Contrato promessa; eficácia real;
oponibilidade; hipoteca legal; penhora
1. O sumário de RL 22/9/2016 (26980/15.3T8LSB.L1.-2) é o seguinte:
I – O promitente comprador em contrato promessa de compra e venda dotado de eficácia real que viu registadas hipoteca legal e penhoras depois do registo daquele contrato promessa, não está impedido de outorgar escritura pública com o promitente vendedor referente à compra e venda prometida, devendo, após, serem cancelados os registos das penhoras e o da hipoteca legal, pois, só com este entendimento se pode dizer que a eficácia real do contrato promessa se traduz na possibilidade de o contrato promessa ser invocado contra terceiros que subsequentemente ao registo dessa promessa venham a adquirir direitos incompatíveis com o seu cumprimento, quer estes assentem ou não num acto de vontade do titular registal.
II – Se o promitente comprador não lograr efectuar a compra e venda prometida por escritura pública, não está impedido de interpor acção de execução especifica contra o promitente vendedor, não sendo obrigado a esperar pela venda executiva a que respeite alguma daquelas penhoras para nela exercer o direito à execução específica, nos termos do art 831º CPC.
III – Tendo interposto acção de execução específica que não se mostre julgada em definitivo aquando da acima referida venda executiva, esta deverá ser suspensa quanto ao imóvel em questão, até àquela decisão definitiva, e, sendo esta a de procedência, dever-se-á proceder ao levantamento das penhoras e da hipoteca.
2. Na fundamentação do acórdão consta o seguinte:
"O que importa saber [...] é se a penhora – e está em causa a penhora cujo registo se mostre subsequente ao do contrato promessa de compra e venda com eficácia real - constitui um direito incompatível com o do promitente comprador daquele contrato promessa.
Não fora a norma do art. 831º CPC, e a resposta a tal questão não poderia deixar de ser positiva – é que a penhora desemboca na venda executiva e no caso de à promessa ter sido conferida eficácia real, o direito do promitente adquirente à execução específica, porque tem eficácia erga omnes, é oponível a quem quer que seja, inclusive ao terceiro adquirente do bem em processo executivo.
Vejamos assim o que resulta da referida norma do art. 831º, que corresponde no anterior CPC à do art 903º, na redacção dada pelo Decreto-Lei 38/2003 de 8 de Março. Mostra-se inserida em “Divisão” referente «A outras modalidades de venda» e tem o seguinte conteúdo, na parte com interesse para a situação dos autos: «Se os bens (…) tiverem sido prometidos vender, com eficácia real, a quem queira exercer o direito de execução específica, a venda é-lhe feita directamente».
No Ac STA de 12/1/2012 [...] explica-se bem a génese e função desta venda directa, dizendo-se: «Quem quereria comprar um bem sobre o qual recai um ónus oponível à venda e que pode determinar a ineficácia da venda? Quem quereria comprar um bem sobre o qual estivesse registada uma promessa de alienação com eficácia real? Essa venda seria ineficaz relativamente ao promissário, que (a menos que o contrato-promessa viesse a ser declarado nulo, anulado ou resolvido, ou se o crédito do promissário se extinguisse por causa diferente do cumprimento, tudo hipóteses que estão fora do controlo do terceiro adquirente) sempre poderia, a qualquer momento, vir exercer o seu direito como se essa venda a terceiro não tivesse sido realizada. Mal se compreenderia, pois, que o legislador tivesse consagrado uma solução que não ponderasse e prosseguisse a estabilidade da venda (cfr art. 9º/3, 1ª parte, do CC), sabido que esta é, sobretudo na execução fiscal, em que está essencialmente em causa a cobrança de créditos tributários (que são a principal fonte de receitas públicas.) (cfr art 148º do CPPT), um valor do interesse público. Ninguém entenderia que o legislador, desprezando esse valor e a consequente estabilidade da venda, permitisse a realização de uma venda executiva que pudesse vir a ser declarada ineficaz a todo o tempo (…). Por outro lado, também não faria sentido que, pela existência do registo de uma promessa de alienação com eficácia real sobre um bem, este ficasse excluído do âmbito da universalidade do património do devedor que responde pelas dívidas do mesmo (cfr. arts 601º (…) 817º do CC (…) e art. 821º/1 do CPC (…). Muito menos se compreenderia que, se não fosse estabelecido prazo para a celebração do contrato prometido e este não fosse efectivamente celebrado, o bem objecto do contrato pudesse ficar ad aeternum numa situação de intangibilidade pelos credores do promitente, o que abriria as portas a que este, mancomunado com o promissário, dispusesse de um eficaz meio de subtrair bens à execução. A lei não poderá ter querido, nem sequer permitir, que a eficácia real conferida ao contrato-promessa, por razões que se prendem com a protecção dos interesses do promissário no caso em que está em causa a aquisição de bens sujeitos a registo, pudesse abrigar consequência tão perversa. Terá sido para dar resposta a todas estas questões e no sentido de obter uma solução que ponderasse e conciliasse de forma ajustada os diversos interesses em confronto, que o legislador, no que se refere ao contrato-promessa de compra e venda com eficácia real, estabeleceu que o promitente comprador tem o ónus de comprar o bem prometido vender na execução fiscal – através da venda directa prevista no art. 903º do CPC (…), sob pena de ver extinto o seu direito à compra e à execução específica (Neste sentido, Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa 1998, pág. 389, Marco Gonçalves, Embargos de Terceiro na Acção Executiva, Universidade do Minho, pág. 199 e segs., Rui Pinto , A Acção Executiva depois da Reforma, JVS, Lisboa 2004, pág. 204 e segs.)».
