Taxa de justiça;
proporcionalidade
1. O sumário de RE 8/2/2018 (174/16.9T8EVR.E1) é o seguinte:
I - Com a redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro ao artigo 6.º, n.º 7, do RCP, consagrou-se legalmente a possibilidade de intervenção judicial no sentido da correcção, a final, dos montantes da taxa de justiça, quando da sua fixação unicamente em função do valor da causa resultem valores excessivos e desadequados à natureza e complexidade da causa, intervenção judicial essa que mesmo antes desta alteração já era preconizada pela jurisprudência, designadamente do Tribunal Constitucional.
I - Com a redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro ao artigo 6.º, n.º 7, do RCP, consagrou-se legalmente a possibilidade de intervenção judicial no sentido da correcção, a final, dos montantes da taxa de justiça, quando da sua fixação unicamente em função do valor da causa resultem valores excessivos e desadequados à natureza e complexidade da causa, intervenção judicial essa que mesmo antes desta alteração já era preconizada pela jurisprudência, designadamente do Tribunal Constitucional.
II - Uma interpretação conforme à Constituição da legislação ordinária que regula sobre as custas processuais, nelas se incluindo as taxas de justiça, há-de sempre reger-se pelos princípios da igualdade, da causalidade e da proporcionalidade, encontrando-se este na ponderação, por um lado, de qual o valor da acção, e, por outro, de que o custo a suportar pela prestação do serviço público de justiça deve ser proporcional ao serviço prestado.
III - Quando, mercê do pagamento da taxa de justiça remanescente se verificar a ocorrência de «uma desproporção que afete claramente a relação sinalagmática que a taxa pressupõe entre o custo do serviço e a sua utilidade para o utente», impõe-se nesse caso ao Juiz o uso da faculdade que actualmente lhe é conferida pelo n.º 7, do artigo 6.º, do RCP com vista a dispensar, total ou parcialmente, o pagamento dessa taxa de justiça.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"II - Do remanescente da taxa de justiça
Entendem os Requerentes que o presente processo justifica plenamente a dispensa do pagamento da taxa de justiça para além do valor de 275.000,00€, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, atenta a simplicidade da causa e o comportamento processual das partes.
Vejamos.
Com a redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro ao citado artigo 6.º, n.º 7, do RCP, estatui o preceito que «nas causas de valor superior a 275 000,00€ o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Conforme afirma o Conselheiro Salvador da Costa no indicado comentário, há situações em que o valor da taxa de justiça devida a final poderá não coincidir com o que foi inicialmente pago, tanto por se encontrarem no caso da Tabela II anexa ao RCP, e a taxa de justiça ser autoliquidada pelo valor mínimo, como por respeitarem a acção declarativa de valor superior a 275.000,00€ (linha 13 da Tabela I),
Assim, neste segundo caso da Tabela I - que é o que importa à situação objecto do requerimento em apreço -, «os sujeitos processuais pagarão inicialmente o valor correspondente a uma ação de valor entre 250.000€ e 275.000€, mas o juiz poderá dispensar o pagamento do remanescente, atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes, tendo em vista, além do mais, os critérios constantes do n.º 7 do artigo 530.º do CPC. – artigo 6.º, n.º 7, do RCP».
Deste modo, consagrou-se legalmente a possibilidade de intervenção judicial no sentido da correcção, a final, dos montantes da taxa de justiça, quando da sua fixação unicamente em função do valor da causa resultem valores excessivos e desadequados à natureza e complexidade da causa, intervenção judicial essa que mesmo antes desta alteração já era preconizada pela jurisprudência, designadamente do Tribunal Constitucional. [Cfr. Guia Prático sobre Custas, Centro de Estudos Judiciários, 4.ª edição, pág. 87]
Na verdade, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15-07-2013, decidiu «Julgar inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I -A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo Decreto -Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título» [Diário da República, 2.ª série, N.º 200, de 16 de Outubro de 2013, págs. 31096 a 31098].
Em fundamento de tal juízo, aduziu-se que «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito».
Portanto, uma interpretação conforme à Constituição da legislação ordinária que regula sobre as custas processuais, nelas se incluindo as taxas de justiça, há-de sempre reger-se pelos princípios da igualdade, da causalidade e da proporcionalidade, encontrando-se este na ponderação, por um lado, de qual o valor da acção, e, por outro, de que o custo a suportar pela prestação do serviço público de justiça deve ser proporcional ao serviço prestado.
Como à guisa de introdução, já salientava o Conselheiro Salvador da Costa aquando da entrada em vigor do referido Regulamento das Custas Processuais «o conceito de custas é agora pensado na tríplice vertente de taxa de justiça, encargos e custas de parte. A taxa de justiça continua a ser a prestação pecuniária que o Estado, em regra, exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou da qual beneficiem, ou seja, trata-se do valor que os sujeitos processuais devem prestar como contrapartida mínima relativa à prestação daquele serviço» [Cfr. Regulamento das Custas Processuais, 5.ª edição, Almedina 2010, págs. 6 e 7].
