Processo de inventário;
partilha de bens comuns; competência material
1. O sumário de RG 27/5/2021 (6983/19.0T8VNF-D.G1) é o seguinte:
I- A Lei nº 117/2019, de 13 de Setembro revogou o regime jurídico do processo de inventário instituído pela Lei nº 23/2013, de 5 de Março, aprovou um novo regime do inventário notarial e reintroduziu no Código de Processo Civil o inventário judicial.
II- O inventário para partilha dos bens comuns subsequente ao divórcio previsto no art. 1133º do C.P.C. corre nos Juízos de Família e Menores por apenso ao processo que tenha decretado o divórcio.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"A Lei nº 117/2019 de 13 de Setembro revogou o regime jurídico do processo de inventário instituído pela Lei nº 23/2013, de 5 de Março, aprovou um novo regime do inventário notarial e reintroduziu no Código de Processo Civil (art. 1082º a 1135º) o inventário judicial. Este diploma aplica-se, entre outros, aos processos intentados a partir da sua entrada em vigor, i.e. 01/01/2020 (art. 11º nº 1).
A questão de saber se o processo de inventário para separação de meações subsequente à sentença que decretou o divórcio deve ser apensado a estes autos ou tramitado como processo autónomo e independente tem sido discutida na doutrina e na jurisprudência.
Vejamos.
Uns defendem que o inventário previsto no art. 1133º do C.P.C. deve ser tramitado como processo autónomo e independente.
Os defensores desta tese fundam-se no facto daquele preceito não prever expressamente a apensação dos autos de inventário aos processos de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento, contrariamente ao regime anterior previsto no art. 1404º nº 3 do C.P.C. na versão introduzida pelo Dec.-Lei nº 329-A/95, de 12/12, daí retirando a conclusão que a tramitação autónoma foi uma opção do legislador tanto mais que a regra dos processos “dependentes” correrem por apenso aos principais já existia aquando da vigência do referido art. 1404º (e estava prevista no então art. 211º nº 2 do C.P.C.).
Mais se baseiam num conceito restrito de dependência referindo que, num caso como o presente, a partilha é consequência da decisão de divórcio e não do processo onde esta decisão foi proferida concluindo que o inventário previsto no art. 1133º do C.P.C. não se enquadra na al. b) do nº 1 do art. 1083º do mesmo diploma.
Neste sentido vide Tomé D´Almeida Ramião, “O Regime dos Recursos e as Normas Transitórias no Novo Regime do Processo de Inventário”, in Cadernos do CEJ – “Inventário: O Novo Regime”, Maio de 2020, p. 39-40.
Este defende, quanto à competência material, que o nº 1 do art. 1083º do C.P.C. “(…) fixa positivamente a competência exclusiva do tribunal relativamente aos processos aí elencados, e neles não cabe – nomeadamente na sua alínea b) – o inventário para a partilha dos bens comuns na sequência do divórcio (…) nos termos previstos no artigo 1133.º pelo que nada impede que os ex-cônjuges requeiram o inventário para esta finalidade no cartório notarial, pois que a competência deste é concorrente com a dos tribunais.”.
E em sede de competência territorial refere que “O artigo 1133.º do CPC é omisso quanto à forma como é autuado esse processo, se corre autonomamente ou por apenso ao divórcio, ao contrário do que se previa no correspondente artigo 1404.º/3 do anterior CPC, que estabelecia que o processo de inventário corria por apenso a esses processos. E o artigo 1083.º/1, al. b), do CPC só se refere à relação de dependência quanto aos processos identificados no artigo 1135.º/1, em que quanto a estes é clara a dependência, pelo que o processo de inventário corre por apenso a esses processos.
Perante a ausência de norma expressa em sentido adverso, o processo de inventário instaurado no âmbito do artigo 1133.º do C. P. Civil continua a ser tramitado como processo autónomo e independente, cuja competência está deferida aos Tribunais de Família e Menores, nos termos do referido n.º 2 do artigo 122.º da LOSJ”.
Esta posição parece ser a que tem sido adoptada pelos tribunais da 1ª instância.
Outros defendem que, não obstante o art. 1133º do C.P.C. não prever expressamente a apensação, também não a exclui, sendo que a mesma resulta de uma interpretação sistémica da lei nos termos dos art. 206º nº 2, 1133º do C.P.C. e 122º nº 2 da Lei de Organização do Sistema Judiciário (L.O.S.J.), aprovada Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto.
