"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



21/05/2018

Pode o executado exercer o direito de remição?



1. Segundo o disposto no art. 842.º CPC, o cônjuge do executado e alguns familiares desta parte podem exercer o direito de remição. Este direito equivale a um direito de preferência, dado que ele atribui àquele cônjuge e àqueles familiares o direito a adquirir o bem alienado na venda (ou na adjudicação) pelo preço da maior oferta.

É indiscutível que o direito de remição pode ser exercido sempre que o cônjuge ou o familiar do executado seja um terceiro perante a execução, isto é, não seja ele mesmo executado na execução em que se realizou a venda (ou a adjudicação). Pode perguntar-se, no entanto, se é impossível imaginar que um executado possa exercer o direito de remição.

A orientação mais comum é a de que só um terceiro perante a execução pode exercer o direito de remição (cf. RG 30/11/2006 (1977/06-1); Costa Ribeiro/S. Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada (2016), 526 s.). Implicitamente, o critério utilizado é o seguinte: o que releva para a atribuição do direito de remição é que o titular seja um terceiro perante a execução, não perante a dívida exequenda. É por isso que, mesmo que o executado não seja o devedor da dívida exequenda, esta parte não pode exercer o direito de remição.

Esta orientação merece ser repensada.

2. Talvez o caso mais interessante que importa analisar é aquele em que um titular do direito de remição passa a assumir, através do incidente de habilitação, a posição de executado. Suponha-se, por exemplo, que a execução foi proposta contra A, pai de B; A falece e B é habilitado como herdeiro de A. Se A não tivesse falecido e se, na execução fosse vendido o prédio x de A, é indiscutível que B poderia exercer o direito de remição. Pergunta-se então: pela circunstância de A ter falecido e de B ter assumido a posição de executado (agora por uma dívida da herança), B perde o seu direito de remição?

Imediatamente se vê que uma resposta positiva assenta num critério meramente formal. Se A não tivesse falecido, B poderia exercer o direito de remição; logo, não deve ser pela circunstância de B se ter tornado executado por uma dívida alheia que deve perder esse direito. B é terceiro perante a dívida exequenda, o que, aliás, justifica que apenas os bens que tenha recebido da herança possam responder por essa dívida (art. 744.º, n.º 1, CPC).

Este critério material da aferição da posição de terceiro de B perante a dívida exequenda deve prevalecer sobre o critério formal de que B é executado. O critério geral é, pois o seguinte: a remição é admissível (i) pelo executado que preenche as condições do art. 842.º CPC (ii) quanto a bens que não estejam a responder por uma dívida desse mesmo executado.

Contra o referido critério formal, pode ainda acrescentar-se que o mesmo não encontra nenhuma justificação na finalidade da execução, que é a satisfação do crédito do exequente. Para esta parte é completamente indiferente que a quantia apurada para pagar o seu crédito provenha do adquirente do bem ou do executado que, nas condições acima referidas, tenha exercido o direito de remição.

Sendo assim, o exercício do direito de remição pelo executado só está excluído quando a dívida for do próprio executado, dado que seria estranho que se admitisse que o executado que não pagou a dívida exequenda pudesse adquirir o bem cuja venda se destina a pagar essa mesma dívida. Se o executado possui liquidez para comprar o bem vendido na execução, o que se pode esperar é que essa liquidez seja utilizada para pagar, pelo menos parcialmente, a dívida exequenda, o que, aliás, até pode deixar sem justificação, atendendo ao princípio da instrumentalidade da venda executiva (cf. art. 813.º, n.º 1, CPC), a própria venda do bem que tinha sido penhorado.

De acordo com o critério enunciado, o herdeiro que se torna executado por habilitação pode exercer o direito de remição na venda do bem da herança que se encontra penhorado, mas já não o pode fazer o cônjuge executado quanto a um bem comum ou a um bem próprio do outro cônjuge que responde por uma dívida comum. Dado que o que releva para o reconhecimento do direito de remição é que o executado não seja o devedor da dívida exequenda, o mesmo há que concluir no caso da pluralidade de executados, designadamente por haver uma pluralidade de devedores, uma pluralidade constituída pelo devedor e pelo fiador e ainda uma pluralidade integrada pelo devedor e pelo terceiro que é titular do bem sobre o qual recai a garantia real (cf. art. 54.º, n.º 2, CPC).

MTS