"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



16/05/2018

Jurisprudência (837)


Jurisdição voluntária; 
revista; admissibilidade


1. O sumário de STJ 16/11/2017 (212/15.2T8BRG-A.G1.S2) é o seguinte:

I - Na linha da jurisprudência seguida pelo STJ, haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respectivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstracta de resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade.

II - Tendo o recorrente suscitado questões que se reportam a critérios normativos, devem as mesmas ser conhecidas pelo STJ. Só assim não será se, em concreto, o recorrente se limitar a invocar preceitos pretensamente violados sem substanciar em que consiste essa violação ou sempre que a decisão da Relação tiver sido tomada com base em juízos de oportunidade ou de conveniência, caso em que o STJ se encontra impedido de sindicar tais juízos (cfr. art. 988.º, n.º 2, do CPC)

III - Se a propósito da fixação do regime de visitas do menor ao seu progenitor, ora recorrente, o acórdão recorrido respeitou os critérios de conveniência e oportunidade consagrados nos n.os 5 e 7 do art. 1906.º do CC, não podem tais medidas concretas fixadas pela Relação ser sindicadas pelo STJ.

IV - Não ocorre a violação do princípio da igualdade, previsto no art. 13.º da CRP – conforme densificado pelo TC em termos que são válidos tanto para os actos normativos como para as decisões judiciais – quando se verifica que o acórdão regulou o sistema de visitas do menor ao recorrente procurando proceder à possível conciliação prática dos interesses em confronto perante a circunstância específica de requerente e requerido terem residência habitual em países geograficamente situados em pontos opostos do globo terrestre, tendo sempre em vista assegurar o superior interesse do menor.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"5. Nas providências a tomar em sede de processos de jurisdição voluntária como o presente (cfr. art. 150º da O.T.M., em vigor à data da propositura da acção, e art. 12º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aplicável aos processos em curso à data da entrada em vigor do novo Regime, conforme previsto no art. 5º da Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro)“o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” (art. 987º, do CPC). Por sua vez, o n.º 2 do artigo 988º do CPC prescreve que “Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.”

O sentido e alcance desta proibição legal de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça têm vindo a ser esclarecidos em termos uniformes pela jurisprudência do Tribunal (cfr. acórdãos de 27/05/2008 (proc. nº 08B1203), de 20/01/2010 (proc. nº 701/06.0TBETR.P1.S1), de 16/03/2017 (proc. nº 1203/12.0TMPRT-B.P1.S1), de 25/05/2017 (proc. 945/13.8T2AMD-A.L1.S1) e de 25/05/2017 (proc. nº 945/13.8T2AMD-A.L1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt. Socorremo-nos, para o efeito, da explanação do último acórdão indicado:

“Significa isto que, sendo as providências de jurisdição voluntária tomadas com a predominância de critérios de conveniência ou oportunidade sobre os critérios de estrita legalidade, delas não caberá também, em princípio, recurso de revista.

Com efeito, na esfera da tutela de jurisdição voluntária, em que se protegem interesses de raiz privada mas, além disso, com relevo social e alcance de interesse público, são, por isso, conferidos ao tribunal poderes amplos de investigação de factos e de provas (art.º 986.º, n.º 2, do CPC), bem como maior latitude na determinação da medida adequada ao caso (art.º 987.º do CPC), em derrogação das barreiras limitativas do ónus alegatório e da vinculação temática ao efeito jurídico especificamente formulado, estabelecidas no âmbito dos processos de natureza contenciosa nos termos dos artigos 5.º, n.º 1, 260.º (quanto ao pedido e causa de pedir) e 609.º, n.º 1, do CPC.

É, pois, tal predomínio de oficiosidade do juiz sobre a atividade dispositiva das partes, norteado por critérios de conveniência e oportunidade em função das especificidades de cada caso, sobrepondo-se aos critérios de legalidade estrita, que justifica a supressão de recurso para o tribunal de revista, vocacionado como é, essencialmente, para a sindicância da violação da lei substantiva ou processual, nos termos do artigo 674.º e 682.º, n.º 3, do CPC.

Foi nesse sentido que, no acórdão do STJ, de 20/01/2010, proferido no processo n.º 701/06.0TBETR.P1.S1, se observou o seguinte:

«Explica-se desta forma que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei, substantiva (…) ou adjectiva (…), não possa, nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade, ao abrigo do disposto no artigo 1410.º [atual 987.º] do CPC. Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação (…), a lei restringe a admissibilidade de recurso até à Relação.»

No entanto, na interpretação daquela restrição de recorribilidade, importa ter em linha de conta que, em muitos casos, a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza tal decisão.

Assim, quando, no âmbito das próprias decisões proferidas em processos de jurisdição voluntária, estejam em causa a interpretação e aplicação de critérios de legalidade estrita, já a sua impugnação terá cabimento em sede de revista, circunscrita ao invocado erro de direito.

Como se ressalva no aresto do STJ de 20/01/2010 acima citado, a propósito da inadmissibilidade de revista nos referidos processos:

«A verdade, todavia, é que esta limitação não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nestes recursos; apenas a confina à apreciação das decisões recorridas enquanto aplicam a lei estrita. É nomeadamente, o que se verifica, quer quanto à verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar, quer quanto ao respeito do fim com que esse poder foi atribuído. […]

Tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça (…) a apreciação da respectiva verificação.»

Em conformidade com tal entendimento, quanto ao essencial, na linha da jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respetivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata de resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade.” [...]"
[MTS]