Competência material; aferição;
dupla conforme
1. O sumário de STJ 9/11/2017 (8214/13.7TBVNG-A.P1.S1) é o seguinte:
I - Não obstante ocorrer dupla conforme (decisões e fundamentação inteiramente coincidentes das instâncias, sem voto de vencido), versando o recurso sobre a fixação da competência material do tribunal judicial, é óbvia a admissibilidade da revista – arts. 629.º, n.º 2, al. a), 671.º, n.º 2, al. a), e n.º 3 (parte inicial), do CPC.
II - Como é doutrina e jurisprudência pacíficas, a competência em razão da matéria (ou jurisdição) afere-se em função da relação material controvertida configurada pelo autor, tendo presente que o sistema judicial não é unitário, mas constituído por várias categorias de tribunais, separados entre si, com estrutura e regime próprios.
III - Resultando da petição que os autores, fundamentalmente, o que pretendem é obter a área de terreno que dizem pertencer ao seu lote, ainda que para tanto seja necessária a destruição do anexo e das caixas de drenagem das águas que não se encontram implantadas nos locais indicados nos respectivos alvará e planta de loteamento, ou, em alternativa a redução do preço que pagaram, a questão central dirimenda consubstancia uma relação jurídica de direito privado.
IV - Para conhecer desse núcleo central é competente, em razão da matéria, o tribunal judicial, por assentar em alegado incumprimento contratual, ou melhor no cumprimento imperfeito ou defeituoso da compra e venda de um lote de terreno, com implicações no direito de propriedade dos autores (art. 1305.º do CC) e na definição das estremas do seu lote (arts. 1353.º a 1355.º do CC).
V - E, por outro lado, sendo este competente, em razão da matéria, para o conhecimento da questão principal ou fundamental submetida pelos autores ao escrutínio judicial, será também ele o competente para o conhecimento das restantes questões conexas, ainda que, isoladamente consideradas, estas pudessem cair no âmbito do foro administrativo.
VI - Esse alargamento de competência procura conferir celeridade na solução do litígio e simultaneamente atribuir plena eficácia à decisão judicial relativa à relação jurídica fundamental (art. 91.º, n.º 2, do CPC).
II - Como é doutrina e jurisprudência pacíficas, a competência em razão da matéria (ou jurisdição) afere-se em função da relação material controvertida configurada pelo autor, tendo presente que o sistema judicial não é unitário, mas constituído por várias categorias de tribunais, separados entre si, com estrutura e regime próprios.
III - Resultando da petição que os autores, fundamentalmente, o que pretendem é obter a área de terreno que dizem pertencer ao seu lote, ainda que para tanto seja necessária a destruição do anexo e das caixas de drenagem das águas que não se encontram implantadas nos locais indicados nos respectivos alvará e planta de loteamento, ou, em alternativa a redução do preço que pagaram, a questão central dirimenda consubstancia uma relação jurídica de direito privado.
IV - Para conhecer desse núcleo central é competente, em razão da matéria, o tribunal judicial, por assentar em alegado incumprimento contratual, ou melhor no cumprimento imperfeito ou defeituoso da compra e venda de um lote de terreno, com implicações no direito de propriedade dos autores (art. 1305.º do CC) e na definição das estremas do seu lote (arts. 1353.º a 1355.º do CC).
V - E, por outro lado, sendo este competente, em razão da matéria, para o conhecimento da questão principal ou fundamental submetida pelos autores ao escrutínio judicial, será também ele o competente para o conhecimento das restantes questões conexas, ainda que, isoladamente consideradas, estas pudessem cair no âmbito do foro administrativo.
VI - Esse alargamento de competência procura conferir celeridade na solução do litígio e simultaneamente atribuir plena eficácia à decisão judicial relativa à relação jurídica fundamental (art. 91.º, n.º 2, do CPC).
