Título executivo;
sentença condicional*
1. O sumário de RP 18/12/2018 (14097/15.5T8PRT-A.P1) é o seguinte:
I – Toda a execução tem por base um título que define o conteúdo e os limites da obrigação exequenda.
I – Toda a execução tem por base um título que define o conteúdo e os limites da obrigação exequenda.
II – Sendo oferecido à execução como título executivo uma sentença condenatória, transitada em julgado, cuja obrigação nela incorporada se revele, por interpretação do título, segundo os cânones interpretativos previstos no art.º 236.º n.º1 do C.P.C., sujeita a posterior confirmação, será em razão do caso julgado formado pela sentença, de admitir ao executado discutir, em sede de embargos de executado, não só o montante, como ainda, a própria existência dessa obrigação.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"A questão central reconduz-se [...] a saber se a execução deve ser julgada extinta, nada tendo a exequente/ora apelada a receber do executado/embargante C... ou, a assim não se entender, se, de todo o modo, deve sempre proceder a oposição à penhora, sendo levantada a penhora sobre o saldo bancário de € 5.000,00 (titulado pelo embargante C...) e restringindo-se a penhora ao direito de crédito que o mesmo recebeu na partilha do activo societário da extinta sociedade “F..., Lda.”.
"A questão central reconduz-se [...] a saber se a execução deve ser julgada extinta, nada tendo a exequente/ora apelada a receber do executado/embargante C... ou, a assim não se entender, se, de todo o modo, deve sempre proceder a oposição à penhora, sendo levantada a penhora sobre o saldo bancário de € 5.000,00 (titulado pelo embargante C...) e restringindo-se a penhora ao direito de crédito que o mesmo recebeu na partilha do activo societário da extinta sociedade “F..., Lda.”.
Trata-se, pois, das mesmas questões que já tinham sido suscitadas no âmbito da petição de embargos deduzida pelo executado C..., ora apelante.
Feitas estas referências prévias, importa, pois, analisar a fundamentação da oposição deduzida pelo embargante, começando pelas questões atinentes à inexequibilidade do título, à certeza, liquidez e exigibilidade. [...]
[...] cumpre agora conhecer dos fundamentos da oposição deduzida pelo embargante, não deixando de assinalar que a presente execução se funda em sentença proferida em acção de condenação, qual seja a acção que correu termos entre a ora exequente e os ora executados, estes últimos na qualidade de ex-sócios da sociedade “F...“, sociedade esta que foi dissolvida e liquidada, conforme acta lavrada a 21.01.2011 (vide documento a fls. 11/13 dos autos), facto que foi levado a registo a 09.02.2011 (vide certidão do registo comercial a fls. 62/66 destes autos). [...]
[...] em nosso ver, a solução do litígio ter-se-á de colocar sobre outros termos e, em particular, quanto à existência da própria obrigação exequenda incorporada no título, ou seja, se a exequente possui título, entendido este em sentido substantivo, para exigir do executado C... a quantia que do mesmo reclama na presente execução.
Na verdade, como resulta dos embargos de executado deduzidos e das conclusões do presente recurso, o embargante sustenta que não recebeu quaisquer bens ou valores do património ou activo da sociedade liquidada e extinta e, consequentemente, à luz do próprio título executivo dado à execução (sentença), nada lhe pode ser exigido, sendo certo que a sentença consignou expressamente no seu dispositivo que o montante a pagar à Autora/ora exequente dependeria do que tivesse sido por si auferido na partilha do activo societário.
Dito de outra forma, excepcionalmente, a obrigação exequenda teria que ser definida em momento ulterior e esta só existiria se e na medida do que o réu/ora executado, demandado na sua qualidade de ex-sócio da sociedade liquidada e extinta, tivesse obtido na partilha do activo societário da dita sociedade. [...]
Delimitados [...] à luz da jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal, os termos aplicáveis à interpretação da sentença que ora constitui título executivo, dela resulta, na perspectiva de um declaratário normalmente atento e sagaz, em particular de um declaratário com formação jurídica, em face da sua fundamentação e do próprio segmento dispositivo final, que nela pretendeu o julgador (mal ou bem é questão que extravasa o âmbito do poderes de reapreciação desta instância, atento o caso julgado formado pela sentença) salvaguardar o posterior apuramento dos montantes que os ali RR., enquanto ex-sócios da sociedade “F..., Lda.”, receberam no âmbito da partilha do activo societário desta última.
Com efeito, para além de na fundamentação da sentença proferida na acção declarativa (que por nós foi analisada por consulta aos autos) nenhuma referência ou pronúncia existir quanto à questão dos valores que foram recebidos pelos ex-sócios (ali RR.) na partilha do activo societário (abordando-se apenas a temática dos pressupostos da responsabilidade civil da sociedade extinta e dos danos causados pelos factos ilícitos invocados) – sinal, pois, de que essa matéria não foi dirimida na sentença e, logicamente, não faz parte do respectivo caso julgado da sentença -, certo é, ainda, que, de forma expressa, no dispositivo final se previu que a condenação ali decretada teria como fundamento e medida o valor que os ex-sócios receberam na partilha do activo societário.
