"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/10/2015

Jurisprudência (215)



Recurso de revisão; prazo de interposição; constitucionalidade



I. O sumário de RC 8/9/2015 (2827/07.3TBFIG-A.C1) é o seguinte:

1. A interpretação da norma contida no nº 2 do artº 697º do CPC, no sentido de que o prazo aí previsto (de 5 anos) é contado desde o trânsito em julgado da decisão a rever, não sofre de inconstitucionalidade, porquanto exceciona expressamente, da sujeição a esse prazo, os direitos de personalidade.

2. As demais ações que, por exclusão de partes terão por objeto direitos de natureza patrimonial, não necessitam de sacrificar na mesma medida daquelas cujos interesses envolvidos estão diretamente relacionados com direitos de personalidade, os fundamentos do caso julgado, como sejam, a segurança, a certeza jurídica, a estabilidade e paz social.

3. O recurso de revisão já é em si, um mecanismo que põe em causa tais valores, em prol da sobreposição de outros como a verdade material e a justiça do caso. Permite-se de forma excecional rever um caso já transitado, em apelo ao princípio da justiça material.

4. Mas, considerando a natureza da decisão a rever, meramente patrimonial, não deve este mecanismo ser usado para lá de limites temporais considerados razoáveis, eternizando a possibilidade de sacrificar a estabilidade da decisão. O prazo de 5 anos é razoável.

5. A falta de citação pode ser invocada no recurso de revisão (alª e) do art. 696 do CPC). Pressuposto para o seu conhecimento é que estes sejam intentados em prazo (art. 697 nº 2).
 

II. A fundamentação do acórdão contém a seguinte passagem:

"A decisão recorrida considerou, não obstante, o recurso de revisão intempestivo, por aplicação da norma do artigo 697 nº 2 do CPC

Dispõe esta que:

«Prazo para a interposição (…)

2 - O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados:

a) No caso da alínea a) do artigo anterior, do trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão; (…)». [...]

Esta norma corresponde à do art. 772 do CPC de 1961, tendo a novidade, relativamente ao regime anterior, de não vincular a tal prazo de cinco anos sobre o trânsito em julgado, a decisão que respeite a direitos de personalidade.

A apontada novidade/exceção legal, surgida na sequência das posições jurisprudenciais do Tribunal Constitucional, referidas na decisão em recurso, e que parcialmente se mostram transcritas na decisão da 1ª instância supra reproduzida, reflete o reconhecimento por parte do legislador da necessidade de reconhecer um tratamento diferenciado, mais próximo da justiça do caso concreto e da verdade material, quando no caso estão envolvidos direitos de personalidade, como no caso das ações de reconhecimento de paternidade.

Assim, as demais ações, que por exclusão de partes terão por objeto direitos de natureza patrimonial, não necessitam, no entender do legislador, de sacrificar na mesma medida daquelas cujos interesses envolvidos estão diretamente relacionados com direitos de personalidade, os fundamentos do caso julgado, como sejam, a segurança, a certeza jurídica, a estabilidade e a paz social.

Em síntese, diremos que, a lei reconhecendo embora a necessidade de reapreciação de determinados casos, com possível destruição do caso julgado anterior, estando em causa circunstâncias graves, consagra para o efeito, o recurso de revisão, mas estabelece um prazo de 5 anos desde o trânsito em julgado para a sua instauração, a menos que estejam em causa direitos de personalidade, situação em que não recai qualquer prazo de caducidade.

A recorrente considera que este prazo, contado desde o trânsito em julgado da decisão e não do conhecimento da mesma é, ainda assim, inadmissível no seu caso concreto, por contender com o princípio constitucional do contraditório onde se integra a proibição da indefesa, devendo, por isso, considerar-se tal norma inconstitucional.

Apoia-se, para tanto, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 209/04, proc. 798/03, relator Conselheiro Gil Galvão, de 24/03/2004 e reportado ao art. 772 nº 2 do CPC de 1961 in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, que declarou “a inconstitucionalidade, por violação do princípio do contraditório onde se integra a proibição da indefesa ínsito nos arts. 2 e 20 da Constituição, da norma contida no art. 772/2, 1ª parte, que prevê um prazo absolutamente perentório de 5 anos para interposição do recurso de revisão, contados desde o trânsito em julgado da sentença, quando interpretada no sentido de ser aplicável aos casos em que foi proferida decisão cuja revisão é requerida foi uma ação de investigação de paternidade, que correu à revelia e seja alegado para fundamentar o pedido de revisão, a falta ou nulidade de citação”.

