Reconvenção;
preclusão
1. O sumário de STJ 30/11/2017 (3074/16.9T8STR.S1) é o seguinte:
I. Tendo as autoras peticionado a resolução do contrato de arrendamento relativo a duas fracções de que alegaram ser proprietárias bem como a condenação dos réus no pagamento das rendas vencidas e vincendas e na desocupação e entrega imediata daquelas fracções, arrogando-se estes igualmente proprietários das ditas fracções com base em factualidade já deles conhecida no momento da contestação, sobre os mesmos impendia o ónus de deduzir reconvenção para afastar o risco da futura preclusão, por força do caso julgado que viesse a constituir-se sobre a decisão favorável àquelas.
II. Não o tendo feito, a autoridade do caso julgado inerente à decisão que resolveu o contrato de arrendamento relativo a duas fracções autónomas e condenou os réus a desocupá-las e entregá-las às autoras no pressuposto de serem estas as respetivas proprietárias, faz precludir o direito destes de, através de nova acção, peticionarem o reconhecimento do seu alegado direito de propriedade sobre tais fracções com base naquela mesma fatualidade.
III. Ocorrendo identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, é de admitir a eficácia extraprocessual do caso julgado formal se o fundamento que ditou a decisão de absolvição da instância vier a repetir-se no novo processo, sendo lícito opor neste segundo processo a exceção dilatória de caso julgado.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"[...] invocam os autores, nas suas alegações de recurso, que, operando os princípios da concentração e da preclusão apenas quanto à matéria de defesa e não se reconduzindo o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre uma coisa à defesa por excepção peremptória impeditiva nem sendo obrigatória a dedução de reconvenção, não pode resultar da sua não dedução qualquer efeito preclusivo, sendo, por isso, oportuna a formulação, através da presente ação, do pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre as fracções “A” e “C”, por via da aquisição por usucapião e da compra e venda, sem que tal seja impedido pelo facto de, na ação nº 1293/10.0TBVNO, ter sido declarado resolvido o contrato de arrendamento relativo àquelas fracções e de terem sido condenados a entregá-las às ora rés.
Vejamos, então, se sobre os réus na ação nº 1293/10.0TBVNO (e ora autores), impendia o ónus de dedução do pedido reconvencional de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre as ditas fracções, o que nos remete para a necessidade de enfrentar a problemática da chamada “reconvenção necessária ou compulsiva” e da preclusão.
Ou seja, impõe-se decidir se, sendo legalmente admissível a reconvenção, a falta de exercício do direito de reconvir impedirá o réu de propor, futuramente, uma ação autónoma para fazer valer o seu pretenso direito material que através de uma ação independente.
E a este respeito diremos, desde logo, que se é certo ter a reconvenção, em regra, natureza facultativa, o que constitui entendimento pacífico na doutrina [Cfr. Alberto dos Reis, in, “Comentário ao Código de Processo civil”, Vol. III, pág. 97; Anselmo de Castro, in, “ Direito Processual civil declaratório”, Vol. III, pág. 222, nota 2; Castro Mendes, in, “Direito Processual Civil”, Vol. II, pág. 295; Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. III, pág. 649; Rodrigues Bastos, in, “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. II, pág. 31; Lopes Cardoso, em anotação ao art. 274º, in, “Código de Processo Civil, anotado” e Abrantes Geraldes, in, “Temas da reforma do processo civil”, Vol. I, pág. 56] e parece resultar claro da letra do artigo 266º, nº1 do NCPC, na medida em que ao estabelecer que «o réu pode, em reconvenção deduzir pedidos contra o autor», inculca a ideia de que ao réu, demandado em determinada acção, assiste a liberdade de optar entre aproveitar a mesma instância processual para formular uma pretensão contra o autor ou fazer valer essa pretensão através da propositura de uma ação autónoma, também não deixa de ser verdade que, por vezes, após o trânsito em julgado da sentença, o réu fica impedido de exercer, através de ação separada e distinta o seu direito.
E porque assim acontece, segundo Luís Miguel de Andrade Mesquita [Cfr. In “Reconvenção e Excepção no Processo Civil [O dilema da escolha entre a reconvenção e a excepção e o problema da falta de exercício do direito de reconvir], Almedina, págs. 439 e 450] , importa estabelecer a distinção entre a reconvenção facultativa (permissive counterclaim) e a reconvenção necessária ou compulsiva (compulsory counterclaim).