Esta ideia de contrapartida e de proporcionalidade tem sido também evidenciada pelo Supremo Tribunal de Justiça ao afirmar que «atendendo ao princípio da proporcionalidade a que toda a actividade pública está sujeita, a taxa de justiça deverá ter tendencial equivalência ao serviço público prestado, concretamente, ao serviço de justiça a cargo dos tribunais, no exercício da função jurisdicional, devendo a mesma corresponder à contrapartida pecuniária de tal exercício e obedecer, além do mais, aos critérios previstos nos artigos 530º nº 7 do CPC e 6º nº 7 do RCP», por isso que, «perante o valor da acção, o grau de complexidade dos autos e o comportamento processual das partes, poderá dispensar-se, total ou parcialmente, o pagamento do remanescente da taxa de justiça a considerar na conta a final» [Cfr., por todos, o Acórdão do STJ de 22-11-2016, proferido no processo n.º 200/14.6T8LRA-A.C1.S1, e mais recentemente o comentado, ambos disponíveis em www.dgsi.pt].
Mais afirmou o Supremo Tribunal de Justiça [Cfr. Ac. STJ de 12-12-2013, proferido no processo n.º 1319/12.3TVLSB-B.-L1.S1, em www.dgsi.pt], que «os objectivos de plena realização prática dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da adequação, que estão subjacentes à norma flexibilizadora consagrada no citado nº7 do art. 6º do RCP, só são plenamente alcançados se ao juiz for possível moldar ou modular o valor pecuniário correspondente ao remanescente da taxa de justiça devida nas causas de valor especialmente elevado, ponderando integralmente as especificidades do caso concreto e evitando uma lógica binária de tudo ou nada, segundo a qual ou apenas seria devido o montante da taxa de justiça já paga ou teria de ser liquidada a totalidade das custas correspondentes ao valor da causa – devendo antes poder dispensar o pagamento, conforme seja mais adequado, da totalidade ou apenas de uma parcela ou fracção daquele valor remanescente».
Assim sendo, «-Para os efeitos da aplicação da referida norma, torna-se essencial conhecer a estrutura do processo em que surge a liquidação desse remanescente com vista a aferir do seu grau de exigência técnica ou complexidade;
- Deve considerar-se que o remanescente não será devido não quando as causas não tenham especial complexidade mas quando a sua dificuldade seja inferior à normal ou média - que terá sido a ponderada pelo legislador quando desenhou o sistema vertido no Regulamento das Custas Processuais;
- Se assim não fosse, antes aquele legislador teria fixado que o pagamento do remanescente só se justificaria nos casos de particular dificuldade – eventualmente a definir pelo julgador – sendo, então, o regime de liquidação do remanescente excepcional e não regra como emerge, presentemente, do Regulamento das Custas Processuais ao permitir-se a sua dispensa apenas mediante despacho devidamente fundamentado, explicativo, patenteando a singularidade ou carácter atípico da situação concreta;
- Na ponderação da dificuldade de uma acção, deve atender-se à dimensão dos articulados e alegações das partes, à natureza das questões a analisar e ao «peso» temporal e material da instrução» [Cfr. Ac. TRL, de 14-01-2016, proferido no processo n.º 7973-08.3TCLRS-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt. Neste sentido se pronunciou ainda este Tribunal, no acórdão de 23-02-2017, proferido no processo n.º 258/12.2TBPSR.E1, disponível em www.dgsi.pt e relatado pelo ora segundo adjunto, bem como este mesmo colectivo no acórdão de 09-03-2016, proferido no processo n.º 81/14.0T8FAR.E1, inédito].
Deste modo, dir-se-á que quando, mercê do pagamento da taxa de justiça remanescente se verificar a ocorrência de «uma desproporção que afete claramente a relação sinalagmática que a taxa pressupõe entre o custo do serviço e a sua utilidade para o utente», impõe-se nesse caso ao Juiz o uso da faculdade que actualmente lhe é conferida pelo n.º 7, do artigo 6.º, do RCP com vista a dispensar, total ou parcialmente, o pagamento dessa taxa de justiça [Cfr. neste sentido, o citado Ac. TRL de 21-04-2015].
Ora, no caso em apreço, o valor da acção é de 610.830,09€, pelo que, para além da quantia já depositada, seria ainda devido o remanescente (que neste caso ascende a mais de 2.000,00€), atendendo a que, para além do valor de 275.000,00€, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada 25.000,00€ ou fracção, 1,5 UC (Cf. tabela I anexa ao RCP).
