"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



14/05/2019

Jurisprudência 2018 (219)

 
Pedido da parte; vinculação o tribunal;
condenação num minus
 
 
1. O sumário de RP 7/12/2018 (17154/16.7T8PRT.P1) é o seguinte:
 
I - Numa acção em que se pede a retirada de um toldo que provoca sombra num prédio vizinho, a condenação à retirada desse toldo apenas em algumas estações do ano não constitui condenação em objecto diverso do pedido, mas apenas uma limitação ao conteúdo do mesmo pedido.

II - Na sentença, o tribunal não pode utilizar factos de que se tenha apercebido no âmbito da instrução da causa, se os mesmos forem principais ou nucleares relativamente a matéria apta a constituir excepção à pretensão do autor, pois que os mesmos não poderiam deixar de ser alegados pelo réu.

III - Na presença de direitos da mesma espécie, em conflito, perante os quais o tribunal tenha decretado uma solução de limitação mútua, para realizar o conteúdo de cada um deles na medida tida por adequada, a alteração dessa solução sempre exigiria que, perante a factualidade apurada, o apelante evidenciasse um desacerto na ponderação daqueles direitos.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A primeira questão colocada pela apelante refere-se a uma alegada desconformidade entre o teor da condenação e qualquer dos diversos pedidos da acção.
 
Entre os pedidos formulados, os que estão em causa são os de “(…) d) condenação da ré a retirar o toldo que impossibilita a passagem da luz solar; e) e a abster-se de praticar qualquer outro acto que impeça ou impossibilite a passagem da luz solar para o seu imóvel;”
 
Por sua vez, a condenação decretada pelo tribunal recorrido consiste em “retirar o toldo na estação de inverno a partir do momento que em autora coloque dispositivo de escoamento de águas de chuva (caleiras) na parte que confina com o seu imóvel, no mais absolvendo-se a ré.”
 
A tal solução, aponta a autora uma nulidade por condenação em objecto diverso do pedido, nos termos da al. e) do art. 615º nº 1 do CPC.
 
A questão inerente à condição estabelecida na sentença e constituída pela colocação de caleiras reconduz-se a outra eventual causa de nulidade, como qualificado pela apelante, e será analisada posteriormente.
 
Agora cumpre aferir da apontada desconformidade entre a pretensão de retirada do toldo e de proibição de qualquer acto que impossibilite a passagem de luz para o imóvel da autora e a solução decretada, de retirada do toldo na estação do inverno.
 
Como se sabe, a nulidade prevista na al. e) do nº 1 do art. 615º do CPC sanciona uma incongruência entre o teor da decisão e o objecto do litígio, entendendo-se este como a pretensão deduzida, conformada simultaneamente pela providência concretamente solicitada e pelo direito que, por essa via, se tutela. A exigência de uma tal conformidade, como se sabe, constitui um corolário do princípio do dispositivo (art. 3º, nº 1, do CPC).
 
Assim, a nulidade verifica-se quer no caso de a condenação transcender o pedido, indo para além dele, quer quando não coincidir com o objecto do litigio. O mesmo é dizer-se, quando a condenação não coincidir com a providência concretamente solicitada ou não efectivar a tutela do direito invocado a esse propósito.
 
Facilmente se compreende, porém, que essa sobreposição poderá não ser integral, pois que sempre pode a sentença condenar em menos do que vinha pedido, podendo a redução ser até qualitativa (cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol 2º, pg. 715).
 
No caso em apreço, do confronto entre o peticionado e o segmento em análise da sentença recorrida, conclui-se, segundo uma perspectiva estritamente quantitativa, que neste se decretou menos do que aquilo que fora pedido em juízo.
 
Segundo o tribunal recorrido, a A. pediu tutela para um direito conexo com o uso do seu prédio, designadamente o de viver num ambiente sadio, como emanação de um “direito à salubridade” do seu imóvel e à “fruição” do direito de propriedade sobre o mesmo, em “boas condições”. E, para isso, pediu a remoção de um toldo instalado pela autora no respectivo prédio, que impedia a passagem de luz solar para as janelas do seu próprio prédio.
 
O tribunal considerou necessário compatibilizar esse direito com o direito da ré à fruição do seu próprio prédio. Assim entendeu ser legítimo à ré dispor do toldo durante os períodos de mais incidência de luz solar (primavera, verão e outono) devendo, no entanto, e porque se trata de uma estrutura amovível retirar a cobertura no período de menor incidência solar (inverno), altura em que a passagem da luz solar maior relevo terá, naturalmente, para o prédio da autora.
 
Vê-se, assim, que a solução decretada pelo tribunal recorrido consiste na mesma providência concretamente pedida – a retirada do toldo – e que se funda na tutela do mesmo direito invocado pela autora. Sem prejuízo, aquela providência não foi concedida com a dimensão plena com que fora peticionada – retirada definitiva do toldo – mas em períodos regulares e limitados no tempo.
 
Ou seja, a condenação da ré não consistiu em providência diferente da que fora pedida, antes nela se contém, numa menor dimensão.
 
Por conseguinte, resta concluir que a sentença recorrida não condenou em objecto diferente do que fora pedido, pelo que não se verifica a nulidade invocada."
 
[MTS]