"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



26/10/2015

Jurisprudência (216)


Recurso de apelação; impugnação da matéria de facto; 
ónus do recorrente; poderes do STJ


1. O sumário de STJ 1/10/2015 (6626/09.0TVLSB.L1.S1) é o seguinte:


I - Resulta da conjugação dos arts. 665.º e 679.º do NCPC (2013) que ao STJ é vedado tomar conhecimento de questões que a 2.ª Instância não conheceu, pelo que lhe é inviável apreciar o requerimento de junção de documentos apresentado na Relação.

II - Estando a apreciação dos documentos juntos dependente, desde logo, da sua admissão e sendo os poderes do STJ em matéria de facto limitados à ocorrência de ofensas a disposições legais expressas que fixem a exigência de um meio de prova para a demonstração da existência de um facto ou a força probatória de certo meio de prova (n.º 3 do art. 674.º e n.º 2 do art. 682.º, ambos do NCPC), não cabe, igualmente, a este Tribunal apreciar tais meios probatórios.

III - Para determinar se a Relação pode ou não controlar a decisão da 1.ª Instância sobre matéria de facto há apenas que saber se a impugnação foi concretizada e fundamentada nos termos legalmente impostos, não havendo, pois, que atender à maior ou menor extensão da discordância patenteada pela apelante com essa impugnação.


 IV - A impugnação da matéria de facto não se destina a que a Relação reaprecie global e genericamente a prova apreciada em 1.ª Instância, não sendo admissível, como se extrai do preâmbulo do DL n.º 39/95, de 15-02, um ataque genérico à decisão da matéria de facto e impondo-se, ao invés, ao recorrente um especial ónus de alegação no que respeita à definição do objecto do recurso e à sua fundamentação, em decorrência dos princípios da cooperação, lealdade e boa fé processuais, por forma a assegurar a seriedade do próprio recurso e a obviar a que este seja usado para fins dilatórios.

V - O ónus de alegação referido em IV contempla, desde a sua criação em 1995 e até à actualidade, a indicação precisa dos pontos da matéria de facto que se pretende questionar e a especificação dos meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que imponham decisão diversa, tendo a al. c) do n.º 1 do art. 640.º do NCPC (2013) aditado a exigência de que o recorrente especificasse a decisão que deverá ser tomada sobre as questões factuais impugnadas, sob pena de rejeição do recurso de facto.

VI - Tendo a recorrente, nas alegações e nas conclusões, identificado os concretos pontos de facto que tem como mal julgados, indicado os meios de prova que deveriam ter conduzido a um resultado probatório diverso e transcrito parte dos depoimentos, não se pode manter a decisão de rejeição do recurso sobre matéria de facto, pelo que os autos devem baixar à Relação a fim de o apreciar e, bem assim, de tomar posição sobre o requerimento referido em I e, se for caso disso, de apreciar os documentos que se pretende juntar.

2. Ao ponto sumariado em I corresponde a seguinte passagem do acórdão:
 
"-- O Supremo Tribunal de Justiça não pode substituir-se ao Tribunal da Relação de Lisboa, nem na apreciação do requerimento de junção de documentos, nem na apreciação dos documentos em si mesmos.

Quanto ao primeiro aspecto, porque o Supremo Tribunal de Justiça não pode apreciar questões das quais a Relação não conheceu; compare-se o resultado da conjugação entre os actuais artigos 679º e 665º, com aquele que decorria da conjugação entre os anteriores artigos 726º e 715º, preceito do qual apenas se excluía a aplicação do respectivo nº 1.

Quanto ao segundo, desde logo porque a apreciação dos documentos está dependente da sua admissão; para além disso, sempre subsistiria o obstáculo resultante do disposto nos actuais artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, que limitam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da matéria de facto, ao conhecimento de eventuais ofensas de disposições legais expressas quanto à exigência de “certa espécie de prova para a existência do facto” ou que fixem “a força de determinado meio de prova”. Não estamos perante nenhuma dessas duas hipóteses".


A afirmação de que o "Supremo Tribunal de Justiça não pode apreciar questões das quais a Relação não conheceu" é muito discutível. A verdade é que, como já houve oportunidade de referir (cf. Recurso de revista: cassação ou substituição?), se é certo que, nos termos do art. 679.º CPC, o STJ não pode aplicar o disposto no art. 665.º, n.º 2, CPC, é igualmente certo que às questões não conhecidas pela Relação se aplica, precisamente por imposição do mesmo art. 679.º CPC, o estabelecido no art. 682.º, n.º 3, CPC.

MTS