Legitimidade singular;
caso julgado formal; mérito da causa
I. O sumário de RG 25/1/2018 (1199/15.7T8GMR.G1) é o seguinte:
1. A decisão interlocutória proferida no decurso da lide, sobre a legitimidade de uma parte para intervir na lide em substituição da parte originária é uma decisão que recai apenas sobre a relação processual, e como tal apenas faz caso julgado formal. Não impede, pois, que o facto que esteve na base da alegada transmissão do direito litigioso tenha de ser novamente apreciado a final, na sentença, desta vez enquanto facto constitutivo do direito que se discute na causa.
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
Vamos então conhecer de imediato de tal questão.
Como resulta de fls. 290 e seguintes, 304 e 305, no dia 3/4/2017, no decurso da audiência de julgamento o réu Banco B veio apresentar articulado superveniente, no qual alega, em síntese, que em data posterior ao término dos articulados e à audiência prévia que fixou o objecto do litígio e os temas da prova, por deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 19 e 20 de Dezembro de 2015, foi iniciado o processo de alienação parcial do Banco A, visando obstar à sua insolvência, que veio a terminar na venda de parte dos seus activos ao Banco B, conforme deliberações já juntas aos autos e que podem ser consultadas no site do Banco de Portugal. [...]
Ora, a agência de Cabeceiras de Basto do Banco A não se mostrava registada na sua contabilidade à data da transmissão dos activos e passivos para o Banco B.
E, alega o recorrente, este facto novo (a deliberação do BdP de 19 e 20/12/2015) constitui um facto impeditivo do direito que os autores pretendem exercer nesta acção.
O Tribunal respondeu a este requerimento, indeferindo ao requerido, da seguinte forma: “tendo em atenção o preceituado no art. 130º CPCiv, nos termos do qual é proibido praticar no processo actos inúteis; tendo em conta, por outro lado, a circunstância do Tribunal da Relação de Guimarães ter já proferido uma decisão no âmbito deste processo, nos termos do qual se refere que o contrato de arrendamento em causa nestes autos constitui um activo transferido para o Banco B, SA, tomo como precludida a possibilidade de voltar a discutir no processo a possibilidade de dirigir contra o Banco B os pedidos formulados na PI. Efectivamente, caso o Tribunal da Relação de Guimarães tivesse entendido que os pedidos em causa não poderiam ser dirigidos contra o Banco B não poderia ter deixado de o referir, donde, independentemente da verificação dos pressupostos formais dos arts. 588º e ss. do CPCiv, por força da verificação do caso julgado formal no processo quanto à questão de saber, se sim ou não, os autores poderiam prosseguir com a acção nos exactos termos em que a propuseram contra esta nova entidade, indefiro liminarmente o requerido”. [...]
E, alega o recorrente, este facto novo (a deliberação do BdP de 19 e 20/12/2015) constitui um facto impeditivo do direito que os autores pretendem exercer nesta acção.
O Tribunal respondeu a este requerimento, indeferindo ao requerido, da seguinte forma: “tendo em atenção o preceituado no art. 130º CPCiv, nos termos do qual é proibido praticar no processo actos inúteis; tendo em conta, por outro lado, a circunstância do Tribunal da Relação de Guimarães ter já proferido uma decisão no âmbito deste processo, nos termos do qual se refere que o contrato de arrendamento em causa nestes autos constitui um activo transferido para o Banco B, SA, tomo como precludida a possibilidade de voltar a discutir no processo a possibilidade de dirigir contra o Banco B os pedidos formulados na PI. Efectivamente, caso o Tribunal da Relação de Guimarães tivesse entendido que os pedidos em causa não poderiam ser dirigidos contra o Banco B não poderia ter deixado de o referir, donde, independentemente da verificação dos pressupostos formais dos arts. 588º e ss. do CPCiv, por força da verificação do caso julgado formal no processo quanto à questão de saber, se sim ou não, os autores poderiam prosseguir com a acção nos exactos termos em que a propuseram contra esta nova entidade, indefiro liminarmente o requerido”. [...]
Só que, salvo melhor opinião, por definição, estando em causa a alegação de factos impeditivos ou extintivos do direito que se discute na acção, não faz sentido invocar contra isso um caso julgado formal. O caso julgado formal, tal como resulta do art. 620º CPC, é apanágio das sentenças e despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual, e traduz-se em estas terem força obrigatória dentro do processo. [...]
Cabe então perguntar: o acórdão proferido por este Tribunal da Relação, no processo apenso, decidiu o quê ?
