Locação financeira;
sub-rogação do locatário ao vendedor
1. O sumário de RL 18/1/2018 (2464/12.0TVLSB.L1-6) é o seguinte:
– No âmbito da locação financeira, reconhece-se ao locatário legitimidade para exercer contra o fornecedor/vendedor todos os direitos relativos ao bem locado, resultantes do contrato de compra e venda celebrado entre este e o locador (artigo 13º do Dec.-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 265/97, de 2/10 e 285/2001, de 3/11).
– No âmbito da locação financeira, reconhece-se ao locatário legitimidade para exercer contra o fornecedor/vendedor todos os direitos relativos ao bem locado, resultantes do contrato de compra e venda celebrado entre este e o locador (artigo 13º do Dec.-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 265/97, de 2/10 e 285/2001, de 3/11).
– Reconhece-se, assim, ao locatário financeiro as mesmas faculdades que a lei reconhece ao comprador no que concerne ao exercício dos direitos decorrentes do cumprimento defeituoso, designadamente de resolução do contrato de compra e venda, nomeadamente no caso de o bem não satisfazer as características que haviam sido exigidas pelo locatário e garantidas pelo fornecedor/vendedor à data da celebração do contrato e que eram essenciais ao fim a que se destinava.
– O locatário financeiro tem, designadamente, legitimidade para, em substituição do comprador/locador, exercer contra o fornecedor/vendedor o direito de anulação do contrato de compra e venda celebrado entre estes, por erro ou dolo, verificados os respectivos requisitos de relevância exigidos pelos artigos 251º e 254º, do Código Civil.
– Tendo sido declarado anulado ou resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre o comprador/locador e o fornecedor/vendedor, o contrato de locação financeira com aquele conexo, não poderá, obviamente, subsistir, por a tal se opor o efeito retroactivo típico da anulação ou da resolução do contrato, tal como é definido nos artigos 289º, n.º 1, 433º e 434º do Código Civil.
– Se em virtude da declaração de anulação ou da resolução do contrato de compra e venda tem de ser restituído tudo o que tiver sido prestado, com efeito retroactivo, esta mesma consequência afecta necessariamente, e com o mesmo alcance, o contrato de locação financeira.
– O Juiz está limitado pelo princípio do dispositivo (artigo 609º, n.º 1, do CPC), mas a substanciação (ou consubstanciação) permite-lhe definir livremente o direito aplicável aos factos que lhe é lícito conhecer, não estando espartilhado pelas alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5º, n.º 3, do CPC).
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"2.4.– O Tribunal recorrido considerou estarmos perante uma situação de responsabilidade contratual, por venda de coisa defeituosa, perspectiva que temos por correcta.
A venda de coisa defeituosa respeita à falta de conformidade ou de qualidade do bem adquirido para o fim (específico e/ou normal) a que é destinado.
Na premissa de que parte o Código Civil para considerar a coisa defeituosa, só é directamente contemplado o interesse do comprador/consumidor no préstimo ou qualidade da coisa, na sua aptidão ou idoneidade para o uso ou função a que é destinada, com vista à salvaguarda da equivalência entre a prestação e a contraprestação subjacente ao cumprimento perfeito ou conforme ao contrato. O clássico regime edílicio da venda de coisas defeituosas tem directamente em vista os vícios intrínsecos, estruturais e funcionais da coisa – defeitos de concepção ou design e defeitos de fabrico, que tornam a coisa imprópria (por falta de qualidades ou características técnicas e económicas) para o seu destino, o destino especialmente tido em vista por estipulações/ especificações contratuais ou o destino normal das coisas do mesmo tipo – e os danos desses vícios lesivos do interesse na prestação, danos na própria coisa, danos (directos, imediatos) do vício em si ou danos do não cumprimento perfeito (v. g., despesas preparatórias da e feitas com a venda, preço pago, destruição da coisa, menor valor da coisa, custos de reparação, imobilização ou indisponibilidade da coisa e perdas de exploração), conquanto o Código Civil não exclua de todo os prejuízos indirectos, mediatos, sofridos pelo comprador de bens pessoais (saúde, integridade física, vida) e noutros bens patrimoniais em consequência do acidente causado pelo vício intrínseco, estrutural e funcional da coisa comprada [Vide J. Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 5ª edição, Almedina, 2008, pág. 49].
2.5.– No domínio da venda de coisa defeituosa rege o regime jurídico previsto nos artigos 913º a 922º, do Código Civil.
Para proteger o comprador de coisa defeituosa, o mencionado art.º 913º, n.º 1, manda observar, com as necessárias adaptações, o prescrito na secção relativa aos vícios de direito (artigos 905º e seguintes, do CC), concedendo-se dessa forma ao comprador os seguintes direitos: a) Anulação do contrato, por erro ou dolo, verificados os respectivos requisitos de relevância exigidos pelo art.º 251º, do CC (erro sobre o objecto do negócio) e pelo art.º 254º, do CC (dolo); b) Redução do preço, quando as circunstâncias do contrato mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por um preço inferior (art.º 911º, do CC); c) Indemnização do interesse contratual negativo, traduzido no prejuízo que o comprador sofreu pelo facto de ter celebrado o contrato, cumulável com a anulação do contrato ou redução ou minoração do preço (art.ºs 908º, 909º e 911º, ex vi do art.º 913º, do CC); d) Reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição (art.º 914º, 1ª parte, do CC), independentemente de culpa do vendedor, se este estiver obrigado a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, quer por convenção das partes, quer por força dos usos (art.º 921º, n.º 1, do CC).
