Função jurisdicional;
responsabilidade civil do Estado; "erro grosseiro"
1. O sumário de RG 13/5/2021 (711/20.4T8VRL.G1) é o seguinte:
I- A determinação do que seja a privação de liberdade (prisão preventiva) por grosseiro erro judicial, para os efeitos da atribuição de indemnização nos termos do art. 225º,1, b CPP, na redação da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto só pode ser feita tendo em consideração o tempo em que tal medida de coação foi aplicada, e mantida, com a prova que existia no inquérito nessa altura, e não à luz do que veio mais tarde a decidir o acórdão final.
II- O facto de o arguido ter recorrido da decisão que o prendeu preventivamente, e um Tribunal superior ter confirmado tal despacho torna já improvável a existência do alegado erro grosseiro.
III- O facto de o arguido vir a ser absolvido do crime que levou à prisão preventiva não significa que tenha ocorrido erro grosseiro na aplicação de tal medida de coação.
IV- Em síntese, o julgamento sobre a existência ou não de erro grosseiro só pode ser feito retroagindo ao momento em que a prisão preventiva foi decretada, analisando toda a prova existente nos autos nesse momento.
V- Não existe prisão injustificada por erro grosseiro, quando os fundamentos do acórdão absolutório -ilegalidade na obtenção da prova- não são pacíficos.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Em primeiro lugar, verifica-se que o recorrente não impugna a matéria de facto dada como provada, pelo que a mesma se tem como definitiva.
O que está em causa no recurso é, pois, o saber se com os factos provados, o Tribunal de primeira instância deveria ter considerado que o autor era titular de um direito de indemnização.
Recordemos que com esta acção, como ele próprio afirma, o autor vem exercer o seu direito a uma indemnização por privação injustificada da liberdade, nos termos dos arts. 225.º e 226.º do CPP.
Dispõe o art. 225º,1 CPP, na redacção da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, na sequência do art. 27º,5 CRP, que quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando:
a) A privação da liberdade for ilegal, nos termos do nº 1 do artigo 220º, ou do nº 2 do artigo 222º;
b) A privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia; ou
c) Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente.
Acrescenta o nº 2 que “nos casos das alíneas b) e c) do número anterior o dever de indemnizar cessa se o arguido tiver concorrido, por dolo ou negligência, para a privação da sua liberdade”.
O art. 225º do CPP de 1987 é a consagração legislativa correcta do princípio constitucional estabelecido no nº 5 do art. 27º da CRP (acórdão do STJ de 06-01-2000 - Miranda Gusmão (Relator).
Vejamos em traços largos o raciocínio que a sentença recorrida seguiu.
Começou por constatar que o autor fundamentou a sua pretensão na existência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que levaram à sua privação da liberdade, por aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, embora admita que essa situação apenas se verifica a partir do despacho de 2 de Janeiro de 2019, que reapreciou e manteve a medida de coacção de prisão preventiva que lhe havia sido aplicada, aquando do primeiro interrogatório judicial.
É pacífico que no âmbito do inquérito nº 361/18.5JAVRL, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar e que deu origem ao processo comum colectivo com o mesmo número, que correu termos no Juízo Central Criminal de Vila Real – Juiz 2, o autor ficou sujeito à medida de coacção de prisão preventiva por despacho judicial proferido na sequência do seu interrogatório judicial, de arguido detido, no dia 9 de Outubro de 2018. Nesses autos, o autor juntou procuração a favor do mesmo Mandatário da presente acção, Dr. N. F., nesse mesmo dia, ou seja, a 9 de Outubro de 2018, e interpôs recurso daquela medida de coacção de prisão preventiva, recurso que, contudo, veio a ser julgado improcedente pelo Tribunal da Relação de Guimarães, através de Acórdão, datado de 11 de Fevereiro de 2019, que confirmou integralmente o despacho judicial que havia determinado a aplicação ao Autor da medida de coacção de prisão preventiva.
Perante isto, o Tribunal recorrido concluiu logo que não ocorre o fundamento previsto na alínea a), do nº 1, do art. 225º do CPP, já que não se pode dizer que a privação da liberdade foi ilegal, até porque não se verifica nenhum dos fundamentos previstos no nº 1 do artigo 220º, ou no nº 2 do artigo 222º do referido diploma legal.