Porém, apesar do indicado valor do pedido principal, no montante de 610.830,09€ correspondente à declarada diferença entre o valor real e o actual do prédio e o valor depositado pela Ré, com base no instituto do enriquecimento sem causa, a petição inicial não pode sequer considerar-se uma peça prolixa, sendo que a Ré, regularmente citada, contestou, invocando a excepção de caso julgado, e pedindo a condenação dos autores como litigantes de má fé, o que fez também em articulado adequado ao exercício do direito de defesa.
Seguidamente, entendendo o Tribunal que os autos tinham todos os elementos para proferir decisão, notificou as partes, tendo estas prescindido da realização da audiência prévia, e os autores acrescentado que nada tinham a opor a que fosse proferida decisão, "por entenderem que a matéria de facto alegada se mostra provada documentalmente ou por acordo", após o que foi de imediato proferido saneador-sentença em que se decidiu declarar procedente a excepção de caso julgado e, em consequência, absolver a ré da instância, e absolver os autores do pedido de condenação como litigante de má fé, deduzido pela ré.
Inconformados com tal decisão, os Autores apresentaram recurso de apelação, que terminaram com 10 conclusões, cumprindo o preceituado no artigo 639.º do CPC a respeito do ónus de alegar e formular conclusões sintéticas, ao invés de enveredarem pela apresentação de um articulado prolixo, situação com a qual os tribunais superiores são tantas vezes confrontados.
Considerando este Tribunal que «tendo a acção de preferência efeitos ex tunc e tendo sido ali fixado o preço devido para o exercício do direito, o caso julgado material formado pela acção de preferência, obsta à possibilidade de os autores virem, por via desta acção, pretender exercer um qualquer outro efeito daquela mesma relação, consubstanciada no caso vertente num qualquer direito de indemnização ou actualização do valor do imóvel ou do valor aquisitivo da correspondente prestação pecuniária, podendo ser oposta à respectiva pretensão, como foi, a excepção de caso julgado». Porém, considerámos igualmente improcedente a pretensão da Ré relativamente à condenação dos autores como litigantes de má-fé, designadamente porquanto «não tendo os ora autores alegado factualidade desconforme à realidade, o facto de entenderam que em virtude de a ora ré, ali autora, ter sido por via da acção de preferência admitida a substitui-los na aquisição do imóvel, pelo valor proporcional do mesmo, que eles haviam satisfeito muitos anos antes da data do depósito do preço considerado devido naquela acção lhes dava o direito a serem, por alguma das vias que indicaram, “compensados” do valor monetário que então despenderam, não justifica a respectiva condenação por litigância de má fé, tanto mais que no caso nem se verifica a tríplice identidade a que a lei alude na vertente negativa da eficácia do caso julgado».
Tudo sopesado, tendo presente que apesar do valor da causa esta não integra a apreciação de questões com complexidade superior à que habitualmente envolve a determinação do alcance do caso julgado formado por anterior acção, mas antes, e ao invés, tal complexidade se nos afigura até menor do que em outros casos que já foram objecto da nossa apreciação; que o comportamento processual das partes se desenrolou na mais completa normalidade e sem justificar qualquer reparo porquanto se limitaram a usar os normais meios ao seu dispor e que tiveram por adequados à defesa dos seus interesses, não se vislumbrando qualquer violação dos deveres processuais respectivos, antes pelo contrário não sendo prolixos os articulados e desenvolvendo-se os autos estritamente de acordo com o figurino previsto para a acção declarativa com processo comum; e finalmente não esquecendo a vertente da avaliação da «utilidade económica da mesma resultante» ponderando que no caso o decaimento dos autores corresponde ao valor integral do pedido, somos levados a concluir que efectivamente se verifica a desproporcionalidade que funda a possibilidade de aplicação daquele inciso normativo.
Assim, não obstante termos usado apenas a tradicional formulação quanto à condenação dos Recorrentes nas custas da apelação, a calcular com o valor da sua integral sucumbência na acção [Já que de acordo com a previsão do artigo 12.º, n.º 2, do RCP, o valor a atender para efeitos de custas é o da sucumbência se esta for determinável, como é o caso, prevalecendo o valor da acção, tanto mais que outro não foi fixado nem o recorrente o indicou no requerimento de interposição do recurso - cfr. neste sentido, Ac. TRL de 06.07.2017, proferido no processo n.º 1582/07.1TTLSB-4, disponível em www.dgsi.pt], admitimos que, em função dos princípios orientadores supra referidos e na ponderação de todos os referidos factores, é de deferir a requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, conforme previsto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP.
Nestes termos, entendemos ser devida a solicitada reforma do acórdão quanto a custas, de harmonia com os artigos 614.º, n.º 1 e 616.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis aos acórdãos por via do disposto no artigo 666.º, n.º 1, da mesma codificação.
Deste modo, procede-se à reforma do identificado acórdão, mantendo-se a condenação dos Recorrentes nas custas - de acordo com o previsto no artigo 527.º, n.ºs 1 a 3, do CPC -, mas com dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente."
[MTS]