"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/10/2015

Jurisprudência (217)



Pacto de jurisdição; validade; Reg. 44/2001


1. O sumário de RP 1/10/2015 (588/13.6TVPRT.P1) é o seguinte:

I - Se a acção emerge de uma relação plurilocalizada, respeita a matéria comercial com conexão ao território de Estados-Membros da União Europeia e pelo menos uma das partes tem domicílio num dos Estados-Membros, a competência internacional para julgar a acção é definida pelo Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22.12.2000, relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial.

II - O Regulamento n.º 44/2001 é directamente aplicável às acções compreendidas no respectivo âmbito territorial, material e temporal e tem primazia sobre as normas correspondentes do direito interno, excluindo a aplicação destas, designadamente na parte em que estabelecem requisitos de validade dos pactos de atribuição de jurisdição não previstos no Regulamento.

III - Nos termos do Regulamento n.º 593/2008, de 17.06.2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), o contrato rege-se pela lei escolhida pelas partes e a existência e a validade substancial do contrato ou de alguma das suas disposições são reguladas pela lei que seria aplicável, por força desse regulamento, se o contrato ou a disposição fossem válidos.

IV - A noção de pacto de jurisdição do Regulamento n.º 44/2001 é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados-Membros, pelo que os seus requisitos são estritamente os elencados no Regulamento e a sua validade não depende de qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado ou de um interesse atendível na sua localização.

V - Prescindindo o Regulamento n.º 44/2001, para a validade do pacto, do requisito da alínea c) do n.º 3 do artigo 99.º do aCPC (94.º do nCPC), o mesmo não poderá ser exigido por via de outra norma do direito nacional, designadamente o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
 
VI - Num contrato celebrado entre um empresário ou entidade equiparada, a validade do pacto de jurisdição é analisada, exclusivamente, segundo o disposto no art. 23.º, do Regulamento n.º 44/2001, sendo inaplicável o regime jurídico interno das cláusulas contratuais gerais ainda que a cláusula que contém aquele pacto possa estar abrangida por este regime.

VII - O art. 24.º do Regulamento n.º 44/2001 contém uma situação de extensão da competência e não de redução da competência, pelo que a instauração de uma acção num tribunal diferente do designado no pacto de jurisdição não significa uma renúncia tácita ao pacto para novas acções.

VIII - Não actua em abuso de direito a parte que instaura uma acção num tribunal diferente do designado no pacto de jurisdição e depois, ao ser demandado em acção instaurada pelo ali réu no tribunal do mesmo Estado-Membro, argui a incompetência deste por violação do pacto de jurisdição, uma vez que a competência para a acção por si instaurada apenas se fixou em virtude de o réu ter comparecido e apresentado a sua defesa sem arguir a incompetência, gerando dessa forma a extensão da competência.


2. O acórdão cita e segue, na sua fundamentação, dois posts publicados no Blog: Pactos de jurisdição e swaps: demasiado “nacionalismo” e pouco “europeísmo”? e Pactos de jurisdição e swaps: demasiado "nacionalismo" e pouco "europeísmo"? (2). Atendendo a este facto (que se regista com agrado e se agradece), não se encontra nenhuma razão de discordância da posição defendida no acórdão.

3. O acórdão foi proferido com um voto de vencido, no qual se afirma o seguinte:

"Com todo o devido respeito pela posição sufragada no Acórdão, somos de opinião que a jurisprudência publicada do Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001 e sobre os artigos da Convenção de Bruxelas e da Convenção de Lugano que o antecederam, consente o entendimento de que a validade do pacto de jurisdição pode ser efectivamente questionada com recurso as normas de direito interno do Estado da lei aplicável. 

Aliás, é nessa medida que se compreende que o artigo 25.º do Regulamento n.º 1215/2012 (que substituiu o Regulamento n.º 44/2001 a partir de 10 de Janeiro de 2015, mas que, como se refere no Acórdão, não tem aplicação à presente acção) tenha passado a referir expressamente que a competência dos tribunais do Estado-Membro designado no pacto é excluída quando o pacto for, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo".


Não se discute -- nem nunca se discutiu -- que a validade do pacto de jurisdição também deva ser apreciada pelo direito interno do foro (incluindo as respectivas regras de conflitos: cf. consid. (20) Reg. 1215/2012). O  pacto de jurisdição é um negócio jurídico como qualquer outro, pelo que comporta aspectos substantivos relativos à sua validade como qualquer negócio (basta pensar nos aspectos relacionados com a formação e a expressão da vontade). O que não pode suceder é que esses aspectos sejam incompatíveis com aqueles que o art. 25.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 exige (nomeadamente, em matéria de forma) ou sejam relativos a regimes jurídicos não aplicáveis no caso concreto (como pode acontecer com o regime respeitante às cláusulas contratuais gerais).

MTS