É que , enquanto que, no primeiro caso, o não uso da faculdade de dedução de reconvenção não tem, em princípio, qualquer interferência negativa na consistência do direito material de que o réu seja titular, já no segundo, «a faculdade de reconvir transforma-se num ónus, na medida em que o réu necessita de reconvir para afastar o risco de futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor» [Cfr. Luís Miguel de Andrade Mesquita, in “Reconvenção e Excepção no Processo Civil [O dilema da escolha entre a reconvenção e a excepção e o problema da falta de exercício do direito de reconvir], Almedina, págs. 440 e 441] .
Trata-se, entre outras, de situações em que, no dizer de Manuel de Andrade [In, RLJ, ano 70º, págs. 232 e segs.], «uma vez julgada procedente uma acção, nela se afirmando competir ao autor certo direito, com base em certo acto ou facto jurídico, a força e autoridade do caso julgado impedirá mais tarde, por qualquer motivo não superveniente se possa vir impugnar aquele direito, com isto negando ou por qualquer forma se intentando prejudicar bens correspondentes por aquela decisão reconhecidos ao autor»
E, daí concluir este mesmo autor que, nestes casos, o réu « tem de invocar todos os meios de defesa que lhe possam assistir, quer dizer, todos os factos susceptíveis de comprovarem que o direito do autor não se constituiu validamente ( factos impeditivos), ou que sofreu alteração ou mesmo deixou de subsistir (factos modificativos ou extintivos)», e até mesmo os que poderia ter deduzido com base num direito seu, valendo, neste sentido, a máxima segundo a qual o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível» ou «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat» [Cfr. Manuel de Andrade , in, “Noções Elementares de processo civil” , Coimbra Editora , pág. 324] .
No mesmo sentido, Miguel Mesquita [Cfr. In “Reconvenção e Excepção no Processo Civil [ O dilema da escolha entre a reconvenção e a excepção e o problema da falta de exercício do direito de reconvir], Almedina, pág. 440 e 441] adverte o réu, que se considere titular de qualquer pretensão contra o autor, para o facto de, no momento em que contesta, não deixar de formular, para si mesmo, a seguinte pergunta: « o caso julgado que eventualmente venha a incidir sobre uma decisão favorável ao demandante será susceptível de se transformar num obstáculo ao futuro exercício do meu direito através de uma acção independente?
Sendo a resposta afirmativa, necessita de reconvir para afastar o risco da futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor. O réu reconvirá para se livrar de um prejuízo futuro e eventual (não certo): o prejuízo da preclusão do seu direito».
E nem se diga, como o fazem os ora recorrentes que, não se reconduzindo o pedido reconvencional de reconhecimento do direito de propriedade sobre uma coisa à defesa por excepção peremptória afastada fica a possibilidade de fazer operar quanto a ela o princípio da preclusão dos meios de defesa.
É que se é certo, como se afirma no [...] Acórdão do STJ, de 10.10.2012 que, «em princípio, o efeito preclusivo dos meios de defesa apenas abarca o que constitui matéria de excepção que integre factos modificativos ou extintivos apostos à pretensão do autor, excluindo as pretensões autónomas», o que se nos apresentava, na ação nº 1293/10.0TBVNO, era precisamente uma situação de falta de autonomia, na medida em que a invocação da aquisição do direito de propriedade sobre as referidas fracções, por via da usucapião e por via de compra e venda apresentava-se com natureza impeditiva não só do reconhecimento do direito de propriedade invocado pelas ora rés como também da condenação dos ora autores na entrega às mesmas das referidas fracções.
Vale tudo isto por dizer que, no fundo, os factos em que tal reconvenção assentaria não deixam de revestir carácter de defesa, não escapando, por isso, ao efeito preclusivo resultante da autoridade do caso julgado.
Ora, tendo as ora rés peticionado na ação nº 1293/10.0TBVNO a resolução do contrato de arrendamento relativo às duas fracções de que se arrogaram ser proprietárias bem como a condenação dos ora autores no pagamento das rendas vencidas e vincendas e na desocupação e entrega imediata destas, temos por certo que, arrogando-se estes igualmente proprietários das ditas fracções com base em factualidade já deles conhecida no momento da contestação, sobre os mesmos impendia o ónus de deduzir reconvenção para afastar o risco da futura preclusão, por força do caso julgado que viesse a constituir-se sobre a decisão favorável àquelas.