Neste sentido vide Pedro Pinheiro Torres, in Cadernos do CEJ – “Inventário: O Novo Regime”, Maio de 2020, p. 31, que no capítulo referente aos processos de inventário para partilha de bens em casos especiais, em que alude aos inventários regulados nos art. 1131º a 1135º do C.P.C., refere: “Será, porventura, relevante, fazer referência aos tribunais competentes para a instauração do processo de inventário para partilha de bens comuns do casal dissolvido por divórcio, uma vez que a solução quanto ao tribunal competente dependerá do órgão em que tiver ocorrido o processo de divórcio, sendo competente para o inventário subsequente o divórcio decretado judicialmente, o tribunal em que este foi decretado, devendo o processo de inventário correr por apenso àquele, de que é dependente, nos termos do n.º 2 do artigo 206.º do CPC; já o inventário subsequente a divórcio decretado em Conservatória do Registo Civil deverá ser tramitado no Juízo de Família e Menores (…), por ser esta a atribuição que resulta do n.º 2 do artigo 122.º da LOSJ (…)”.
E ainda António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 527.
Esta tese tem sido a defendida pelos tribunais superiores – Ac. da R.L. de 14/07/2020 (Maria Conceição Saavedra), R.C. de 23/02/2021 (António Pires Robalo), R.P. de 23/02/2021 (Alexandra Pelayo), decisões que acompanhamos.
Ora, o anterior regime jurídico do processo de inventário, aprovado pela Lei nº 23/2013 de 05 de Março, correspondeu a uma experiência de desjudicialização que se caracterizou grosso modo pela atribuição da tramitação deste processo à competência exclusiva dos notários ficando reservada aos tribunais de comarca a competência para a prática de actos que fossem considerados da competência do juiz, contudo tal experiencia fracassou. Ciente deste fracasso o legislador consagrou, no novíssimo regime de processo de inventário, a regra da competência concorrente entre o Tribunal e o Cartório Notarial, excepto nas situações previstas no art. 1083º nº 1 do C.P.C., em que a competência dos tribunais judiciais é exclusiva.
Dispõe este preceito:
1 - O processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais: (…)b) Sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial; (…).2 - Nos demais casos, o processo pode ser requerido, à escolha do interessado que o instaura ou mediante acordo entre todos os interessados, nos tribunais judiciais ou nos cartórios notariais. (…).
Como se lê no referido Ac. da R.P. de 23/03/2021, “Pode-se dizer que o inventário é dependente de outro processo judicial quando a partilha de bens seja necessária para a tramitação de outro processo ou quando seja consequência do decidido naquele processo” sendo que, acrescentamos nós, o disposto no art. 1135º se enquadra no primeiro caso e o disposto no art. 1133º no segundo.
O processo de inventário para separação de meações previsto no art. 1133º do C.P.C. está dependente ou em conexão com o processo de divórcio uma vez que da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges nasce o direito à partilha dos bens comuns. Assim, preexistindo um processo no qual o divórcio foi decretado será por apenso a este que corre o processo de inventário nos termos dos art. 1083º nº 1 b) e 206º nº 2 do C.P.C., mas, caso o divórcio tenha sido decretado na conservatória do registo civil, o inventário correrá também nos Juízos de Família e Menores, mas como processo autónomo atento o disposto no art. 122º nº 2 da L.O.S.J..
Da não menção no art. 1133º do C.P.C. que esse inventário corre por apenso ao processo de divórcio não se pode retirar a conclusão contrária tanto mais que a apensação àquele processo resulta dos referidos art. 1083º nº 1 b) e 206º nº 2 do C.P.C..
Por fim, importa referir que a acima referida alínea não distingue graus de dependência ou conexão de molde a poder defender-se que aí se inclui a conexão prevista no art. 1135º, por ser uma conexão “forte”, mas já não a do art. 1133º por não ser suficientemente forte. Acresce que existem processos que correm por apenso a outros processos por formarem com estes uma “unidade orgânica” (como, por exemplo, a oposição à execução) e outros há cuja apensação se justifica por razões de ordem formal ou pragmática (como, por exemplo, a acção de honorários – art. 73º nº 1 do C.P.C. ou o caso em análise).
Deste modo não há razões de fundo para excluir a apensação do inventário para separação de meações ao processo de divórcio, o que aliás se justifica por razões de economia processual e elementar razoabilidade."
[MTS]