Porém, o comprador pode escolher e exercer autonomamente a acção de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente de cumprimento defeituoso ou inexacto presumidamente imputável ao devedor (art.ºs 798º, 799º e 801º, n.º 1, do CC), sem fazer valer outros remédios, ou seja, sem pedir a resolução do contrato, a redução do preço, ou a reparação ou substituição da coisa [Vide J. Calvão da Silva, ob cit. pág. 77 e ainda, de entre vários, os acórdãos do STJ de 04.11.2004-processo 04B086 e 06.11.2007-processo 07A3440, publicados em www.dgsi.pt].
Só que esta acção, em que prejuízos indemnizáveis tenham origem no vício da coisa, não pode deixar de obedecer aos prazos curtos previstos especialmente para a venda de coisas defeituosas.
Na verdade, a acção de anulação por simples erro caduca findo qualquer dos prazos fixados no artigo 916º, do CC [...], sem o comprador ter feito a denúncia ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no n.º 2, do art.º 287º (art.º 917º, do CC).
Trata-se de um prazo de caducidade que impende sobre o comprador de coisa defeituosa, para o exercício dos direitos provenientes da venda da coisa com defeito, justificando-se a relativa estreiteza dos prazos fixados para a denúncia do defeito e a caducidade da acção, quando a venda de coisas defeituosas se refira a coisas móveis, com o intuito/finalidade de encurtar a duração do estado de incerteza, que a anulabilidade lança sobre a compra (com inconvenientes de vária ordem até no comércio jurídico), e evitar também as dificuldades de prova que os longos prazos de caducidade acabariam por criar sobre os pontos que interessam à procedência da anulação. [Vide, entre outros, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 213 e J. Calvão da Silva, ob. cit., pág. 81].
No caso vertente, dúvidas não restam de que o bem em análise (Sistema de Microprodução de Energia Eólica) não possuía as qualidades relevantes para efeito da plena satisfação dos interesses do locatário financeiro, para a adequada satisfação da função económica visada, consistente na produção de energia, qualidades essas que foram asseguradas e garantidas pelo vendedor (pontos 3, 4, 5, 13, 14, 15, 16, 19, e 21 a 24 dos factos provados).
Configura-se, assim, também, uma situação de erro sobre o objecto do negócio (artigo 251º do CC), que abrange as suas qualidades, sendo de presumir, segundo critérios de normalidade, até pelo teor das propostas apresentadas e negociadas e pelos factos apurados ocorridos em data posterior ao negócio, que o fornecedor do equipamento (Ré P...), ao celebrar o contrato de compra e venda, conhecia ou devia conhecer a essencialidade dos motivos que levaram o comprador/locador a concluir o negócio e que este último agiu em erro sobre as qualidades do negócio, de tal modo que se conhecesse a realidade que veio a concretizar-se não teria, definitivamente, querido concluir o negócio.
Sem embargo, dúvidas não restam que no caso vertente, atendendo ao acervo de factos apurados, o locatário (Autor), em substituição do locador (Réu/Recorrente), exerceu tempestivamente contra a fornecedora/vendedora (Ré P...) o direito potestativo de denúncia dos defeitos da coisa com que se deparou e, por a tal ser forçado, face à inércia da fornecedora do bem, o direito potestativo de resolução do contrato de compra e venda, resolução que nem sequer foi posto em causa pela fornecedora, a Ré P..., pela via judicial ou extrajudicial.
2.6.– Neste conspecto, bem andou, pois, o Tribunal a quo em considerar válida e eficaz a resolução extrajudicial do contrato de compra e venda em apreço, por parte do locatário, que agiu em sub-rogação, por assim se dizer, do comprador/locador financeiro, nos termos do artigo 13º do Dec.-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho e dos artigos 406º, 762º, 798º, do Código Civil.
2.7.– Resolvido o contrato de compra e venda, o contrato de locação financeira com aquele conexo, não poderia, obviamente, subsistir, por a tal se opor o efeito típico da resolução do contrato, tal como é definido nos artigos 433º e 434º do Código Civil.
Vale isto por dizer que o efeito típico da resolução do contrato de compra e venda priva irremediavelmente de base ou suporte a própria locação financeira, por tal efeito extintivo da relação contratual de compra e venda inviabilizar de pleno a fruição e ulterior aquisição pelo locatário do bem locado [...].
Como se pondera no Acórdão do STJ, de 15-05-2008, processo 08B332, disponível em www.dgsi.pt., “A anulação do contrato de compra e venda origina, assim, a consequente anulação do consequente contrato de locação – vide, neste sentido, também Calvão da Silva, in Locação financeira e Garantia Bancária, p. 24 e Direito Bancário, Coimbra 2001, pág. 426.
O locador - como se escreve no acórdão recorrido – “por forçada anulação, deixa de ser proprietário jurídico do bem e, por isso, não pode assegurar o seu gozo, como se obrigou, de acordo com o art. 9º, nº 1, al.b) do citado Dec. Lei…”Por isso, fica sem justificação o financiamento. E aplicando o mesmo regime - art. 289º, nº 1 do C. Civil – “há que restituir mutuamente tudo o que tiver sido prestado, cessando, retroactivamente, ou seja, desde a celebração do contrato, os seus efeitos”."
[MTS]