Excepção de litispendência;
efeitos da citação; preclusão
1. O sumário de RC 18/1/2019 (7497/17.8T8CBR.C1) é o seguinte:
I – A finalidade da litispendência é a de obviar a que o afirmado pelo tribunal numa ação seja reproduzido ou contrariado pelo que se venha a afirmar pelo mesmo ou por outro tribunal noutra ação, sendo este um critério a utilizar para efeitos de aferir de uma situação de litispendência, para lá mesmo do critério formal da tríplice identidade enunciada no art. 581º/1 do NCPC.
II - A litispendência pode ocorrer em situações em que se registe uma identidade material de objecto entre a questão fundamental de uma e outra de outra, apesar de inexistir uma rigorosa identidade formal do pedido feito nas duas ações.
III - Ainda assim, do que a excepção de litispendência não prescinde é que em duas ações distintas tenham sido deduzidos pedidos de que resulte a identidade material de objecto supra referida.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
I – A finalidade da litispendência é a de obviar a que o afirmado pelo tribunal numa ação seja reproduzido ou contrariado pelo que se venha a afirmar pelo mesmo ou por outro tribunal noutra ação, sendo este um critério a utilizar para efeitos de aferir de uma situação de litispendência, para lá mesmo do critério formal da tríplice identidade enunciada no art. 581º/1 do NCPC.
II - A litispendência pode ocorrer em situações em que se registe uma identidade material de objecto entre a questão fundamental de uma e outra de outra, apesar de inexistir uma rigorosa identidade formal do pedido feito nas duas ações.
III - Ainda assim, do que a excepção de litispendência não prescinde é que em duas ações distintas tenham sido deduzidos pedidos de que resulte a identidade material de objecto supra referida.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"A excepção de litispendência pressupõe a repetição de uma causa (art. 580º/1 do NCPC), se a repetição se verifica antes de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, sendo que a causa se repete quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art. 581º/1 do NCPC).
A excepção em questão deve ser aferida, quanto à identidade da causa de pedir e do pedido, em face do alegado pelas partes como fundamento fáctico das pretensões sujeitas à apreciação e decisão jurisdicionais e do que concretamente se peticiona com base naquele fundamento.
Como fui (sic) do que acima se deixou enunciado, na primeira acção que a empregadora propôs contra a trabalhadora, aquela alegou que esta violou um pacto de permanência entre ambas celebrado, razão pela qual esta deveria restituir-lhe, designadamente, 28.520,00 € que lhe pagou a título de bolsa de doutoramento, nos quais se incluía a majoração mensal dessa bolsa que a partir de certa altura decidiu pagar à trabalhadora, no valor mensal de € 200,00 (arts. 43º, 44º e 45º da petição inicial).
Perante tal pretensão da empregadora e da fundamentação fáctica para tanto aduzida, a trabalhadora pugnou pela improcedência da acção, não deduziu reconvenção e peticionou a condenação da primeira como litigante de má-fé, tudo nos termos exactos que supra se deixaram transcritos. [...]
Assim sendo e na ausência de qualquer outra pretensão que a trabalhadora tenha ali deduzido na contestação afigura-se-nos impossível divisar-se uma repetição de pedidos que a declaração da litispendência pressupõe. [...]
Comece por dizer-se que não acompanhamos a decisão recorrida quanto à identidade de fundamentos – da defesa naquele processo e da acção neste processo - afirmada na decisão recorrida.
Com efeito, na defesa daquele processo jamais a trabalhadora sustentou que a aludida bonificação de 200 euros constituía remuneração de trabalho prestado à empregadora durante a licença sem vencimento. [...]
Não se regista, assim, a identidade de fundamentos de que a decisão recorrida parte para afirmar a litispendência.
Num segundo plano, admite-se, até por imposição legal (art. 580º/2 do NCPC), que a finalidade da litispendência seja a de obviar a que o afirmado pelo tribunal numa acção seja reproduzido ou contrariado pelo que se venha a afirmar pelo mesmo ou por outro tribunal noutra acção, sendo este um critério a utilizar para efeitos de aferir de uma situação de litispendência, para lá mesmo do critério formal da tríplice identidade enunciada no art. 581º/1 do NCPC – Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 302. [...]
Ainda assim, do que a excepção de litispendência não prescinde é, a nosso ver, que em duas acções distintas tenham sido deduzidos pedidos de que resulte a identidade material de objecto supra referida.
