"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



29/05/2019

Jurisprudência 2018 (221)


Indeferimento liminar;
recurso; notificação dos réus


1. O sumário de RP 18/12/2018 (2750/16.0T8VNG-A.P1) é o seguinte: 

I - Não tendo o tribunal notificado os requeridos para contestar a petição, que foi aperfeiçoada, em obediência à decisão proferida no recurso interposto da decisão que indeferiu liminarmente a petição inicial, verifica-se uma nulidade equivalente à falta de citação para contestar, por não ter sido observado o princípio do contraditório.

II - A notificação para contestar constitui um acto da competência exclusiva do tribunal, não podendo ser substituído pela notificação entre mandatários.
 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A única questão que cumpre resolver consiste em saber se é legalmente admissível considerar os Requeridos devidamente notificados para contestar, atendendo a que foi apresentado um articulado de aperfeiçoamento, em consequência de uma decisão deste Tribunal da Relação, que revogou a decisão do tribunal a quo de indeferimento liminar do requerimento inicial.

Nos presentes autos, a petição inicial foi indeferida liminarmente.

Nos termos do artigo 590.º, n.º 1 do C.P.Civil, a petição é indeferida, nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente.

O Requerente, inconformado com esta decisão, recorreu, tendo os Requeridos sido citados, para os termos da causa e do recurso, em obediência às disposições conjugadas dos arts. 641.º, n.º 7 e 629.º, n.º 3, al. c) do C.P.Civil.

Sobre esta específica situação de impugnação do despacho de indeferimento liminar da petição inicial, A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora [V. Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 260 e segs.] esclarecem que o demandado, para além de ser citado para a defesa na acção é igualmente citado para os termos do recurso por forma a ser ouvido quanto ao fundamento do recurso.

E, acrescentam que na hipótese de o recurso ter provimento, determinando a decisão final a revogação do despacho de indeferimento liminar, a acção prosseguirá, mandando-se notificar o réu (que já fora citado) para contestar, oferecendo a sua defesa. [V. ob. cit., pág. 262].

Esta solução jurídica foi mantida no artigo 569.º, n.º 1, parte final, do C.P.Civil, ao dispor que no caso de revogação de despacho de indeferimento liminar da petição, o prazo para a contestação inicia-se com a notificação em 1.ª instância daquela decisão.

No caso em apreço, o tribunal não notificou os Requeridos que havia dado cumprimento à determinação do Tribunal da Relação do Porto no sentido de o Requerente ser convidado a aperfeiçoar a petição.

Mas, a omissão relevante, e que verdadeiramente constitui uma nulidade equivalente à falta de citação para contestar, consubstanciou-se na falta de notificação para contestar.

Considera a lei esse acto uma notificação e não citação porquanto já tinha sido dado conhecimento aos Requeridos da propositura da presente acção judicial.

Após a decisão do Tribunal da Relação do Porto que determinou o convite ao aperfeiçoamento da petição, o que foi cumprido pelo Requerente, faltava observar o art. 219.º, n.º 1 do C.P.Civil na parte que impõe chamar ao processo o réu para se defender, e este acto é da competência do tribunal (cfr. art. 220.º, n.º 2 do CPC).

Com efeito, ao ser apresentado novo requerimento aperfeiçoado, o tribunal devia ter notificado os Requeridos para, no prazo legal, contestarem, o que não aconteceu.

Aliás, em conformidade com o artigo 590.º, n.º 5 e artigo 3.º, n.º 1 e 3 do C.P.Civil, os factos objecto de aditamento ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade.

Por outro lado, o regime das notificações entre mandatários, estabelecido no art. 221.º, n.º 1 do C.P.Civil, só se aplica a partir da contestação, competindo sempre ao tribunal citar/notificar o réu para deduzir oposição.

Verificando-se falta de citação/notificação para contestar, o que constitui uma nulidade principal, de conhecimento oficioso, é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial (cfr. arts. 188.º, n.º 1, al. a), 187.º, 196.º e 200.º do C.PC).

Pelas razões aduzidas, e salvo o muito respeito, cremos que os argumentos aduzidos pelo Recorrido já foram esclarecidos, com recurso às normas legais aplicáveis.

Ou seja, os Requeridos foram citados apenas nos termos das disposições conjugadas dos arts. 641.º, n.º 7 e 629.º, n.º 3, al. c) do C.P.Civil, não foram notificados para contestar o articulado aperfeiçoado (tendo a Mma. Juíza declarado que responderam ao convite de aperfeiçoamento) e a notificação entre mandatários só é válida depois da contestação, o que não se verifica.

Não é despiciendo acrescentarmos que o princípio do contraditório é estruturante e basilar do direito processual civil e criminal, e só é plenamente cumprido quando se assegura à parte a possibilidade de se pronunciar, contrariando e discutindo, os factos que a afectem."


[MTS]