Assim, do conteúdo do referido art. 831º só pode resultar que a penhora não contende com o direito à execução específica do contrato-promessa dotado de eficácia real, visto que o promissário que se encontre nessa situação, pode exercer o seu direito – ao cumprimento e à execução específica -- no próprio processo executivo, sendo-lhe a venda feita directamente e pelo preço acordado no contrato promessa [...].
Com efeito, o exercício da execução específica na própria execução em nada fere o promissário de tal promessa.
Como é referido no Ac STA 12/1/2012, «no caso de promessa de compra e venda com eficácia real, o direito do promitente comprador, que se concretiza através da venda directa (cfr art. 903.º do CPC), harmoniza-se com o escopo da execução fiscal – a obtenção de fundos destinados a pagar ao exequente e, eventualmente, aos credores reclamantes – integrando uma das fases do processo executivo (a venda) com uma única limitação, respeitante ao preço, pois a venda directa far-se-á pelo preço acordado pelos promitentes, ao invés de ser feita pelo melhor preço obtido, como sucede nas demais modalidades de venda», sendo que, em função do «ingresso» na execução desse valor, obter-se-á subsequentemente a satisfação do interesse do exequente e dos credores reclamantes nos termos da respectiva preferência.
Se não se tem dúvidas relativamente ao necessário exercício da execução específica na própria execução nas situações em que nesta se esteja na fase da venda – sendo que o promitente comprador em causa tem de ser notificado para o efeito - pois, só esse entendimento permite conciliar o interesse de evitar a falta de estabilidade da venda executiva, que comprometeria a sua realização, e «a possível mancomunação do promitente e promissário advinda de, através da constituição do ónus da eficácia real da promessa, manter indefinidamente fora do alcance dos credores um bem», de tal modo, que não o exercendo aí, tal direito se precludirá, também não se terão dúvidas em que, na situação em que a execução não esteja na fase da venda, se não poderá impor ao promitente comprador que espere, por vezes, largos anos, para exercer o seu direito ao cumprimento voluntário, ou, se necessário, através de execução especifica.
Com o que nos aproximamos da situação dos autos, em que, o que sucedeu, foi que o promitente vendedor e o promitente comprador procederam à compra e venda do imóvel fora da execução, fazendo-o negocialmente por escritura pública.
Podendo ter sucedido, caso um e outro não se tivessem entendido no sentido da efectuação dessa venda negocial, que o promitente comprador tivesse optado pela interposição de acção de execução específica contra aquele.
Um e outro desses comportamentos não pode deixar de ser admitido, não podendo, repete-se, impor ao promitente comprador - que, na situação dos autos, até se dedica a actividades imobiliárias destinando o imóvel comprado a revenda, como ficou a constar da respectiva escritura de compra e venda - que espere pela venda judicial do bem em função, no nosso caso, de uma das (quatro) penhoras que sobre ele incidem.
Resta saber, nestes contextos, o que sucede aos registos da hipoteca legal e das quatro penhoras.
De facto, o efeito extintivo previsto no art. 824º/2 CC está previsto para a venda executiva [...], e não se verifica, sem mais, na venda negocial.
