter realizado a audiência prévia e sem dar às partes a oportunidade de se pronunciarem quanto às questões de facto e de direito, foi preterida formalidade legal, influindo essa omissão no exame e na decisão da causa, tendo sido violado o princípio do contraditório, cujo artigo 3.º, n.º 3 da lei processual civil exige que seja assegurado.

A existir vício gerado pelo circunstancialismo invocado, não será certamente o da nulidade da sentença[...], mas antes nulidade processual, em conformidade com o que dispõe o artigo 195º do Código de Processo Civil[...].

Sanada a confusão alegatória da apelante, importa equacionar se a circunstância de ter sido proferido saneador-sentença, julgando procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de acção, sem antes se ter realizado audiência prévia, é ou não susceptível de gerar nulidade processual com base nos fundamentos convocados. 

Permite o nº 2 do artigo 590º da lei processual civil que, findos os articulados, o juiz profira despacho pré-saneador com uma das finalidades previstas nas alíneas a) a c). 

Não havendo lugar a tal despacho ou concluídas as diligências do mesmo resultantes, é convocada audiência prévia destinada a algum ou alguns dos fins previstos nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 591º, nomeadamente, facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa [alínea b)], ou proferir despacho saneador, nos termos do nº 1 do artigo 595º [al. d)].

O artigo 592º determina em que casos não há lugar a audiência prévia: nas acções não contestadas que tenham de prosseguir em obediência ao disposto nas als. b) a d) do artigo 568º, ou quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados. 

Prevê o artigo 593º que nas acções que hajam de prosseguir, o juiz possa dispensar a audiência prévia, quando esta se destine apenas aos fins indicados nas als. d), e) e f) do nº 1 do artigo 591º - ou seja, quando se destine, apenas, a proferir despacho saneador, a determinar adequação formal, simplificação ou agilização processual, ou a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova -, caso em que, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados, profere despacho nos termos do n.º 2 do mesmo normativo, podendo as partes requerer a realização da audiência prévia se pretenderem reclamar do despacho na parte em que determinou adequação formal, simplificação ou agilização processual, ou identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, em conformidade com o n.º 3 do citado dispositivo.

Define o artigo 595º, nº 1, a que fins se destina o despacho saneador: a) conhecer das excepções dilatórias ou nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou, que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente; b) conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.

Da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII pode extrair-se: “A audiência prévia é, por princípio, obrigatória, porquanto só não se realizará nas ações não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas ações que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma exceção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados. 

No que respeita aos seus fins, a audiência prévia tem como objeto: (i) a tentativa de conciliação das partes; (ii) o exercício de contraditório, sob o primado da oralidade, relativamente às matérias a decidir no despacho saneador que as partes não tenham tido a oportunidade de discutir nos articulados; (iii) o debate oral, destinado a suprir eventuais insuficiências ou imprecisões na factualidade alegada e que hajam passado o crivo do despacho pré-saneador; (iv) a prolação de despacho saneador, apreciando exceções dilatórias e conhecendo imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; (v) a prolação, após debate, de despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova”. [...]

Revertendo à situação dos autos: o processo findou com a prolação do despacho saneador que, conhecendo da excepção peremptória invocada pela Ré, à qual respondeu em articulado próprio a Autora, julgou procedente a mesma.

Não se configura, assim, nenhuma das hipóteses previstas no artigo 592º, contemplando a alínea b) do seu n.º 1 as excepções dilatórias - que deixa fora do seu âmbito de aplicação as excepções peremptórias que [...] contendem com o mérito da causa --, nem a situação do artigo 593º da lei processual civil -- que concede ao juiz a faculdade de dispensar a audiência prévia, destinando-se esta apenas a algum dos fins nela especificados --, concebido apenas para a hipótese das “acções que hajam de prosseguir”.

Ora, como destaca o acórdão da Relação de Lisboa de 05.05.2015
[Processo n.º 1386/13.2TBALQ.L1-“, www.dgsi.pt.], “não se verificando nenhuma das situações previstas no art. 592º, e se a acção não houver de prosseguir, nomeadamente por se ir conhecer no despacho saneador do mérito da acção, deve ser convocada audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito (art. 591º, nº 1, al. b))”
.
Assim, e voltando de novo à discussão dos autos, a audiência prévia só poderia ser dispensada no contexto – que, para o efeito, teria de ser expressamente invocado no despacho em que se decidiu pela dispensa da referida formalidade processual e só depois de ouvidas as partes - dos artigos 547º e 6º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil [
Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 09.10.2014, processo nº 2164/12.1TVLSB.L1-2, www.dgsi.pt.].

Dado que a audiência prévia não foi dispensada nessa específica situação[
...], exigia-se a sua realização para assegurar o cumprimento da finalidade imposta pelo n.º1, al. b) do [art. 591.º do] Código de Processo Civil".

MTS