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635º, n.º 4 , e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil), resumem-se à análise e dilucidação da única questão jurídica por ele colocada a este tribunal e que consiste em determinar se o tribunal judicial é competente, em razão da matéria, para apreciar dos pedidos aludidos no petitório inicial sob os números VII) e VIII), ou seja, ser o recorrente condenado a suprimir o acesso à cobertura do anexo e a rectificar as câmaras de ramal de ligação (CRL) das águas pluviais e residuais conforme o projecto de loteamento aprovado, nomeadamente, elevar a CRL das águas residuais e reimplantar a CRL das águas pluviais, removendo a actual e procedendo ao seu enchimento com terra, ou a pagar aos Autores a quantia de 3.850 euros, acrescidos de IVA, caso não proceda às alterações às CRls.
Antes de entrar na abordagem dessa questão, importa esclarecer que, não obstante ocorrer dupla conforme (decisões e fundamentação inteiramente coincidentes das instâncias, sem voto de vencido), versando o recurso sobre a fixação da competência material do tribunal judicial, é óbvia a admissibilidade da revista - art.ºs 629º, n.º 2, alínea a), 671º, n.º 2, alínea a), e n.º 3 (parte inicial) do Cód. Proc. Civil.
Definida a recorribilidade do acórdão impugnado e avançando para a questão fulcral do recurso - fixação do tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer dos aludidos pedidos - interessa sublinhar que, como é doutrina e jurisprudência pacíficas, a competência em razão da matéria (ou jurisdição) afere-se em função da relação material controvertida configurada pelo autor [...]. É, portanto, a partir da análise da forma como o litígio se mostra estruturado na petição que poderemos encontrar as bases para responder à questão de saber qual é o tribunal (ou a jurisdição) competente para a apreciação do mesmo, tendo presente que o sistema judicial não é unitário, mas constituído por várias categorias de tribunais, separados entre si, com estrutura e regime próprios [Cfr., neste sentido, Mário Aroso de Almeida, in Manual de Processo Administrativo, 2017, 3ª edição, pág. 43].
A tal propósito, dispõe o art.º 211°, n.° 1, da CRP que "os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais", competência residual confirmada pelos art.ºs 40º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013 de 26/08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário) e 64º do Cód. Proc. Civil, estatuindo, por seu turno, o art.º 212°, n° 3, da CRP, que "compete aos tribunais administrativos o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas".
Decorre dos citados preceitos constitucionais e dos art.ºs 1º e 4º do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2004 (cfr. art.º 9.° da Lei n04-A/2003, de 19 de Fevereiro ) que os tribunais administrativos viram a sua competência alargada e são hoje considerados os tribunais comuns em matéria administrativa, isto é, apresentam-se com uma área própria, uma reserva de jurisdição, que espelha o seu núcleo essencial, ainda que algumas matérias possam ser pontualmente atribuídas, por lei especial, a outra jurisdição.
Tal doutrina encontra-se espelhada nos ensinamentos de Mário Aroso de Almeida, in Manual de Processo Administrativo, 2017, 3ª edição, págs. 161 a 181, e José Carlos Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa (Lições), 2016, 15ª edição, págs. 100 e 103 a 113, e Ana Fernanda Neves, Âmbito de jurisdição e outras alterações ao ETAF, in E-pública revista electrónica de Direito Público, n.° 2, Junho 2014, disponível em http://e-publica.pt/ambitodejurisdicao.html.) e está, aliás, plasmada em dezenas de acórdãos quer do Supremo Tribunal Administrativo, quer do Tribunal Constitucional - cfr. acórdãos do STA de 03.10.96 (Pleno), rec. 41.403, de 26.02.97 (Pleno), rec. 41 487, de 2.02.98 (Pleno), rec. 40247, e de 27.02.2003, rec. 285/03, e acórdãos do TC, proc. 372/94, DR 07.09.94, proc. 347/97, DR 25.07.97, e proc. 508/94, DR 13.12.94.
