Oposição à penhora;
notificação electrónica; prazo
notificação electrónica; prazo
1. O sumário de RE 8/2/2018 (2002/15.3T8LLE-A.E1) é o seguinte:
I - Tendo a executada constituído mandatário no processo de execução, de acordo com o artigo 247.º, n.º 1, do CPC, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
II - A notificação à parte não pode ter a virtualidade de postergar «as regras procedimentais de interesse e ordem pública» que regem sobre a forma da notificação, isto porque as mesmas visam acautelar que, com certeza e segurança jurídicas, se fixe no processo o termo inicial da contagem dos prazos para a prática de determinados actos cujo decurso tem consequências preclusivas.
III - Sendo o SISAAE e CITIUS dois sistemas distintos, a comunicação entre estes não é imediata mas assíncrona, o que justifica que o acto praticado pelo Senhor Agente de Execução no SISAAE no dia 10 de Maio só tenha ficado visível no CITIUS no dia 4 de Junho, data a partir da qual a sua consulta podia então ser efectuada, designadamente pelos mandatários dos exequentes e dos executados, por só então ter sido disponibilizada no CITIUS, que assegura automaticamente a sua disponibilização e consulta no endereço eletrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt.
IV - Em face desta disponibilização automática das notificações, poderia supor-se que o dies a quo da contagem do prazo para a prática do acto, coincidia com a data da certificação pelo sistema informático da realização da notificação, porquanto estaria afastada a ratio legis da presunção de notificação no 3.º dia posterior ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja, claramente pensada para a notificação por via postal.
V - Porém, o legislador, pese embora assegure que a notificação por via da transmissão electrónica de dados chega de forma automática ao destinatário, o certo é que também não desconhece que a mesma pode não ser instantânea, estabelecendo assim esta dilação «em favor do notificado, sendo um prazo que o beneficia sempre».
VI - Em conformidade, tendo o sistema certificado a indicada data como sendo a data da notificação da realização da penhora sobre o imóvel ao Ilustre Mandatário da Executada, e atento o preceituado no artigo 248.º do CPC, in fine, esta presume-se feita no 3.º dia posterior ao da elaboração, por ser dia útil.
VII - Assim, o assinalado prazo de 10 dias para a executada deduzir oposição à penhora, terminava precisamente no dia em que tal acto foi praticado.
2. No relatório e na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"I – Relatório
1. AA, LDA, por apenso aos autos de execução que lhe foram movidos por BB – Associação de Proprietários, deduziu oposição à penhora, que veio a ser liminarmente indeferida por despacho proferido em 05.05.2017, com o seguinte teor:
«A 17.06.2016, a Executada veio deduzir oposição à penhora.(…)
A 08.04.2016 foi penhorado o imóvel descrito no auto de penhora com a mesma data.
A Executada notificada da penhora do referido imóvel a 13.05.2016 (…) [...] (artigos 247º, nº 1 e 247º, nº 2 do Código de Processo Civil).
Nos termos do disposto no artigo 785º, nº 1 do Código de Processo Civil, a oposição à penhora tem de ser apresentada no prazo de 10 dias a contar da notificação do acto da penhora.
No caso da penhora a que a Executada se opõe, o prazo para deduzir oposição à penhora terminou em 23.05.2016.
A Executada apenas deduziu a sua oposição à penhora a 17.06.2016, estando já ultrapassado o prazo legal para a prática do acto.
Assim sendo, e ao abrigo do disposto nos artigos 732º, nº 1, al. a) e 785º, nº 2 do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente a presente oposição à penhora, por extemporaneidade».
2. Inconformada com esta decisão, a Opoente apresentou o presente recurso de apelação que terminou com as seguintes conclusões:
«1. No presente recurso, requer-se a revogação da Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, nos termos da qual foi liminarmente indeferida a oposição à penhora deduzida pela Executada (aqui Recorrente) por alegada extemporaneidade.
2. A Sentença recorrida considerou que a Executada foi notificada da penhora em 13 de Maio de 2016 e que o prazo para deduzir oposição a penhora terminou (consequentemente) em 23 de Maio de 2016, tendo a Executada deduzido a sua oposição em 17 de Junho de 2016.
3. A Executada foi notificada por via postal, por carta expedida com data de 9 de Maio de 2016 e recebida, em 11 de Maio de 2016 - registo RN944555480PT.
4. Sucede porém que o Mandatário da Executada (ora Recorrente) apenas foi notificado em 7 de Junho de 2016, conforme resulta do sistema citius – vide registo com o n.º 3058873, de 4 de Junho de 2016 (data à qual acrescem os 3 dias de dilação nos termos do disposto nos arts. 254º, nº 5, do CPC, e 21º-A, nº 5, da Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro, com a redacção da Portaria nº 1538/2008,de 30 de Dezembro).
5. Apesar de a notificação expedida para o Mandatário da Executada (aqui Recorrente) encontrar-se datada de 10 de Maio de 2016, a mesma apenas foi enviada através do sistema citius em 4 de Junho de 2016, presumindo-se recebida em 7 de Junho de 2016.
