Imparcialidade do juiz;
escusa*
1. O sumário de RC 19/12/2018 (168/17.7GDCBR-A.C1) é o seguinte:
I – A imparcialidade do juiz significa que este não toma partido relativamente aos interesses que lhe são submetidos, actuando na causa como um terceiro alheio à solução da questão e estranho às razões da acusação da defesa, apreciando e decidindo em exclusiva obediência à lei.
II – Há que atender ao ponto de vista do cidadão comum, objectivamente aferido, e não tanto do destinatário da decisão que, embora importante, não constitui o critério decisivo.
III – A escusa suscitada pela magistrada requerente inscreve-se no âmbito da imparcialidade objectiva e, convoca fundamentos que, conquanto se refiram ao juiz, revestem natureza objectiva e, nessa medida, não o afectam nem o colocam pessoalmente em causa.
IV – Na presente situação, no contexto profissional, o arguido encontra-se hierarquicamente subordinado ao cônjuge da magistrada, circunstância que não se revela adequada a gerar no cidadão médio desconfiança sobre a sua imparcialidade e isenção.
V – O conhecimento que a Exma. Juíza tomou dos factos, relacionados com o thema decidendum do processo, resultou do que lhe foi contado pelo seu cônjuge, ao qual o arguido terá relatado a sua versão dos factos, no âmbito de uma justificação de falta ao serviço por parte deste.
VI – Quando objectivamente aferido sob a perspectiva dos intervenientes no processo e dos cidadãos, em geral, tal circunstancialismo não se afigura susceptível de ser visto como elemento que afecta a necessária equidistância de todos os sujeitos processuais, que condiciona o julgamento sobre a culpabilidade do arguido, a efectuar nos presentes autos, ou que de algum outro modo compromete a sua imparcialidade.
II – Há que atender ao ponto de vista do cidadão comum, objectivamente aferido, e não tanto do destinatário da decisão que, embora importante, não constitui o critério decisivo.
III – A escusa suscitada pela magistrada requerente inscreve-se no âmbito da imparcialidade objectiva e, convoca fundamentos que, conquanto se refiram ao juiz, revestem natureza objectiva e, nessa medida, não o afectam nem o colocam pessoalmente em causa.
IV – Na presente situação, no contexto profissional, o arguido encontra-se hierarquicamente subordinado ao cônjuge da magistrada, circunstância que não se revela adequada a gerar no cidadão médio desconfiança sobre a sua imparcialidade e isenção.
V – O conhecimento que a Exma. Juíza tomou dos factos, relacionados com o thema decidendum do processo, resultou do que lhe foi contado pelo seu cônjuge, ao qual o arguido terá relatado a sua versão dos factos, no âmbito de uma justificação de falta ao serviço por parte deste.
VI – Quando objectivamente aferido sob a perspectiva dos intervenientes no processo e dos cidadãos, em geral, tal circunstancialismo não se afigura susceptível de ser visto como elemento que afecta a necessária equidistância de todos os sujeitos processuais, que condiciona o julgamento sobre a culpabilidade do arguido, a efectuar nos presentes autos, ou que de algum outro modo compromete a sua imparcialidade.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"No processo penal os mecanismos dos impedimentos, recusas e escusas destinam-se a garantir a imparcialidade do juiz: os impedimentos consistem nos fundamentos objectivos tipificados nos artigos 39.º e 40.º do CPP e as recusase escusas têm por base os motivos não típicos que no caso concreto integram a cláusula geral consagrada no artigo 43.º, n.º 1 do CPP, obstando à intervenção de um juiz no processo quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
"No processo penal os mecanismos dos impedimentos, recusas e escusas destinam-se a garantir a imparcialidade do juiz: os impedimentos consistem nos fundamentos objectivos tipificados nos artigos 39.º e 40.º do CPP e as recusase escusas têm por base os motivos não típicos que no caso concreto integram a cláusula geral consagrada no artigo 43.º, n.º 1 do CPP, obstando à intervenção de um juiz no processo quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
No caso dos autos, estamos perante um pedido de escusa que como tal se encontra regulado no artigo 43.°, n.° 4 do CPP, o qual dispõe que o juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos n.os 1 e 2, o que, segundo o n.º 1, ocorre quando a sua intervenção no processo correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
A escusa suscitada pela magistrada requerente inscreve-se no âmbito da imparcialidade objectiva e, na linha do que se referiu supra, convoca fundamentos que, conquanto se refiram ao juiz, revestem natureza objectiva e, nessa medida, não o afectam nem o colocam pessoalmente em causa. Neste contexto, assinala-se que “circunstâncias relacionais ou contextuais objectivas susceptíveis de gerar no interessado o receio da existência de ideia feita, prejuízo ou preconceito em concreto quanto à matéria em causa: opiniões antecipadas do juiz, posições anteriores tomadas no processo; declarações públicas que veiculem uma opinião concreta sobre o caso; circunstâncias ou contingências de relação (amizade ou inimizade) com algum dos interessados, são factores que, dependendo da intensidade, têm justificado a recusa com fundamento na afectação da imparcialidade objectiva”. [Aresto proferido no processo n.º 133/10.5YFLSB (3.ª Secção) [...]].