A resposta é incontroversa. Como se pode ler no próprio acórdão em causa, “o objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes restringe-se à questão de saber se o Apelante deve, ou não, ser admitido a intervir nos autos principais em substituição do Banco A”.
Foi, pois, uma decisão que apenas recaiu sobre a relação processual, e que se pronunciou sobre a legitimidade do Banco B para intervir nestes autos em substituição do Banco A.
Tão só.
E a força de caso julgado dessa decisão impõe-se dentro destes autos, através da certeza de que não mais se voltará a discutir se o Banco A tem ou não legitimidade para substituir, do lado passivo da lide, o Banco A.
O acórdão proferido por esta Relação que decidiu, definitivamente essa questão da legitimidade do transmitente, não decidiu, nem podia decidir, sobre a substância do presente litígio. [...]
Assim, a força de caso julgado formal daquele Acórdão impede que se volte a discutir no âmbito deste mesmo processo a legitimidade processual do réu Banco B, SA. Está definitivamente assente que este réu é parte legítima nesta acção.
Mas é só até aqui que se estende a força de caso julgado (formal) do Acórdão desta Relação proferido no apenso A.
A questão que o réu BANCO B veio pretender trazer aos autos através do articulado superveniente, salvo melhor entendimento, não é a da sua legitimidade processual para estar nesta lide. Essa está definitivamente decidida.
A questão trazida então aos autos, é, antes, uma questão sobre o fundo da causa: a de saber se os autores têm sobre o réu BANCO B o direito que se arrogam. E assenta nas Deliberações do Banco de Portugal de 19 e 20/12/2015, juntas aos autos a fls. 200 e seguintes. [...]
Ora, repetindo-nos, se é certo que essas Deliberações do BdP foram ponderadas aquando da decisão da questão da substituição processual do Banco A pelo Banco B, não é menos certo que agora, em sede de conhecimento da substância dos pedidos, tais decisões têm de ser apreciadas e ponderadas, porque as mesmas, se eram relevantes para decidir da questão processual referida, são ainda mais relevantes para conhecer da substância do que vem pedido. Pode argumentar-se dizendo que é a mesma questão. E de uma certa forma isso é verdade. Mas é uma questão que não só era relevante para a decisão da legitimidade processual, como é relevante para a decisão sobre o fundo da causa. Correndo o risco de parecer repetitivo, o que foi decidido no recurso tramitado por apenso foi que o réu Banco B tinha legitimidade para intervir na acção, do lado passivo, em substituição do Banco A, no pressuposto que a relação jurídica alegada pelos autores existia e tinha aquela configuração. Ou seja, aceitando como pressuposto que o direito alegado pelos autores existia, o réu Banco B tinha legitimidade para litigar do lado passivo. Agora estamos a discutir se esse direito existe. Melhor ainda, estamos a discutir se os autores têm sobre o réu Banco B o direito de que se jactam.
E porquê ser importante a Deliberação de Resolução do Banco de Portugal ?
E porquê ser importante a Deliberação de Resolução do Banco de Portugal ?
Porque é pacífico que para efeitos do que se discute nestes autos, os autores não celebraram nenhum contrato de arrendamento com o réu Banco B. [...]
Daqui resulta com meridiana evidência que a Deliberação do Banco de Portugal, que o réu Banco B tentou trazer aos autos mediante o referido articulado superveniente, não releva apenas para atribuir legitimidade a este réu para ocupar na lide o lugar que era originalmente ocupado pelo Banco A, antes da resolução. Também serve para isso, obviamente, como o acórdão desta Relação de 24/11/2016 decidiu. Mas, muito mais importante do que isso, serve para aferir da existência ou não do direito alegado pelos autores e negado pelo réu. [...]
Supomos ser por isso evidente a relevância do articulado superveniente, para poder aferir da existência ou não do direito alegado pelos autores.
E por isso consideramos que o despacho que indeferiu o requerimento de apresentação do articulado superveniente violou o disposto no art. 588º,1,2,3,c CPC, e não se pode manter, tendo de ser substituído por outro que admita o articulado superveniente, e determine o prosseguimento da acção, nomeadamente decidindo sobre o requerimento probatório apresentado no mesmo momento pelo réu Banco B. Claro que isto significa que a sentença recorrida terá de ser anulada, e que fica prejudicado o conhecimento das outras questões suscitadas no recurso. Caberá ao prudente julgamento do Tribunal recorrido a decisão sobre a actividade probatória a realizar, nomeadamente decidindo sobre a que vem requerida no articulado superveniente, e sobre a necessidade de repetir ou não alguma das inquirições já efectuadas, as quais não resultam automaticamente anuladas com esta decisão."
[MTS]