Este acórdão reporta-se a um recurso de revisão emergente de uma ação oficiosa de investigação de paternidade que correu à revelia da pessoa que fora declarada pai do investigando, em que este alega falta ou nulidade de citação para a respetiva ação.

Já o Acórdão do Tribunal Constitucional 310/2005, processo 1009/04, relator conselheiro Rui Moura Ramos, de 8/6/2005, inwww.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, decidiu “não julgar inconstitucional a norma contida no art. 772, 1ª parte em que refere não poder ser interposto recurso de revisão se tiverem decorrido mais de 5 anos sobre o trânsito em julgado da decisão, quando este caso julgado (é) formado por uma sentença homologatória de partilha, nomeadamente de separação de meações, que tenha corrido à revelia do requerente da revisão com fundamento na falta ou nulidade da citação para esse inventário, nos termos do art. 771 f) CPC”.

A diferença de decisões quanto à (in)constitucionalidade da invocada norma prende-se com a diferente natureza das questões sobre que tal norma incide. Num caso a investigação de paternidade, questão marcadamente pessoal e respeitante a direitos de personalidade, no outro a partilha judicial, implicando a valoração de questões meramente patrimoniais.

A valoração de questões diferentes conduziu a diferentes decisões do Tribunal Constitucional e conduziu ao regime legal ora em vigor.

Também o presente caso deve ser sujeito a uma ponderação autónoma, atendendo-se aos valores em presença, a fim de determinar se o prazo perentório de 5 anos referido no art. 697 nº 2, 1ª parte, prefigura ou não uma restrição dos direitos decorrentes do art. 20 CRP, designadamente, se põe em causa o princípio do contraditório.

Vejamos.

A necessidade do estabelecimento de um prazo para o recurso de revisão prende-se com o reconhecimento constitucional da intangibilidade do caso julgado, salvo situações excecionais, que a própria Constituição prevê implicitamente nos artigos 2º, 210º, nº 2, e 282º, nº 3, da Constituição da República.

De outro modo, as decisões judiciais teriam uma natureza mutável, que a paz social, a certeza e a segurança jurídicas, desaconselha.

O recurso de revisão já é em si, um mecanismo que põe em causa tais valores, em prol da sobreposição de outros como a verdade material e a justiça do caso. Permite-se de forma excecional rever um caso já transitado, em apelo ao princípio da justiça material.

Mas, considerando a natureza da decisão a rever, meramente patrimonial, não deve este mecanismo ser usado para lá de limites temporais considerados razoáveis, eternizando a possibilidade de sacrificar a estabilidade da decisão.

Choca o sentido de equilíbrio e de razoabilidade que, alguém, tendo obtido uma decisão favorável, cujo objeto respeita somente a interesses patrimoniais, possa ver essa decisão posta em causa, qualquer que seja o fundamento invocado, para lá de determinado prazo, quando supunha que podia nela confiar e dispor do direito através dela obtido ou reconhecido, sem sobressaltos.

O princípio do contraditório e da proibição da indefesa não se podem eternizar em valor absoluto não dando espaço à consolidação da estabilidade e da segurança que a aplicação do direito propugna.

Não deve, por isso, considerar-se inconstitucional a norma que estabelece o prazo de 5 anos desde o trânsito em julgado da decisão, para interpor o respetivo recurso de revisão, seja com fundamento em documento novo, seja com fundamento em nulidade da citação, quando os valores em presença não respeitam a direitos de personalidade.

Numa sociedade inundada de mecanismos rápidos de informação, de eficácia de comunicação, o prazo de 5 anos, com vista à estabilização da decisão, mostra-se razoável face aos interesses em presença: justiça do caso por um lado, segurança e certeza jurídicas, por outro.

Assim, não padece a norma em causa do invocado vício de inconstitucionalidade".

MTS