"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



04/01/2022

Jurisprudência 2021 (103)


Processo de inventário;
homologação do mapa da partilha; impugnação


1. O sumário de RP 11/5/2021 (585/20.5T8GDM.P1) é o seguinte:

I - As decisões do notário são impugnáveis para o tribunal da 1ª instância que for territorialmente competente, enquanto da sentença homologatória da partilha proferida pelo juiz daquele mesmo tribunal cabe recurso para o Tribunal da Relação, precisamente por se tratar de uma decisão jurisdicional.

II - As decisões interlocutórias que o nº 2 do artigo 76º do RJPI refere são as proferidas pelo juiz da 1ª instância, no âmbito das impugnações apresentadas às tomadas pelo Notário no processo de inventário, sendo apenas daquelas que cabe recurso para a Relação.

III - O recurso de apelação deve versar sobre decisões do tribunal da 1ª instância e não ter por objeto as proferidas por uma entidade não jurisdicional, como é o Notário na veste de titular de um processo de inventário, numa espécie de recurso per saltum para o Tribunal da Relação.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A questão a decidir consiste em saber se as questões levantadas pelo apelante no recurso da sentença judicial de homologação do mapa de partilha podem ser conhecidas pela Relação.

I. Com exceção da decisão homologatória da partilha, estamos perante um inventário todo processado perante a Notária e em que nenhuma das decisões tomadas por si foi objeto de impugnação ou recurso para o tribunal da 1ª instância.

Dispõe o artigo 16º, nº 4, da Lei nº 23/2013, de 5 de março, que da decisão do notário que indeferir o pedido de remessa das partes para os meios comuns cabe recurso para o tribunal competente, no prazo de 15 dias a partir da notificação da decisão, o qual deve incluir a alegação do recorrente.

O artigo 57º, nº 4, da mesma lei, regula a impugnação do despacho do notário determinativo da forma da partilha para o tribunal da 1ª instância competente.

E o artigo 66º, nº 3, prevê a possibilidade de interposição de recurso da decisão homologatória da partilha, como de apelação, para o Tribunal da Relação territorialmente competente.

Finalmente, o artigo 76º, nº 2, estabelece que, salvo nos casos em que cabe recurso de apelação nos termos do C.P.C., as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão da partilha.

As decisões interlocutórias referidas neste último preceito são as proferidas pelo juiz da 1ª instância no decurso do processo de inventário e não as do notário, uma vez que estas são impugnáveis para o tribunal.

É nesse sentido que o artigo 67º do C.P.C. estipula que compete aos tribunais de 1ª instância o conhecimento dos recursos das decisões dos notários, dos conservadores do registo e de outros que, nos termos da lei, para eles devam ser interpostos.

Ou seja, as decisões do notário são impugnáveis para o tribunal da 1ª instância que for territorialmente competente, enquanto da sentença homologatória da partilha proferida pelo juiz daquele mesmo tribunal cabe recurso para o Tribunal da Relação, precisamente por se tratar de uma decisão jurisdicional.

É neste sentido que se pronuncia Lopes Cardoso: «Dir-se-á, pois, que – muito mais do que um paralelismo excessivo com o Contencioso Administrativo, a despeito da natureza jurídica dos atos decisórios do Notário – deve ser aqui aplicado o regime subsidiário dos recursos civis (ex vi do citado artigo 82º do RJPI) vale dizer que a discordância da decisão notarial interlocutória deve manifestar-se através de um requerimento de impugnação para o Juiz dirigido ao Notário (C.P.C., artigo 637º-1).

Do exposto deve deduzir-se que, não estando previsto que a impugnação das «decisões interlocutórias» que não são autónomas suspendam o andamento do processo de inventário, também não se justifica que subam imediatamente ao juiz do processo, pelo que, preparada a impugnação com a respetiva alegação, aquela irá aguardar o momento em que o processo seja remetido a Tribunal para a prolação da decisão homologatória da partilha». Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 6ª edição, 2015, págs. 82/85.

As decisões interlocutórias que o nº 2 do artigo 76º do RJPI refere são as proferidas pelo juiz da 1ª instância, no âmbito das impugnações apresentadas às tomadas pelo Notário no processo de inventário, sendo apenas daquelas que cabe recurso para a Relação.

Do citado artigo 76º, nº 2, RJPI, tal como do artigo 644º, nº 2, do C.P.C., decorre que o recurso de apelação deve versar sobre decisões do tribunal da 1ª instância e não ter por objeto as proferidas por uma entidade não jurisdicional, como é o Notário na veste de titular de um processo de inventário, numa espécie de recurso per saltum para o Tribunal da Relação.

Tomé D’Almeida Ramião defende isso mesmo, referindo que «não é admissível uma espécie de recurso per saltum para o Tribunal da Relação de uma decisão proferida pelo notário. O recurso para este tribunal superior tem necessariamente de ter por objeto uma decisão jurisdicional». O Novo Regime do Processo de Inventário, págs. 198/199.

Como se demonstra dos autos de inventário, o interessado/apelante esteve presente na conferência de interessados, como consta da ata de fls. 18 e, sendo notificado de todas as decisões da Notária, das mesmas não apresentou qualquer impugnação para o tribunal da 1ª instância.

Neste contexto em que, por ausência total de impugnação das várias decisões tomadas pela Notária no decurso do inventário, o juiz da 1ª instância não teve oportunidade de proferir qualquer decisão interlocutória, prevista no nº 2 do artigo 76º do RJPI, nada há no recurso da sentença judicial de homologação do mapa de partilha que possa ser conhecido por esta Relação."

[MTS]