"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



08/05/2018

Jurisprudência (833)


Excepção de caso julgado;
causa de pedir; diversidade


1. O sumário de STJ 9/11/2017 (3407/15.5T8BRG.G1.S1) é o seguinte:

I – Formulados na PI dois pedidos, ambos julgados improcedentes na sentença, e apelando o autor apenas para obter a procedência do primeiro daqueles pedidos, a absolvição do pedido proferida quanto ao segundo forma caso julgado, pelo que não é abrangido pela absolvição da instância depois decretada pela Relação no julgamento da apelação.

II – Se numa ação é pedida pelo autor a condenação do réus a restituírem a quantia de € 110.000,00 paga no âmbito de um contrato-promessa nulo por falta de forma, sendo aí proferida sentença de absolvição do pedido, há identidade sujeitos e de pedido se em ação posterior o mesmo autor pede a condenação dos mesmos réus a pagarem-lhe os ditos € 110.000,00 a título de indemnização pelos danos resultantes de conduta daqueles integradora de responsabilidade pré-contratual.

III – Porque na primeira destas ações o facto jurídico gerador desse crédito teria sido a celebração de um contrato-promessa nulo por falta de forma, enquanto na segunda o facto jurídico gerador desse direito teria sido o comportamento dos réus durante as negociações frustradas, ao assumirem conduta contrária às regras da boa fé, fazendo-os incorrer em responsabilidade pré-contratual, não há entre ambas identidade de causa de pedir.

IV – Não se verifica, pois, a exceção de caso julgado que obste à apreciação da segunda destas ações.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"[...] o único pedido subsistente nesta ação é idêntico a pedido que fora formulado no processo nº 1410/13.9TBVVD.

Importa saber, então, se esse pedido é fundado numa e noutra ação em idêntica causa de pedir.

Escreveu-se no acórdão recorrido, depois de discorrer proficientemente sobre o conceito de causa de pedir, o seguinte:

“(…) aplicando os princípios enunciados ao caso dos autos, verificamos que também entre as duas acções intentadas pela A. existe identidade de causas de pedir: em ambas as acções é invocado o facto jurídico concreto donde emana o pretenso direito da A - a entrega da quantia de € 110.00,00, pela A. aos RR, em vista de um negócio gizado entre ambas as partes, que não chegou a concretizar-se.

E a isso não obsta, como deixamos bem frisado (com suficiente apoio doutrinário e jurisprudencial), a diferente qualificação jurídica que a parte dê aos factos invocados – considerando a A. na 1ª acção estar-se perante a celebração de um contrato-promessa nulo por vício de forma e considerando nesta acção que a questão é de responsabilidade pré-contratual.

O que releva, como se disse, para a identidade de causas de pedir não é a qualificação jurídica dos factos feita pela parte – qualificação jurídica, de resto, não vinculativa para o tribunal (artº 5º nº 3 do CPC); o que releva são os próprios factos alegados, as tais ocorrências da vida que fundamentam o pedido formulado.

Ora, a esta luz, a causa de pedir invocada pela A. em ambas as acções é a mesma – a entrega da quantia ora reivindicada aos RR para um negócio que não ocorreu, alegadamente por culpa dos RR -, mesmo que naquela acção se tenha enquadrado a situação num determinado instituto jurídico – um alegado contrato promessa nulo por vício de forma e, subsidiariamente, no instituto do enriquecimento sem causa – enquadrando-se nesta acção aqueles factos no instituto da responsabilidade pré-contratual.”

É verdade que, como bem se salienta no acórdão sob recurso, a qualificação jurídica dos factos não releva para um juízo sobre a existência, ou não, de identidade da causa de pedir.

Mas, em nosso entender, é redutora a afirmação aí proferida, segundo a qual o facto concreto em que a autora faz assentar o direito que invoca é a entrega por ela feita aos réus da quantia de € 110.000,00.

Sendo a causa de pedir o ato ou facto jurídico de que emana a pretensão que se pretende fazer valer, não é correto, salvo o devido respeito, dizer-se que o crédito invocado pela aqui recorrente num e noutro processo procede do facto de esta ter entregado a quantia de € 110.000,00, havendo, por isso, identidade de causa de pedir.

Nos termos do alegado pela autora, não foi a entrega desse valor que, por si só considerada, gerou a obrigação de restituir por parte dos réus; só em momento posterior terá ocorrido um circunstancialismo que, com ela conjugado, tem a virtualidade de gerar a obrigação de restituição da mesma quantia.

No primeiro processo o facto jurídico gerador desse crédito teria sido a celebração de um contrato-promessa nulo por falta de forma tendo em vista um contrato que não foi concretizado.

No presente processo o facto jurídico gerador desse direito de crédito terá sido o comportamento dos réus durante as negociações frustradas, ao assumirem conduta contrária às regras da boa fé, fazendo-os incorrer em responsabilidade pré-contratual.

Foi para preencher este requisito legal exigido no art. 227º do CC que a autora, aqui recorrente, alegou na p. i. da presente ação que os réus bem sabiam, ao procurarem convencê-la a aceder a uma simulação de valor que defraudaria o Estado e demais contribuintes, que o objetivo que tinham em vista era proibido e punido por lei.

Estes factos integram a causa de pedir desta ação e não foram alegados na primeira ação, o que exclui a identidade das causas de pedir que num e noutro processo estribaram idêntico pedido.

Daí que o acórdão impugnado não possa subsistir, impondo-se a sua revogação e que na Relação de Guimarães se proceda à apreciação do mérito da apelação, dado o disposto no art. 679º."
 
[MTS]