Citação em Estado-membro; recusa da citação;
interrupção da prescrição
I. O sumário de RE 24/9/2015 (448/11.5TBSSB-A.E1) é o seguinte:
1 - Nas citações a efectuar em países do Espaço Europeu Comum, existe a possibilidade do citando recusar a citação por falta de tradução dos documentos inerentes ao acto.
2 - Cabendo ao requerente da citação a tradução desses documentos, em caso de recusa da citação que por esse motivo só veio a ser realizada muito para além dos cinco dias, depois de ter sido requerida, não pode ele beneficiar da interrupção do prazo prescricional a que alude o n.º 2 do artº 323º do CC, por o retardamento lhe ser imputável.
II. A fundamentação do acórdão contém esta passagem:
"No caso em apreço no que refere à citação, atendendo a que a demandada tem sede na Alemanha, país estrangeiro, do Espaço Europeu Comum, deverá observar-se o que estiver previsto em tratados ou convenções internacionais e, na sua falta, a citação é feita por via postal, através de carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais, artº. 247º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
No espaço comunitário onde estão inseridos demandantes e demandada tem aplicação o Regulamento (CE) nº 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, [...] instrumento de direito internacional que goza de uma força jurídica superior à lei ordinária, no caso ao Código Civil e ao Código de Processo Civil [...].
Estipula-se no artº 8º do aludido Regulamento, epigrafado de recusa de recepção do acto:
“1. A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do anexo II, de que pode recusar a recepção do acto quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas:
a) Uma língua que o destinatário compreenda; ou
b) A língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efectuada a citação ou notificação.
2. Se a entidade requerida for informada de que o destinatário recusa a recepção do acto ao abrigo do disposto no n.º 1, deve comunicar imediatamente o facto à entidade de origem, utilizando para o efeito a certidão a que se refere o artigo 10.º, e devolver-lhe o pedido e os documentos cuja tradução é solicitada.
3. Se o destinatário tiver recusado a recepção do acto ao abrigo do disposto no n.º 1, a situação pode ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário, nos termos do presente regulamento, do ato acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas no n.º 1. Nesse caso, a data de citação ou notificação do ato é a data em que o ato acompanhado da tradução foi citado ou notificado de acordo com a lei do Estado-Membro requerido. Todavia, caso, de acordo com a lei de um Estado-Membro, um ato tenha de ser citado ou notificado dentro de um prazo determinado, a data a tomar em consideração relativamente ao requerente é a data da citação ou notificação do ato inicial, determinada nos termos do n.º 2 do artigo 9.º.
4. Os n.ºs 1, 2 e 3 aplicam-se igualmente aos meios de transmissão e de citação ou notificação de actos judiciais previstos na secção 2.
5. Para efeitos do n.º 1, os agentes diplomáticos ou consulares, nos casos em que a citação ou notificação é efectuada nos termos do artigo 13.º, ou a autoridade ou pessoa, nos casos em que a citação ou notificação é efectuada nos termos do artigo 14.º, devem avisar o destinatário de que pode recusar a recepção do acto e que o ato recusado deve ser enviado àqueles agentes ou àquela autoridade ou pessoa, conforme o caso”.
Entendeu o Julgador a quo que não se estipulando neste normativo a obrigatoriedade de remeter tradução da petição e documentos remetidos com vista à citação, havendo recusa e por esse efeito houver de proceder à respectiva tradução e à repetição do ato “não pode o credor suportar o prejuízo de uma demora que decorreu do direito da ré exigir essa tradução” e como tal não poderá considerar-se, no caso dos autos, ter havido conduta negligente das autoras que as impeçam de beneficiar do efeito interruptivo da prescrição.
A ré discorda deste entendimento e a nosso ver assiste-lhe razão.