Não o tendo feito, porquanto, por decisão transitada, foi a sua contestação/reconvenção mandada desentranhar dos autos, por extemporaneidade, e tendo as ora rés logrado obter, na ação nº 1293/10.0TBVNO, por sentença transitada em julgado, a entrega das ditas fracções no pressuposto de que as mesmas eram as respetivas proprietárias, inquestionável se torna que a autoridade de caso julgado projetada por esta sentença, impede que os ora autores venham, com base em factos que podendo ser deduzidos em sua defesa, o não foram, afetar o seu teor, ficando, deste modo, precludido o direito dos ora autores instaurarem a presente ação."
Vejamos, então, se sobre os réus na ação nº 1293/10.0TBVNO (e ora autores), impendia o ónus de dedução do pedido reconvencional de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre as ditas fracções, o que nos remete para a necessidade de enfrentar a problemática da chamada “reconvenção necessária ou compulsiva” e da preclusão.
Ou seja, impõe-se decidir se, sendo legalmente admissível a reconvenção, a falta de exercício do direito de reconvir impedirá o réu de propor, futuramente, uma ação autónoma para fazer valer o seu pretenso direito material que através de uma ação independente.
E a este respeito diremos, desde logo, que se é certo ter a reconvenção, em regra, natureza facultativa, o que constitui entendimento pacífico na doutrina [Cfr. Alberto dos Reis, in, “Comentário ao Código de Processo civil”, Vol. III, pág. 97; Anselmo de Castro, in, “ Direito Processual civil declaratório”, Vol. III, pág. 222, nota 2; Castro Mendes, in, “Direito Processual Civil”, Vol. II, pág. 295; Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. III, pág. 649; Rodrigues Bastos, in, “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. II, pág. 31; Lopes Cardoso, em anotação ao art. 274º, in, “Código de Processo Civil, anotado” e Abrantes Geraldes, in, “Temas da reforma do processo civil”, Vol. I, pág. 56] e parece resultar claro da letra do artigo 266º, nº1 do NCPC, na medida em que ao estabelecer que «o réu pode, em reconvenção deduzir pedidos contra o autor», inculca a ideia de que ao réu, demandado em determinada acção, assiste a liberdade de optar entre aproveitar a mesma instância processual para formular uma pretensão contra o autor ou fazer valer essa pretensão através da propositura de uma ação autónoma, também não deixa de ser verdade que, por vezes, após o trânsito em julgado da sentença, o réu fica impedido de exercer, através de ação separada e distinta o seu direito.
E porque assim acontece, segundo Luís Miguel de Andrade Mesquita [Cfr. In “Reconvenção e Excepção no Processo Civil [O dilema da escolha entre a reconvenção e a excepção e o problema da falta de exercício do direito de reconvir], Almedina, págs. 439 e 450] , importa estabelecer a distinção entre a reconvenção facultativa (permissive counterclaim) e a reconvenção necessária ou compulsiva (compulsory counterclaim).
É que , enquanto que, no primeiro caso, o não uso da faculdade de dedução de reconvenção não tem, em princípio, qualquer interferência negativa na consistência do direito material de que o réu seja titular, já no segundo, «a faculdade de reconvir transforma-se num ónus, na medida em que o réu necessita de reconvir para afastar o risco de futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor» [Cfr. Luís Miguel de Andrade Mesquita, in “Reconvenção e Excepção no Processo Civil [O dilema da escolha entre a reconvenção e a excepção e o problema da falta de exercício do direito de reconvir], Almedina, págs. 440 e 441] .
Trata-se, entre outras, de situações em que, no dizer de Manuel de Andrade [In, RLJ, ano 70º, págs. 232 e segs.], «uma vez julgada procedente uma acção, nela se afirmando competir ao autor certo direito, com base em certo acto ou facto jurídico, a força e autoridade do caso julgado impedirá mais tarde, por qualquer motivo não superveniente se possa vir impugnar aquele direito, com isto negando ou por qualquer forma se intentando prejudicar bens correspondentes por aquela decisão reconhecidos ao autor»
E, daí concluir este mesmo autor que, nestes casos, o réu « tem de invocar todos os meios de defesa que lhe possam assistir, quer dizer, todos os factos susceptíveis de comprovarem que o direito do autor não se constituiu validamente ( factos impeditivos), ou que sofreu alteração ou mesmo deixou de subsistir (factos modificativos ou extintivos)», e até mesmo os que poderia ter deduzido com base num direito seu, valendo, neste sentido, a máxima segundo a qual o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível» ou «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat» [Cfr. Manuel de Andrade , in, “Noções Elementares de processo civil” , Coimbra Editora , pág. 324] .