De facto, na fundamentação jurídica da dita sentença escreveu-se, a dado passo, já na sua parte final, o seguinte: “Tudo exposto, deverão os RR ser condenados, na qualidade de liquidatários da sociedade F..., Lda.”, até ao montante que receberam na partilha do activo societário (cfr. Art. 162º do Código das Sociedades Comerciais), a pagar à Autora a quantia de € 6.481,66, referente ao IVA cobrado indevidamente, e a quantia de € 2.431,73, referente aos juros remuneratórios do empréstimo contraído, tudo acrescido de juros vencidos e vincendos, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.”
Por conseguinte, como já antes se referiu, a condenação dos RR. nos valores dos danos sofridos pela Autora dependia, segundo o raciocínio expendido pelo julgador tal qual ele resulta da interpretação do acto decisório, dos valores que cada um dos RR., enquanto liquidatários da sociedade em causa, teria recebido na distribuição/partilha do activo societário, sendo certo que, à luz dos elementos disponíveis nos autos de acção declarativa, não existiam (pois não foram alegados) elementos para determinar o valor que cada um dos sócios recebeu desse activo.
Ora, sendo assim, a questão, tal como a mesma resulta do título executivo e dos presentes embargos executado é, ao fim e ao cabo, saber-se se, de facto, o executado C... recebeu na partilha do activo societário algum valor e, em caso afirmativo, qual foi esse valor, sendo certo que, como se expôs, a obrigação exequenda, tal qual como definida pelo título executivo, depende desse elemento (que não foi apurado na acção declarativa).
Vejamos.
Segundo o disposto no artigo 163º, n.º 1, do CSC, “Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.” [...]
O fundamento da solução legalmente consagrada quanto à responsabilidade dos ex-sócios pelos créditos sociais não satisfeitos radica numa ideia de sucessão na titularidade da relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social. [...]
Por isso, das duas, uma: - ou existe activo e ele foi distribuído – quando não o devia ter sido, atento o débito social não satisfeito -, respondendo, em tal circunstancialismo, cada um dos sócios pelo valor que, na partilha do activo, lhe coube; - ou não existe activo e, logicamente, não houve distribuição de quaisquer valores, caso em que o credor social não verá o seu crédito ser satisfeito à custa do património pessoal dos ex-sócios, correndo o risco (que, infelizmente, ocorre com frequência, como bem sabemos) de o devedor (pessoa singular ou a sociedade) não possuir bens ou activo que lhe permitam satisfazer esse crédito.
De facto, como resulta de forma clara do preceituado no citado artigo 163º do CSC, a responsabilidade dos ex-sócios e liquidatários só existe na medida em que da dissolução da sociedade tenha resultado um activo, isto é, um resultado positivo, e que este tenha sido distribuído pelos sócios, com o consequente incremento do seu património pessoal, sendo que a responsabilidade de cada um dos ex-sócios afere-se, precisamente, na estrita medida do incremento que cada um auferiu através da partilha.
Dito de outra forma, talvez mais clara: se na partilha o ex-sócio beneficiou de 500 (em valor ou em bens), a sua responsabilidade perante o credor social será 500, mesmo que a dívida não satisfeita ascenda a 2000; Se o ex-sócio nada recebeu na partilha, por inexistir um saldo positivo a distribuir, nada tem a pagar à custa do seu património pessoal, seja qual for o valor da dívida não satisfeita.
E esta medida da responsabilidade dos ex-sócios é, em nosso ver, perfeitamente certa e justa.
De facto, se a sociedade extinta e liquidada possuía débitos sociais, o correcto (e o justo) é que, primeiro, sejam satisfeitos os credores sociais e que só o eventual remanescente (se existir) seja, depois, distribuído pelos ex-sócios.
Ao invés, se a sociedade extinta e liquidada, não obstante possua débitos sociais, não possui activo que lhe permita responder pelos mesmos, à partida, e salvo outras hipóteses de responsabilidade dos ex-sócios (que não estão aqui em equação), o património pessoal dos sócios não responde por esses débitos, sendo certo que, como é pacífico, regra geral, o património societário não se confunde com o património pessoal dos sócios.
Ora, neste contexto, o que emerge da factualidade provada – e que não foi impugnada – é que, de facto, a nenhum dos sócios (embora nos presentes embargos só releve o executado C...) foi distribuído qualquer activo, no sentido de que nenhum viu o seu património acrescido ou enriquecido à custa do património da sociedade. [...]
Sem que este incremento resulte evidenciado não existe responsabilidade dos ex-sócios, à luz do preceituado no artigo 163º, n.º 1, do CSC.
Ora, sendo assim, à luz da sentença proferida (que se nos impõe em razão do seu trânsito em julgado e da sua consequente definitividade) e que serve de título executivo à presente execução – e que, por isso mesmo, também estabelece os limites e o conteúdo da própria obrigação exequenda – e dos factos provados, a única conclusão que se pode extrair é que, como sustenta o apelante, nada tendo recebido na partilha da extinta sociedade, também nada é devido por si à ora exequente/embargada, com a inevitável procedência dos presentes embargos de executado e consequente extinção da execução e levantamento da penhora efectuada nos autos e sobre os bens do ora embargante C...."
*3. [Comentário] A RL decidiu bem.
O acórdão demonstra que, ao contrário do que por vezes se afirma, as chamadas sentenças condicionais são perfeitamente admissíveis no processo civil português.
MTS