Debruçando-nos sobre a situação em apreço verifica-se que nos aludidos pedidos não se questiona a legalidade ou ilegalidade de qualquer acto administrativo, nem está em causa qualquer contrato dessa natureza, e da análise da petição inicial vê-se também que o cerne do litígio tem por base o incumprimento contratual, mais propriamente o cumprimento imperfeito ou defeituoso [...], referente à compra e venda de um lote de terreno, cuja área é inferior à escriturada, o que ocorreu por acção do recorrente, encarregado do loteamento desse terreno, que, nos termos alegados nos art.ºs 18º a 29º dessa peça processual, terá desrespeitado a linha de meação entre o lote 5 e o lote 4 e terá igualmente construído um anexo clandestino, no tardoz, que ocupa parte do lote que compraram.
Resulta, assim, que os autores, fundamentalmente, o que pretendem é obter a área de terreno que dizem pertencer ao seu lote, ainda que para tanto seja necessária a destruição do anexo e das caixas de drenagem das águas que não se encontram implantadas nos locais indicados nos respectivos alvará e planta de loteamento, ou, em alternativa a redução do preço que pagaram. Daqui decorre, linearmente, que a questão central dirimenda se consubstancia numa relação jurídica de direito privado, que assenta no alegado incumprimento contratual, ou melhor no cumprimento imperfeito ou defeituoso da compra e venda de um lote de terreno, com implicações no direito de propriedade dos autores (art.º 1305º do Cód. Civil) e na definição das estremas do seu lote (art.º 1353º a 1355º do Cód. Civil), sendo consequentemente o tribunal judicial o competente, em razão da matéria, para conhecer do núcleo central da acção.
E, por outro lado, sendo este competente, em razão da matéria, para o conhecimento da questão principal ou fundamental submetida pelos autores ao escrutínio judicial, será também ele o competente para o conhecimento das restantes questões conexas, os aludidos dois pedidos, ainda que, isoladamente considerados, pudessem cair no âmbito do foro administrativo. Como o Tribunal dos Conflitos tem vindo a decidir estando em causa diversos pedidos, alguns deduzidos cumulativa ou subsidiariamente, a definição da jurisdição competente afere-se pela índole da causa, resultando esta do pedido principal [Cfr., entre outros, os acs. do Tribunal dos Conflitos de 09.06.2010, Proc. 12/10, de 09.07.2014, Proc. 32/14, de 30.10.2014, Proc. 37/1, 22.04.2015, Proc. 01/15, 07.06.2016, Proc. 33/15, e de 01.06.2017, Proc. 02/16, todos acessíveis in www.dgsi.pt].
É seguro que o loteamento, sua aprovação, emissão de alvará, reconstituição, emissão de licença para construção do anexo, etc. são actos administrativos e, como regra, os tribunais administrativos são os materialmente competentes para a sua impugnação contenciosa. Todavia, no caso, encontrando-se alguns dos aspectos atinentes a tais actos conexionados com o núcleo essencial do litigio de natureza privada que cabe dirimir ao tribunal judicial, a competência deste alarga-se e, nos termos do art.º 91º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil, estende-se também ao conhecimento dessas questões.
Deste modo, é forçoso concluir que, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, se deve manter o sentido decisório do acórdão recorrido, com atribuição da competência em razão da matéria ao tribunal judicial para conhecer também dos pedidos formulados pelos autores de supressão do acesso à cobertura do anexo e à rectificação das câmaras de ramal de ligação (CRL) das águas pluviais e residuais, em ordem à reposição do seu lote com a área constante do projecto de loteamento aprovado.
Esse alargamento de competência procura conferir celeridade na solução do litígio e simultaneamente atribuir plena eficácia à decisão judicial relativa à relação jurídica fundamental, pois que, como se sabe, a competência por extensão em consequência da qual um tribunal competente, por lei, para conhecer de certa causa, se torna também competente para conhecer de outras questões que, normalmente, não caberiam na medida da sua jurisdição, visa precisamente evitar a suspensão da causa principal até ao julgamento no tribunal próprio das questões conexas. Aliás, a decisão que o tribunal judicial vier a proferir, a tal respeito, apenas produzirá efeito neste processo (art.º 91º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil).
Nesta conformidade, improcedem as conclusões do recorrente a quem não assiste razão em insurgir-se contra o decidido no acórdão da Relação."
[MTS]