Não fora a norma do art. 831º CPC, e a resposta a tal questão não poderia deixar de ser positiva – é que a penhora desemboca na venda executiva e no caso de à promessa ter sido conferida eficácia real, o direito do promitente adquirente à execução específica, porque tem eficácia erga omnes, é oponível a quem quer que seja, inclusive ao terceiro adquirente do bem em processo executivo.
Vejamos assim o que resulta da referida norma do art. 831º, que corresponde no anterior CPC à do art 903º, na redacção dada pelo Decreto-Lei 38/2003 de 8 de Março. Mostra-se inserida em “Divisão” referente «A outras modalidades de venda» e tem o seguinte conteúdo, na parte com interesse para a situação dos autos: «Se os bens (…) tiverem sido prometidos vender, com eficácia real, a quem queira exercer o direito de execução específica, a venda é-lhe feita directamente».
No Ac STA de 12/1/2012 [...] explica-se bem a génese e função desta venda directa, dizendo-se: «Quem quereria comprar um bem sobre o qual recai um ónus oponível à venda e que pode determinar a ineficácia da venda? Quem quereria comprar um bem sobre o qual estivesse registada uma promessa de alienação com eficácia real? Essa venda seria ineficaz relativamente ao promissário, que (a menos que o contrato-promessa viesse a ser declarado nulo, anulado ou resolvido, ou se o crédito do promissário se extinguisse por causa diferente do cumprimento, tudo hipóteses que estão fora do controlo do terceiro adquirente) sempre poderia, a qualquer momento, vir exercer o seu direito como se essa venda a terceiro não tivesse sido realizada. Mal se compreenderia, pois, que o legislador tivesse consagrado uma solução que não ponderasse e prosseguisse a estabilidade da venda (cfr art. 9º/3, 1ª parte, do CC), sabido que esta é, sobretudo na execução fiscal, em que está essencialmente em causa a cobrança de créditos tributários (que são a principal fonte de receitas públicas.) (cfr art 148º do CPPT), um valor do interesse público. Ninguém entenderia que o legislador, desprezando esse valor e a consequente estabilidade da venda, permitisse a realização de uma venda executiva que pudesse vir a ser declarada ineficaz a todo o tempo (…). Por outro lado, também não faria sentido que, pela existência do registo de uma promessa de alienação com eficácia real sobre um bem, este ficasse excluído do âmbito da universalidade do património do devedor que responde pelas dívidas do mesmo (cfr. arts 601º (…) 817º do CC (…) e art. 821º/1 do CPC (…). Muito menos se compreenderia que, se não fosse estabelecido prazo para a celebração do contrato prometido e este não fosse efectivamente celebrado, o bem objecto do contrato pudesse ficar ad aeternum numa situação de intangibilidade pelos credores do promitente, o que abriria as portas a que este, mancomunado com o promissário, dispusesse de um eficaz meio de subtrair bens à execução. A lei não poderá ter querido, nem sequer permitir, que a eficácia real conferida ao contrato-promessa, por razões que se prendem com a protecção dos interesses do promissário no caso em que está em causa a aquisição de bens sujeitos a registo, pudesse abrigar consequência tão perversa. Terá sido para dar resposta a todas estas questões e no sentido de obter uma solução que ponderasse e conciliasse de forma ajustada os diversos interesses em confronto, que o legislador, no que se refere ao contrato-promessa de compra e venda com eficácia real, estabeleceu que o promitente comprador tem o ónus de comprar o bem prometido vender na execução fiscal – através da venda directa prevista no art. 903º do CPC (…), sob pena de ver extinto o seu direito à compra e à execução específica (Neste sentido, Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa 1998, pág. 389, Marco Gonçalves, Embargos de Terceiro na Acção Executiva, Universidade do Minho, pág. 199 e segs., Rui Pinto , A Acção Executiva depois da Reforma, JVS, Lisboa 2004, pág. 204 e segs.)».
Assim, do conteúdo do referido art. 831º só pode resultar que a penhora não contende com o direito à execução específica do contrato-promessa dotado de eficácia real, visto que o promissário que se encontre nessa situação, pode exercer o seu direito – ao cumprimento e à execução específica -- no próprio processo executivo, sendo-lhe a venda feita directamente e pelo preço acordado no contrato promessa [...].
Com efeito, o exercício da execução específica na própria execução em nada fere o promissário de tal promessa.
