"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/10/2015

Jurisprudência (218)



Pedido civil deduzido em processo crime; execução da decisão;
competência material


1. O sumário de RP 30/9/2015 (794/00.3GBAMT-A.P1) é o seguinte:

As secções de competência especializada da Instância Central são competentes para a execução das suas decisões condenatórias em quantia líquida, proferidas na sequência de pedido civil deduzido em processo crime.


2. Da fundamentação do acórdão extrai-se o seguinte trecho:

"A questão a decidir consiste em saber, nas actuais comarcas em que há tribunais, rectius, secções especializadas, qual é a secção competente para a execução de uma decisão que condenou em processo penal o arguido demandado no pagamento de uma indemnização: o tribunal/secção de execução ou o tribunal/secção criminal que proferiu a decisão condenatória em indemnização cível? [...]

Dispõe o artigo 129.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, LOSJ:

1 - Compete às secções de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.

2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal de propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, às secções de família e menores, às secções do trabalho, às secções de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas por secção criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante uma secção cível.

E o artigo 131.º, da mesma Lei que “Os tribunais de competência territorial alargada, as secções da instância central e as secções de competência genérica da instância local são ainda competentes para executar as decisões por si proferidas relativas a custas, multas ou indemnizações previstas na lei processual aplicável”.

Estatui a artigo 71.º do Código de Processo Penal:

O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

E o artigo 82.º

1 - Se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.

2 - Pode, no entanto, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, estabelecer uma indemnização provisória por conta da indemnização a fixar posteriormente, se dispuser de elementos bastantes, e conferir-lhe o efeito previsto no artigo seguinte.

3 - O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.

Afasta-se, liminarmente, a aplicação ou mera relevância argumentativa, do art.º 131º da LOSJ [Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto], pois, ao dizer que (…) as secções da instância central (…) são ainda competentes para executar as decisões por si proferidas relativas a custas, multas ou indemnizações previstas na lei processual aplicável, não integra no seu âmbito de previsão normativa a indemnizaçãoformulada no pedido civil formulado em processo penal. De outro modo ficaria esvaziado de sentido e conteúdo o art.º 129º, n.º 3, da LOSJ: “Para a execução das decisões proferidas pela secção cível da instância central é competente a secção de execução que seria competente caso a causa não fosse da competência daquela secção da instância central em razão do valor".

As indemnizações a que alude o art.º 131º da LOSJ são, v.g., as relativas à previsão dos artigos 542.º do CPC (1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir), 543.º CPC (1 - A indemnização pode consistir….), 544.º CPC (Quando a parte for um incapaz, a responsabilidade …da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má-fé na causa)

A primeira questão a abordar é a do âmbito da excepção do n.º2 do art.º 129º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto. Aí se excepciona da competência dos juízos de execução “as execuções de sentenças proferidas por secção criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível”.

A resposta deve ser procurada na lei processual, penal donde se retira que a execução corre perante o tribunal/secção penal da condenação, quando a condenação for em quantia determinada ou determinável, e perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal, quando o tribunal, não dispondo de elementos bastantes para fixar a indemnização, condenar no que se liquidar em execução de sentença. 


Do regime normativo transcrito resulta claro que as secções de competência especializada criminal da Instâncias Centrais, são competentes para a execução da suas decisões condenatórias proferidas na sequência de pedido cível deduzido em processo crime, por força do princípio da adesão contido no art. 71.º e segts. do Código de Processo Penal. E no caso é tanto mais assim já que o Acórdão condenatório condenou e fixou uma quantia líquida, sem necessidade de previamente ocorrer liquidação em execução de sentença, na nomenclatura do artigo 82º n.º1 do Código de Processo Penal. [...]

Na economia do instituto da adesão a disposição do art.º 82º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ao consagrar, nos casos de necessidade de prévia liquidação, a competência é do tribunal civil, constitui a excepção, já que a regra é a competência do tribunal criminal para executar as suas decisões mesmo em matéria de indemnização.

Saber se este regime legal que resulta do Código de Processo Penal e foi ressalvado de modo expresso pela LOSJ se compatibiliza com a filosofia que essa lei quis implementar é outra e diversa questão.

Nesta vertente não estamos perante um problema ainda interpretativo mas legislativo, e não pode o intérprete a pretexto de interpretação violar a separação de poderes e sonegar parcela do poder legislativo. A interpretação não se pode reconduzir a uma meraerrata onde o intérprete, a gosto e a contento, diz que o legislador disse aquilo que ele intérprete entende que ele devia ter dito.

Concede-se, como ao cabo e ao resto sustenta o Ex.mo juiz da instância criminal, que não fará muito sentido que a execução das decisões da instância civil seja da competência da secção de execução e as penais, em quantia certa não.

A solução legal global, quando escrutinada no contexto da declarada intencionalidade que presidiu à Lei n.º 62/2013, parece disrupta, mas tendo sido mantida pela Lei n.º 62/2013 a solução constante do art.º 82º, n.º 1, do Código de Processo Penal, até ponderação legislativa em contrário é a que, no nosso modo de ver, vigora e por isso a aplicável."


MTS