"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



11/05/2018

Jurisprudência (835)

 
Recurso; admissibilidade;
sucumbência; legitimidade passiva

 
1. O sumário de RL 21/12/2017 (6942/04.7TJLSB.L2-6) é o seguinte:

– É admissível o recurso interposto por condóminos da sentença que condenou o condomínio em valor superior a metade da alçada do tribunal de que se recorre.

– Salvas as questões de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não conhece de questões novas.

– Na acção de cobrança de dívida do condomínio, apenas deve ser demandado este, e não também os condóminos, relativamente aos quais se verifica ilegitimidade passiva.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, as questões a decidir são:
 
– questão prévia da admissibilidade dos recursos;

No recurso do Réu A...:

– quanto à decisão tomada em audiência prévia, saber se o Recorrente, enquanto condómino, não tem legitimidade passiva. [...]
 
Questão prévia:

Da admissibilidade dos recursos: Defende a recorrida que os recursos não são admissíveis, segundo a regra de uma sucumbência mínima de €2.500,00, pois apenas o 1º Réu, Condomínio, poderia interpor recurso, sendo que os recorrentes, atentas as respectivas permilagens, sucumbiram, no caso do recorrente A... em €1.870,38, e no caso da recorrente M... e marido, em €1.489,92.

O tribunal recorrido apelou para os termos da sua própria decisão, segundo a qual foi condenado o 1º Réu, consignando-se os termos de repartição de responsabilidade em que o mesmo, satisfazendo a condenação, poderá reclamar dos condóminos o que tiver pago. Em bom rigor, da própria sentença, na sua parte dispositiva, resulta a condenação do Condomínio “e, por força disso, os demais RR. (…) estes na proporção do valor das fracções de que são titulares (Art. 1424º nº 1 e nº 4 do C.C.), no pagamento à A. (…)”. A expressão não indica a condenação dos condóminos, mas antes a medida em que eles serão responsáveis, e por isso deve atender-se à procedência do pedido quanto ao 1º Réu e a valor da condenação deste, não se verificando portanto qualquer impedimento à admissibilidade do recurso por força da regra do valor e da sucumbência prevista no artigo 629º do CPC. [...]

Recurso do Réu A...:

A questão a decidir é esta: na acção de cobrança de dívida do condomínio, em que é credor determinada pessoa e devedor o condomínio, sendo a mesma intentada contra este, podem ou não ser demandados conjuntamente os condóminos?
 
Se pensarmos no condomínio como um centro de imputação de interesses colectivos, interesses que são diversos (ou conceptualizáveis com autonomia) dos dos condóminos, e se a este centro, para obviar à sua falta de personalidade jurídica, o legislador atribuiu personalidade judiciária, então diremos que os tais interesses diversos do condomínio devem ser exercidos por esse mesmo centro de imputação de interesses colectivos – donde, a dívida do condomínio deve ser “combatida” em juízo pelo condomínio. 
 
Em que é que a responsabilidade última do património de cada condómino altera esta conclusão?
 
Se admitimos os condóminos a intervirem na defesa dos interesses do condomínio, ficamos com a inutilização da própria instituição legal de personalidade judiciária do condomínio. Se admitimos essa intervenção para que os condóminos não fiquem sujeitos a uma administração ineficiente, continuamos na mesma: para que serviu então criar um centro de imputação de interesses colectivos? E mais, não estaremos então, no respeito por essa criação legislativa, a ter de relegar essa deficiente administração para a sede das relações entre o condomínio e os condóminos? 
 
E mais ainda, não têm os condóminos meios de defesa, ficam prejudicados no seu direito de defesa, se não tiverem intervenção na acção de cobrança de dívida contra o condomínio? Não ficam eles ainda assim de posse dos meios de oposição à execução que contra cada um deles possa vir a ser instaurada? 
 
Assim, o que impede a demanda conjunta de condóminos e condomínio é precisamente a instituição legal do próprio condomínio, a quem compete a gestão dos interesses comuns dos condóminos, designadamente, a celebração de um contrato de manutenção dos elevadores que a todos servem, e em consequência a defesa que em juízo tenha de vir a ser feito a propósito de tal contrato. Ora, no fundo, do que estamos a falar é duma questão de eficácia: como regular os assuntos que interessam a uma comunidade que vive num determinado prédio? Não é eficaz obrigar todos os condóminos a assinarem o contrato, não é eficaz obrigar o porteiro a bater a todas as portas para pedir a cada condómino que lhe pague a sua parte do salário. Também não é eficaz – como aliás a presente acção plenamente o demonstra – que uma empresa credora tenha de demandar todos os condóminos pela satisfação do seu crédito: não é eficaz fazerem-se centenas de notificações, chamarem-se a juízo dezenas de advogados. Prevenindo portanto todos estes obstáculos à velocidade normal da gestão de assuntos correntes absolutamente necessários a uma comunidade, é que o legislador criou a figura do condomínio, atribuindo-lhe poderes substantivos e depois poderes processuais. 
 
Embora nada na lei expressamente proíba a demanda conjunta, é o seu espírito que contraria a solução admitida nos autos."
 
3. [Comentário] Tem-se dificuldade em aceitar a admissibilidade do recurso interposto por um dos condóminos, dado que, tal como a recorrida demonstrou, a quantia em que decaiu é efectivamente inferior ao montante da sucumbência que torna admissível a apelação. 
 
A RL argumenta que se deve atender à "procedência do pedido quanto ao 1º Réu [isto é, quanto ao condomínio] e a valor da condenação deste". A justificação é duvidosa porque a admissibilidade da interposição do recurso por uma parte nunca justifica a admissibilidade da interposição do recurso por uma outra parte.
 
No caso concreto, a solução é ainda mais discutível, dado que, pretendendo o recorrente discutir a sua legitimidade processual (e não a condenação do condomínio), não é claro o que pode justificar que o seu recurso seja considerado admissível com base na condenação deste condomínio. Note-se ainda que esta condenação haveria sempre que permanecer imutável mesmo que o recorrente viesse a ser reconhecido parte ilegítima, o que mostra que o recurso interposto pelo condómino não tem nada em comum com a condenação do condomínio.

MTS