Como é referido no Ac STA 12/1/2012, «no caso de promessa de compra e venda com eficácia real, o direito do promitente comprador, que se concretiza através da venda directa (cfr art. 903.º do CPC), harmoniza-se com o escopo da execução fiscal – a obtenção de fundos destinados a pagar ao exequente e, eventualmente, aos credores reclamantes – integrando uma das fases do processo executivo (a venda) com uma única limitação, respeitante ao preço, pois a venda directa far-se-á pelo preço acordado pelos promitentes, ao invés de ser feita pelo melhor preço obtido, como sucede nas demais modalidades de venda», sendo que, em função do «ingresso» na execução desse valor, obter-se-á subsequentemente a satisfação do interesse do exequente e dos credores reclamantes nos termos da respectiva preferência.
Se não se tem dúvidas relativamente ao necessário exercício da execução específica na própria execução nas situações em que nesta se esteja na fase da venda – sendo que o promitente comprador em causa tem de ser notificado para o efeito - pois, só esse entendimento permite conciliar o interesse de evitar a falta de estabilidade da venda executiva, que comprometeria a sua realização, e «a possível mancomunação do promitente e promissário advinda de, através da constituição do ónus da eficácia real da promessa, manter indefinidamente fora do alcance dos credores um bem», de tal modo, que não o exercendo aí, tal direito se precludirá, também não se terão dúvidas em que, na situação em que a execução não esteja na fase da venda, se não poderá impor ao promitente comprador que espere, por vezes, largos anos, para exercer o seu direito ao cumprimento voluntário, ou, se necessário, através de execução especifica.
Com o que nos aproximamos da situação dos autos, em que, o que sucedeu, foi que o promitente vendedor e o promitente comprador procederam à compra e venda do imóvel fora da execução, fazendo-o negocialmente por escritura pública.
Podendo ter sucedido, caso um e outro não se tivessem entendido no sentido da efectuação dessa venda negocial, que o promitente comprador tivesse optado pela interposição de acção de execução específica contra aquele.
Um e outro desses comportamentos não pode deixar de ser admitido, não podendo, repete-se, impor ao promitente comprador - que, na situação dos autos, até se dedica a actividades imobiliárias destinando o imóvel comprado a revenda, como ficou a constar da respectiva escritura de compra e venda - que espere pela venda judicial do bem em função, no nosso caso, de uma das (quatro) penhoras que sobre ele incidem.
Resta saber, nestes contextos, o que sucede aos registos da hipoteca legal e das quatro penhoras.
De facto, o efeito extintivo previsto no art. 824º/2 CC está previsto para a venda executiva [...], e não se verifica, sem mais, na venda negocial.
Quando o promitente comprador na situação acima figurada interponha acção de execução especifica, parece que a venda judicial que venha a ter lugar na execução, sendo-o em momento em que ainda não se mostra definitivamente decidida aquela acção, terá de ser suspensa. Assim o entende Jorge Lopes de Sousa [«Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado», Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 9 ao art. 172º, pág. 246.)] que afirma que, para o efeito do disposto no art. 172º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, se deverá considerar como acção que tem por objecto a propriedade do bem penhorado, a acção em que o promitente-comprador da coisa penhorada pretende ver concretizado o seu direito à execução específica, nos termos do art. 830º do CC, e que, nesse caso, haverá que suspender a execução fiscal, pelo menos no que a esse bem se refere, até que a acção esteja decidida: «se a acção de execução específica for julgada procedente, o órgão de execução fiscal terá de levantar a penhora; caso contrário, a penhora mantém-se e a execução fiscal poderá prosseguir com a venda desse bem».
Quando o promitente comprador, pese embora a(s) penhora(s) registadas – e no nosso caso, a hipoteca legal – se consiga entender com o promitente vendedor para outorgarem conjuntamente em escritura de compra e venda do imóvel – como sucedeu nos autos - «não restará outra alternativa»[A expressão é a utilizada no Ac 12/1/2012 a que se tem vindo a fazer referência e de algum modo acompanhando] que não a de levantar as penhoras e ordenar o cancelamento do(s) respectivo(s) registo(s), bem como ordenar o da hipoteca legal."
[MTS]
Quando o promitente comprador, pese embora a(s) penhora(s) registadas – e no nosso caso, a hipoteca legal – se consiga entender com o promitente vendedor para outorgarem conjuntamente em escritura de compra e venda do imóvel – como sucedeu nos autos - «não restará outra alternativa»[A expressão é a utilizada no Ac 12/1/2012 a que se tem vindo a fazer referência e de algum modo acompanhando] que não a de levantar as penhoras e ordenar o cancelamento do(s) respectivo(s) registo(s), bem como ordenar o da hipoteca legal."
[MTS]