"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/05/2018

Jurisprudência (836)


Objecto do recurso;
ampliação; requisitos


1. O sumário de STJ 16/11/2017 (768/08.6TBPVZ.P2.S1) é o seguinte:

I. O recorrido pode ampliar o objecto do recurso nas contra-alegações, nos termos do art. 636º do CPC, designadamente para suscitar a reapreciação de fundamentos em que tenha decaído, apesar do resultado final favorável.

II. O accionamento de tal mecanismo processual está sujeito a exigências idênticas às que estão previstas nos arts. 639º e 640º do CPC para as alegações de recurso, o que se mostra necessário tanto para a identificação do objecto da pretendida ampliação, como para o exercício do contraditório.

III. A resolução de contratos pode ser despoletada tanto a partir da verificação de uma situação de incumprimento definitivo, como a partir do preenchimento de uma cláusula resolutiva expressa.

IV. É de qualificar como cláusula resolutiva expressa a convenção inserida num contrato-promessa de compra e venda segundo a qual se consideraria em situação de incumprimento definitivo o promitente-comprador que, depois de faltar ao pagamento de pelo menos três prestações consecutivas, deixasse decorrer o prazo de três meses para efectuar o pagamento de todo o preço, facultando ao promitente-vendedor a declaração de resolução.

V. Verificado o condicionalismo contratualmente fixado pelas partes, deve considerar-se legitimamente exercitada a resolução do contrato-promessa de compra e venda comunicada pelo promitente-vendedor.
 
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"1. Antes de se proceder à apreciação das questões suscitadas pelo A. importa que verifiquemos se alguma das questões invocadas pelos RR. nas contra-alegações tem a veleidade de determinar uma ampliação do objecto do recurso de que importe conhecer.

1.1. Estamos perante uma acção declarativa em que essencialmente foi pedido a condenação dos RR. na entrega do prédio que ocupam e que foi objecto de um contrato-promessa de compra e venda cuja resolução foi declarada pelo A.

Tal acção foi julgada procedente na sentença de 1ª instância, tendo os RR. interposto recurso de apelação que foi provido, concluindo a Relação pela improcedência da acção por considerar que não se verificava uma situação que permitisse a resolução do contrato que foi declarada.

Contra tal acórdão da Relação insurgiu-se o A., suscitando as questões que acima foram enunciadas e que naturalmente integram o objecto da revista.

Porém, o objecto do recurso também pode ser ainda integrado por questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações, mediante a ampliação prevista no art. 636º do CPC, desde que revele uma manifestação de vontade de que sejam reapreciadas questões fundamentais que tenham sido resolvidas em seu desfavor, apesar do resultado final lhe ter sido favorável.

A lei não é explícita quanto ao modo como, nas contra-alegações, deve ser exercitado pelo recorrido este direito de natureza processual, mas naturalmente que deve exigir-se o mesmo rigor que é imposto ao recorrente pelos arts. 639º e 640º do CPC. É a clareza expositiva potenciada pelo cumprimento das formalidades legais que permitirá ao recorrente exercer o contraditório previsto no art. 638º, nº 8, do CPC, relativamente ao objecto da ampliação suscitada pelo recorrido.

Ora, no caso concreto, tendo os recorridos exposto longas considerações sobre o modo como foram apreciadas no acórdão recorrido diversas questões que haviam suscitado anteriormente, não manifestaram, de uma forma explícita, a vontade de que fosse ampliado o objecto do recurso, a não ser no que respeita à última questão relacionada com o alegado incumprimento pela Relação do dever que resultava do art. 662º do CPC.

Relativamente aos demais aspectos, os RR. não formularam qualquer pretensão nem de forma expressa, nem implícita, devendo ser encaradas as alegações e conclusões que apresentaram simplesmente como contra-argumentação relativamente à pretensão que foi deduzida pelo A. a partir das questões que este suscitou.

Por isso, sem embargo de algumas considerações que possam ser feitas em torno dos argumentos trazidos pelos recorridos, são as questões suscitadas pelo recorrente que integram o objecto do presente recurso de revista, com o acréscimo da única questão trazida pelos recorridos em torno da aplicação do art. 662º, nº 2, do CPC.

1.2. No que respeita ao alegado incumprimento do art. 662º, nº 2, do CPC, constata-se que no acórdão recorrido foi considerado que os RR. não haviam indicado os pontos concretos de facto que deveriam ser alterados, nem os concretos meios probatórios que justificavam essa alteração.

E, na verdade, nas alegações que apresentaram no âmbito da apelação, os RR. formularam a pretensão de que a partir “do exame crítico de toda a prova documental e gravada” deveria dar-se como provado que “após o contrato-promessa de fls. 58 o procurador do A. e o R. acordaram que quando o R. emigrado na …, não pudesse pagar as prestações do contrato, o procurador assegurava estes pagamentos, o que aconteceu até Dezembro de 2006, tendo após essa data o R. entregue, através da R., ao procurador, os valores constantes dos docs. de fls. 228 a 237”.

Ora, além de esta matéria não constar na base instrutória, não encontra correspondência em qualquer ponto da matéria de facto que foi considerada provada e não provada pelo tribunal de 1ª instância. Acima de tudo, pretendendo os RR. que se introduzisse uma alteração na decisão da matéria de facto, era necessário que identificassem o ponto ou pontos cuja decisão pretendiam impugnar, não fazendo sentido confrontar o Tribunal da Relação com uma proposta de alteração sem a devida objectividade.

Além disso, verifica-se que o facto que os RR. pretendem que seja considerada provado nem sequer encontra reflexo na matéria de facto alegada, ou seja, na versão dos factos que relataram nos arts. 48º e segs. da sua contestação, estando conexo com os factos que pretenderam introduzir no processo através da tréplica de fls. 271 e segs., cujo desentranhamento foi declarado por despacho de fls. 310.

Neste contexto, não tendo os RR. suscitado explicitamente a impugnação do acórdão da Relação na parte em que incidiu sobre a pretendida impugnação da decisão da matéria de facto e, além disso, constatando-se que a matéria de facto que os RR. pretenderam aditar não integra o objecto do processo, não existe motivo para determinar a remessa dos autos à Relação, improcedendo, deste modo, a ampliação do recurso de revista anteriormente enunciada."
 
 [MTS]