6. Por conseguinte, o prazo para deduzir oposição a penhora não terminou em 23 de Maio de 2016, conforme consta da Sentença recorrida, mas sim no dia 17 de Junho de 2016 (10º dia a contar da notificação efectuada em 7 de Junho de 2016), data na qual, e conforme consta da Sentença recorrida, foi apresentada a oposição à penhora.
7. Face ao exposto, deve concluir-se que a Sentença recorrida fez uma errada interpretação dos factos, julgando extemporânea a oposição à penhora que foi tempestivamente apresentada, impondo-se, portanto, a sua revogação e substituição por outra que julgue tempestivamente apresentada a oposição a penhora deduzida em 17 de Junho de 2016, ordenando-se o prosseguimento dos autos, nos termos legalmente aplicáveis». [...]
III – Fundamentos
III.2. – O mérito do recurso
Invoca a Recorrente que deduziu tempestivamente a oposição à penhora, porquanto, ao invés do referido pelo tribunal, não se presume notificada no dia 13 de Maio de 2016, já que a notificação ao seu mandatário apenas ocorreu no dia 4 de junho de 2016, presumindo-se a mesma efectuada em 7 de Junho de 2016, razão pela qual, tendo a dedução da oposição ocorrido em 17 de Junho de 2016, não podia ter sido considerada extemporânea, como foi.
Começamos por afirmar que no caso vertente a decisão sobre a extemporaneidade dos embargos assenta na consideração expressa no despacho recorrido de que a executada foi presumidamente notificada da realização da penhora em 13.05.2016, ou seja, teve-se como pressuposto que a notificação se realizou na data mencionada em 4.
Vejamos.
Nada haveria a apontar à decisão recorrida se estivéssemos perante caso em que a executada não tivesse constituído mandatário no processo.
Porém, como resulta da conjugação dos pontos referentes às ocorrências processuais relevantes, quando a penhora do imóvel foi realizada, há muito havia notícia nos autos de que a Executada se encontrava representada por advogado, porquanto desde 3 de Novembro de 2015 que se mostrava junto aos autos o instrumento de procuração subscrita pela executada.
Ora, conforme decorre do artigo 219.º do CPC que rege sobre as funções da citação e da notificação, mormente dos seus n.ºs 2 e 3, a notificação serve para, em quaisquer outros casos que não os da citação, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto, facultando os elementos necessários à plena compreensão do seu objecto.
No caso vertente, tendo a executada sido oportunamente citada no âmbito do processo de execução para deduzir, querendo, oposição, não o fez, mas constituiu mandatário, o que no caso tem toda a relevância quanto à aferição do termo inicial da contagem do assinalado prazo de dez dias para a notificada exercer o seu direito de oposição à penhora.
Efectivamente, as notificações às partes que não constituam mandatário fazem-se nos moldes previstos no artigo 249.º do CPC, por carta registada, dirigida para a sua residência, sede ou domicílio escolhido, presumindo-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Constatando que a Executada havia sido notificada nestes moldes, o Senhor Juiz efectuou o cálculo da contagem do prazo para a mesma deduzir oposição à penhora, tendo como dies a quo o dia 13 de Maio de 2016, data em que se presumia que aquela tivesse sido notificada.
Afigura-se-nos, porém, que o julgador não atentou que a executada havia constituído mandatário no processo de execução, razão pela qual, apesar de ter sido expedida notificação para a parte, não rege o indicado preceito legal mas sim o artigo 247.º do CPC, de acordo com cujo n.º 1, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
Assim, não se tratando de notificação para chamar a parte à prática de um acto pessoal, nos termos prevenidos no n.º 2 do indicado preceito, caso em que, para além de ser notificado o mandatário é também expedido aviso registado à própria parte, a prática daquele acto pelo Senhor Agente de Execução, sendo ademais inútil, não pode ter a virtualidade de postergar «as regras procedimentais de interesse e ordem pública» que regem sobre a forma da notificação, isto porque as mesmas visam acautelar que, com certeza e segurança jurídicas, se fixe no processo, para o que ora importa, o termo inicial da contagem dos prazos para a prática de determinados actos cujo decurso tem consequências preclusivas. «Tal dependendo do momento em que se realiza a notificação, a demonstração eficaz da respectiva data constitui objectivo crucial do direito processual, atentos os efeitos daquela derivados» [Cfr. Ac. TRG de 08.10.2015, processo n.º 58/12.0TBSBR-B.G1, disponível em www.dgsi.pt].
Ora, em face do preceituado no artigo 248.º do CPC, que dispõe sobre as formalidades da notificação, os mandatários são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º do CPC, que rege sobre a tramitação electrónica, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Refere-se o último indicado preceito da codificação processual civil à Portaria n.º 280/2013 de 26 de Agosto, que regula vários aspetos da tramitação eletrónica dos processos judiciais, mormente os que melhor veremos infra.