Na avaliação da vertente objectiva há, pois, que apreciar, se, do ponto de vista do cidadão comum, as concretas circunstâncias verificadas quanto ao juiz, resultantes de uma especial relação com algum dos sujeitos processuais ou com o processo, se revelam adequadas a suscitar dúvidas sobre a sua imparcialidade.
Isto tendo sempre presente, recorde-se, que o deferimento de uma escusa constitui uma derrogação do princípio do juiz natural ou legal, consagrado no artigo 32.º, n.º 9 da Constituição e que garante que nenhuma causa possa ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.
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No caso dos autos, da exposição feita pela Exma. Juíza requerente não resulta que esta mantenha qualquer tipo de relação com o arguido … ou sequer que alguma vez tenha contactado com ele. O que sucede na presente situação é que, no contexto profissional, o arguido se encontra hierarquicamente subordinado ao cônjuge da magistrada, circunstância que não se revela adequada a gerar no cidadão médio desconfiança sobre a sua imparcialidade e isenção.
Por sua vez, o conhecimento que a Exma. Juíza tomou dos factos, relacionados com o thema decidendum do processo, resultou do que lhe foi contado pelo seu cônjuge, ao qual o arguido terá relatado a sua versão dos factos, no âmbito de uma justificação de falta ao serviço por parte deste.
O conhecimento dos factos foi, assim, obtido por via de conversa(s) que a magistrada manteve com o próprio cônjuge, sendo certo que foi nesse âmbito circunscrito de conversa(s) com o cônjuge que teceu considerações sobre as consequências jurídicas do caso. Ora, quando objectivamente aferido sob a perspectiva dos intervenientes no processo e dos cidadãos, em geral, tal circunstancialismo não se afigura susceptível de ser visto como elemento que afecta a necessária equidistância de todos os sujeitos processuais, que condiciona o julgamento sobre a culpabilidade do arguido, a efectuar nos presentes autos, ou que de algum outro modo compromete a imparcialidade da julgadora.
Ou seja, não vemos apontada qualquer ligação pessoal, de conhecimento, amizade, convívio ou outro da Exma. Juíza com o referido arguido, nem qualquer contacto ou troca de impressões sobre o caso com esse sujeito do processo, sendo que, sob o ponto de vista do cidadão comum, a via pela qual veio a tomar conhecimento de factos relativos ao processo [pelo cônjuge da magistrada e no âmbito de conversa(s) entre estes dois] e o contexto em que sobre ele terá opinado [no âmbito de conversa(s) com o seu próprio cônjuge] não se revelam adequados a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
Assim, face ao acima exposto, conclui-se que no presente caso não se mostram verificados os pressupostos da peticionada escusa, previstos no artigo 43.º, n.os 1 e 4 do CPP, em função do que a mesma deve ser indeferida."
*3. [Comentário] a) O acórdão foi proferido no âmbito do processo penal, mas o interesse da matéria nele tratada é transversal à área do processo.
Salvo o devido respeito, não se acompanha a orientação defendida pela RC. O acórdão não respeita o princípio de que o juiz só deve tomar conhecimento dos factos relevantes para a sua decisão no processo. Em processo civil, esse princípio implica a irrelevância do conhecimento privado do juiz.
No caso concreto, a Senhora Juíza que pediu escusa teve conhecimento dos factos imputados ao arguido através do seu cônjuge, que era um superior hierárquico do arguido. Se não se está fora a realidade, bem se pode imaginar que este cônjuge não terá deixado de emitir alguns juízos valorativos -- que tanto podem ter sido positivos ou negativos -- sobre o arguido.
Tudo isto teria aconselhado a que fosse aceite a escusa solicitada pela Senhora Juíza. Aliás, a recusa pela RC da aceitação dessa escusa implica que uma Juíza que considerou que a sua imparcialidade podia estar em causa por ter tido conhecimento de factos relevantes fora do processo vai ser obrigada, contra o seu próprio juízo e contra o seu próprio sentimento, a julgar a causa e a condenar ou a absolver o arguido. Objectivamente, o resultado está longe de ser o mais desejável.
b) O acórdão esquece também que uma coisa é apreciar um pedido de suspeição do juiz suscitado pelo MP ou pelo arguido (ou, em processo civil, pela parte), outra, bastante diferente, é apreciar um pedido de escusa suscitado pelo próprio juiz. Neste sentido, é algo equivocada a utilização do decidido em STJ 15/9/2010 (133/10.5YFLS), dado que o que estava em causa neste acórdão era uma suspeição deduzida pelo arguido.
MTS