É certo que o Regulamento não impõe àquele que pede a citação a tradução do ato a transmitir mas ele “é avisado, pela entidade de origem competente para a transmissão, de que o destinatário pode recusar a recepção do acto se este não estiver redigido numa das línguas previstas no artigo 8.º, ou seja, na(s) língua(s) oficial(ais) do Estado-Membro requerido ou do local onde deva ser efectuada a citação ou notificação ou numa língua que o destinatário compreenda”, conforme decorre do estipulado no n.º 1 do artº 5º, devendo, por isso precaver-se de todas implicações resultantes do ato de citação não se ter por efectuado.
No âmbito da vigência do anterior Regulamento (R. CE n.º 1348/2000), que o presente viria a revogar, salientava José Salazar Casanova [Regulamento (CE) nº 1348/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000 – Princípios e aproximação à Realidade Judiciária, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62 - Dezembro 2002] que “o interessado deve ter o cuidado de não incorrer em omissões de actos que o Regulamento prescreva), v. g. a imediata apresentação das peças traduzidas) que poderão levar a que se considere que foi por falta dele que a citação se não realizou a tempo”.
No âmbito da vigência do Regulamento aplicável ao caso concreto e perante o que dispõe o n.º 3 do seu artº 8º salienta Carlos Melo Marinho [As Citações e Notificações no Espaço Europeu Comum, in Revista Julgar n.º 14, 2011, 40]: “Por se poder enquadrar na noção de imposição de citação ou notificação dentro de um prazo legalmente imposto, parece que esta cláusula excepcional poderá valer quando estiver em causa a interrupção de um prazo prescricional, para os efeitos visados pelo n.º 1 do art. 323.º do Código Civil Português (CC).
Porém, se a transmissão de conteúdo não se tornar plenamente válida por falta de tradução que caiba ao Requerente promover, não parece possível que este sujeito processual beneficie do disposto no n.º 2 desse artigo, já que tem que se assumir que o desrespeito do prazo de cinco dias se deverá também a causa a ele imputável. Assim, em tal caso, a prescrição não se poderá ter por interrompida após tal lapso temporal, contado da data do requerimento de citação ou notificação.”
Efectivamente, a não tradução atempada do ato a citar por parte das requerentes não pode deixar de ser considerada uma omissão censurável, já que a possibilidade conferida de recusa da citação, por os documentos não estarem traduzidos na língua que o destinatário compreenda, prevista no Regulamento, como salienta a recorrente, não corresponde à satisfação de um mero capricho do citando, mas ao verdadeiro e legítimo exercício de uma posição jurídica que lhe é conferida em atenção ao princípio da segurança jurídica e, bem assim, do contraditório, pelo que não pode o requerente da citação, no momento da propositura da ação, deixar de considerar como real a possibilidade de recusa do citando, já que a lei prevê, expressamente, tal realidade e precaver-se juntando logo a tradução da petição e documentos anexos, não o fazendo passou a correr o risco, da citação não se poder efectuar, por esse motivo, arcando com as respectivas consequências.
De tal decorre, que não podemos deixar de imputar o retardamento do ato de concretização da citação às autoras, suportando estas as respectivas consequências do prazo prescricional que se encontrava em curso, na data da instauração da acção, não se ter por interrompido e ter decorrido na sua totalidade, o que levou à invocada prescrição do direito a que se arrogam.
Conclui-se, assim, pelo reconhecimento de ter operado a prescrição, invocada pela ré.
Relevam as conclusões apresentadas pela recorrente impondo-se a revogação da decisão impugnada com as consequências daí advenientes."
III. Como refere Schlosser, no caso de o destinatário da citação ser uma sociedade comercial, o que conta é se é possível concluir que, "segundo uma razoável e honesta organização de trabalho, a peça escrita pode chegar às mãos de um alto funcionário que conhece a língua utilizada", acrescentando ainda que é sempre possível presumir que, numa empresa com actividade de exportação, é conhecida a língua inglesa (Schlosser/Hess, EuZPR (2015)/Schlosser, EuZVO Art. 8 2a).
MTS