Acresce ainda que, para a situação dos autos, importa primeiramente ter presente o disposto na Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto que regulamenta vários aspectos das acções executivas cíveis, de entre os quais, os previstos no artigo 1.º, alínea a), sobre a tramitação e registo eletrónico da prática dos actos; alínea e), referente às citações, notificações e publicações; e alínea n), quanto ao dever de informação e comunicação do agente de execução.
Assim, prevê o artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, deste último diploma, que o processo executivo é tramitado por via eletrónica, através dos sistemas informáticos de suporte à atividade dos agentes de execução e do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, sendo os atos processuais do agente de execução praticados através do sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução, e ficando os mesmos a constar do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.
Afiançando o n.º 5 do inciso normativo que quer o sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução quer o sistema informático de suporte à atividade dos tribunais asseguram que qualquer acto registado pode ser consultado no histórico electrónico do processo, o certo é que da mesma norma decorre ainda que tal consulta só pode ser efectuada «através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais».
Assim é porque, tratando-se de dois sistemas distintos, respectivamente conhecidos por SISAAE e CITIUS, a comunicação entre estes não é imediata mas assíncrona - e ao tempo da prática dos actos em questão era particularmente demorada -, o que justifica que o acto praticado pelo Senhor Agente de Execução no SISAAE no dia 10 de Maio só tenha ficado visível no CITIUS no dia 4 de Junho, data a partir da qual a sua consulta podia então ser efectuada, designadamente pelos mandatários dos exequentes e dos executados, por só então ter sido disponibilizada no CITIUS, como prevê o indicado preceito.
Por isso que, para além do já referido no n.º 5, do artigo 5.º, o legislador tenha referido no final do n.º 1 do mesmo artigo que a tramitação processual se efectua, «nos termos previstos na portaria que regula a tramitação eletrónica dos processos judiciais», e expressamente quanto às notificações, tenha previsto no artigo 13.º, quanto às suas formalidades, que «o agente de execução efetua todas as notificações previstas na lei preferencialmente por transmissão eletrónica de dados, através do sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução», mas «a notificação dos mandatários das partes efetua-se por transmissão eletrónica de dados, nos termos da portaria que regula a tramitação eletrónica dos processos judiciais», sendo que, «a data de elaboração da notificação corresponde à data de depósito da notificação no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais».
Efectivamente, do artigo 3.º da já indicada portaria n.º 280/2013, decorre expressamente que não só «a tramitação eletrónica dos processos judiciais prevista na presente portaria é efetuada no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais», como este sistema «disponibiliza módulos específicos para a tramitação do processo e prática de atos por magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e funcionários judiciais, e para a prática de atos e consulta de processos por mandatários judiciais».
Por seu turno, do artigo 25.º, n.º 1, da mesma Portaria, resulta que as notificações por transmissão eletrónica de dados são realizadas através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, que assegura automaticamente a sua disponibilização e consulta no endereço eletrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt.
Em face desta disponibilização automática das notificações, poderia supor-se que o dies a quo da contagem do prazo para a prática do acto, coincidia com a data da certificação pelo sistema informático da realização da notificação, porquanto estaria afastada a ratio legis da presunção de notificação no 3.º dia posterior ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja, claramente pensada para a notificação por via postal.
Porém, não é assim. De facto, o legislador, pese embora assegure que a notificação por via da transmissão electrónica de dados chega de forma automática ao destinatário, o certo é que também não desconhece que a mesma pode não ser instantânea, estabelecendo assim esta dilação «em favor do notificado, sendo um prazo que o beneficia sempre» [Cfr. para maior desenvolvimento a anotação ao artigo 248.º do CPC, efectuada por Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Almedina 2014, págs. 244 e 245].
Aplicando o que vem de dizer-se ao caso vertente, temos que, pese embora o Senhor Agente de Execução tenha datado e assinado no SISAAE a notificação efectuada ao Ilustre mandatário da Executada, por via telemática, com data de 10 de Maio de 2016, o certo é que a mesma apenas foi disponibilizada no CITIUS no dia 4 de Junho de 2016.
Assim, tendo o sistema certificado esta data como sendo a data da notificação da realização da penhora sobre o imóvel ao Ilustre Mandatário da Executada, e atento o preceituado no artigo 248.º do CPC, in fine, esta presume-se feita no 3.º dia posterior ao da elaboração, por ser dia útil [Cfr. neste sentido, Decisão Sumária proferida em 13.03.2014, no processo n.º 130/08.0TBCMN.G1, do TRG, disponível em www.dgsi.pt].
O mesmo é dizer que, na situação em apreço, presumindo-se a notificação ao Ilustre mandatário da Executada efectuada a 7 de Junho, a contagem do prazo para deduzir oposição à penhora iniciou-se a 8 de Junho. Portanto, o assinalado prazo de 10 dias para o efeito, terminava precisamente a 17 de Junho de 2016, dia em que o acto foi praticado.
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, é de concluir pela tempestividade da oposição deduzida à penhora realizada, impondo-se a revogação do despacho que a indeferiu liminarmente, por extemporaneida."
[MTS]