No mesmo sentido, Miguel Mesquita [Cfr. In “Reconvenção e Excepção no Processo Civil [ O dilema da escolha entre a reconvenção e a excepção e o problema da falta de exercício do direito de reconvir], Almedina, pág. 440 e 441] adverte o réu, que se considere titular de qualquer pretensão contra o autor, para o facto de, no momento em que contesta, não deixar de formular, para si mesmo, a seguinte pergunta: « o caso julgado que eventualmente venha a incidir sobre uma decisão favorável ao demandante será susceptível de se transformar num obstáculo ao futuro exercício do meu direito através de uma acção independente?
Sendo a resposta afirmativa, necessita de reconvir para afastar o risco da futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor. O réu reconvirá para se livrar de um prejuízo futuro e eventual (não certo): o prejuízo da preclusão do seu direito».
E nem se diga, como o fazem os ora recorrentes que, não se reconduzindo o pedido reconvencional de reconhecimento do direito de propriedade sobre uma coisa à defesa por excepção peremptória afastada fica a possibilidade de fazer operar quanto a ela o princípio da preclusão dos meios de defesa.
É que se é certo, como se afirma no [...] Acórdão do STJ, de 10.10.2012 que, «em princípio, o efeito preclusivo dos meios de defesa apenas abarca o que constitui matéria de excepção que integre factos modificativos ou extintivos apostos à pretensão do autor, excluindo as pretensões autónomas», o que se nos apresentava, na ação nº 1293/10.0TBVNO, era precisamente uma situação de falta de autonomia, na medida em que a invocação da aquisição do direito de propriedade sobre as referidas fracções, por via da usucapião e por via de compra e venda apresentava-se com natureza impeditiva não só do reconhecimento do direito de propriedade invocado pelas ora rés como também da condenação dos ora autores na entrega às mesmas das referidas fracções.
Vale tudo isto por dizer que, no fundo, os factos em que tal reconvenção assentaria não deixam de revestir carácter de defesa, não escapando, por isso, ao efeito preclusivo resultante da autoridade do caso julgado.
Ora, tendo as ora rés peticionado na ação nº 1293/10.0TBVNO a resolução do contrato de arrendamento relativo às duas fracções de que se arrogaram ser proprietárias bem como a condenação dos ora autores no pagamento das rendas vencidas e vincendas e na desocupação e entrega imediata destas, temos por certo que, arrogando-se estes igualmente proprietários das ditas fracções com base em factualidade já deles conhecida no momento da contestação, sobre os mesmos impendia o ónus de deduzir reconvenção para afastar o risco da futura preclusão, por força do caso julgado que viesse a constituir-se sobre a decisão favorável àquelas.
Não o tendo feito, porquanto, por decisão transitada, foi a sua contestação/reconvenção mandada desentranhar dos autos, por extemporaneidade, e tendo as ora rés logrado obter, na ação nº 1293/10.0TBVNO, por sentença transitada em julgado, a entrega das ditas fracções no pressuposto de que as mesmas eram as respetivas proprietárias, inquestionável se torna que a autoridade de caso julgado projetada por esta sentença, impede que os ora autores venham, com base em factos que podendo ser deduzidos em sua defesa, o não foram, afetar o seu teor, ficando, deste modo, precludido o direito dos ora autores instaurarem a presente ação."
3. [Comentário] Como bem refere o acórdão, o reconhecimento da propriedade que agora se pretende obter tem por base um facto extintivo da propriedade reconhecida na anterior acção (a usucapião), o que teria sido suficiente para impor às rés desta acção (agora autoras) o cumprimento do ónus de concentração da defesa na contestação daquela acção (cf. art. 573.º, n.º 1, CPC). Isto basta para que a presente acção não possa ser considerada admissível.
No acórdão faz-se referência a um paper sobre a matéria da preclusão que pode ser encontrado em Paper (199).
MTS