Ora, não ocorre no caso em apreço “identidade material” entre a pretensão deduzida neste processo pela trabalhadora (condenação da ré a pagar-lhe o salário, subsídio de alimentação, subsídios de férias e de Natal correspondentes ao trabalho prestado durante o período de licença sem vencimento) e qualquer pedido que a mesma trabalhadora tenha deduzido naquele primeiro processo, onde apenas deduziu um pedido de condenação da empregadora como litigante de má-fé.
[...] no primeiro processo que decorreu entre as partes do presente, o tribunal foi chamado a pronunciar-se sobre o seguinte: i) existência ou não de um pacto de permanência entre as partes; ii) violação ou não desse pacto por parte da trabalhadora e consequente obrigação da mesma indemnizar a empregadora por essa violação; iii) ponderação ou não dos referidos € 200 – além de outros valores que agora não importa considerar – para efeitos da fixação do montante indemnizatório a pagar. [...]
O que o tribunal aqui tem de decidir é algo de substancialmente distinto, a saber: se durante o período de licença sem vencimento a trabalhadora tem direito a receber da empregadora o salário, subsídio de alimentação, subsídios de férias e de Natal que lhe seriam devidos se não tivesse ocorrido aquela licença, posto que durante o período desta a trabalhadora terá continuado a prestar à empregadora, por exigência desta, o mesmo trabalho que antes lhe prestava.
É certo que se o tribunal responder afirmativamente a esta questão, poderá ter de confrontar-se com uma sub-questão sobre se no valor que assim considerar devido deve ou não imputar os valores já pagos pela empregadora a título de majoração de bolsa. [...]
Se o tribunal concluir por aquela resposta afirmativa e sustentar a respeito da dita sub-questão que deve ser feita aquela imputação dos valores decorrentes da majoração, o que se afirmará neste processo será que a empregadora deve à trabalhadora aquelas prestações, mas que ao valor global das mesmas deverá ser abatido o valor pago a título da referenciada majoração, inexistindo, assim, reprodução ou contradição do anteriormente decidido.
Por outro lado, se nesta acção o tribunal decidir negativamente a questão supra identificada referente ao direito a que trabalhadora se arroga a receber os referenciados salário, subsídio de alimentação, subsídios de férias e de Natal do período de licença sem vencimento, também não vislumbramos que se reproduza ou contradiga o decidido no primeiro processo no sentido de que a referenciada majoração não devia ser contabilizada para efeitos de quantificação da indemnização por violação do pacto de permanência, pois que nesse enquadramento aquele pretensão da autora improcederá absolutamente e nem sequer terá que ser abordada, por inutilidade e consequente proibição legal, a sub-questão da natureza e fundamentos da dita majoração (real majoração de bolsa ou substancial retribuição de algum trabalho prestado) e da imputação ou não da mesma em valores alegadamente devidos pela empregadora à trabalhadora.
Concluindo: não se nos afigura que se registe entre a presente acção e aquela que correu termos sob o nº ... a identidade de pedidos ou o risco de reprodução ou contradição que a afirmação de uma situação de litispendência exige."
*3. [Comentário] Salvo o devido respeito, não parece que a RC tenha enquadrado correctamente o problema.
No caso em análise, a questão nunca pode ser de litispendência, porque, como a posição das partes nas duas acções é cruzada (a autora da primeira acção é ré na segunda, e vice versa), as partes formulam nessas acções pedidos necessariamente distintos e com fundamentos também distintos. Significa isto que, então, a segunda acção era admissível?
Esta conclusão seria precipitada. Importa considerar o disposto no art. 564.º, al. c), CPC: a partir da citação, o réu fica inibido de propor contra o autor acção destinada à apreciação da mesma questão jurídica.
Pode então perguntar-se: mas com que fundamento é que se pode dizer que, na segunda acção, a autora (ré na primeira acção) pretende discutir a mesma questão jurídica que está em apreciação na primeira acção? A resposta é dada pela própria RC, ao referir que, caso o tribunal da segunda acção a venha a considerar procedente, importa saber "se no valor que assim considerar devido deve ou não imputar os valores já pagos pela empregadora a título de majoração de bolsa".
Se o resultado da segunda acção depende do resultado da primeira acção, então as acções não podem ser julgadas separadamente e, por isso, não podem estar ambas pendentes. Supõe-se até que é imaginável que haja o risco de contradição de decisões, dado que, se bem se compreendeu a situação, não se vê como é que se pode entender que houve ao mesmo tempo violação do pacto de permanência pela doutoranda e que esta doutoranda tem direito à remuneração.
Em conclusão: o que poderia estar em causa nunca poderia ser a excepção de litispendência, mas antes a violação da preclusão estabelecida no art. 564.º, al. c), CPC.
MTS