Recordemos que os fundamentos previstos no nº 1 do art. 220º são objectivos: a) estar excedido o prazo para entrega ao poder judicial; b) manter-se a detenção fora dos locais legalmente permitidos; c) ter sido a detenção efectuada ou ordenada por entidade incompetente; d) ser a detenção motivada por facto pelo qual a lei a não permite. Nada disso sucedeu no caso sub judice, nem o recorrente o afirma.
Avancemos.
Concluiu a sentença recorrida que não se verifica também o fundamento previsto na alínea c) do preceito citado, ou seja, “quando se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente”. Citando agora a sentença recorrida, “é que, não há dúvidas de que o facto de o autor ter sido absolvido no processo crime mencionado, não significa que se tenha provado que não foi o agente do crime, uma vez que resulta do acórdão citado supra, que o autor, ali arguido, foi absolvido por falta de provas e não por ter sido comprovado que não praticou o crime. A jurisprudência tem sido maioritária no sentido de considerar que a absolvição do arguido, ao abrigo do princípio in dubio pro reo, não preenche o requisito da al. c) do nº 1, do art. 225º do CPP”.
Assim, a sentença recorrida fixou-se no fundamento previsto na alínea b) do nº 1 do art. 225º do CPP já citado, ou seja, saber se a privação da liberdade se ficou a dever a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia.
E concluiu a sentença que não houve erro grosseiro algum. Citando: “ao contrário do que o autor refere, na decisão de manutenção proferida a 02 de Janeiro de 2019, e nas sucessivas decisões que determinaram a manutenção da medida de coacção, a decisão baseou-se numa apreciação fundamentada quanto à subsistência dos pressupostos daquela medida de coacção. Como o próprio autor refere, a senhora juíza “sustentou que os elementos recolhidos entre o momento em que foi aplicada a referida medida de coacção e a presente data não infirmaram os indícios elencados no despacho de aplicação da medida de coacção nem permitem concluir pela necessidade de alteração da medida imposta”.
E refere ainda a sentença recorrida, que é o próprio autor a admitir que a prisão preventiva que lhe foi aplicada inicialmente não padeceu do alegado erro grosseiro na sua aplicação, tendo em conta os vestígios recolhidos pela PJ (artigo 55º da petição inicial).
Ora bem.
Vem agora o autor/recorrente insistir em que a decisão de aplicação da prisão preventiva assentou num grosseiro erro judicial.
Desde logo, vemos como muito difícil para o recorrente defender esta tese, quando foi ele mesmo que, no art. 55º da sua petição inicial, alegou: “O A. ainda admite que a prisão preventiva ordenada a 09.10.2018 não padecesse de tal erro grosseiro, tendo em conta os vestígios recolhidos pela PJ”.
Recordemos que em 9.10.2018 o Autor foi sujeito a 1º Interrogatório Judicial de arguido detido, no qual não prestou declarações e no qual lhe foi aplicada a prisão preventiva.
Medida de coacção essa que foi mantida em 2.1.2019, 4.4.2019 e 1.7.2019.
Provou-se ainda que o ora autor, então arguido, interpôs recurso do primeiro despacho que lhe aplicou a prisão preventiva, mas que este Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão de 11 de Fevereiro de 2019, julgou esse recurso totalmente improcedente, confirmando integralmente o despacho judicial que havia aplicado a prisão preventiva.
Se parássemos por aqui, já haveria razões para dizer que não existiu qualquer erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto da prisão preventiva. Com efeito, o facto de, em recurso, um Tribunal superior ter analisado esses mesmos pressupostos, e ter concluído pelo bem fundado da aplicação de tal medida, já torna praticamente impossível que tivesse ocorrido o referido erro grosseiro, pois não é crível que 3 Juízes, de instâncias diversas, tivessem cometido o mesmo erro grosseiro. Acresce ainda que, por definição, os Juízes do Tribunal superior, pela sua maior experiência profissional, estão ainda em melhores condições para analisar a situação e emitir um julgamento correcto.
Mas não fiquemos por aqui.
Podemos dizer mais.
O recorrente vê um erro grosseiro no facto de nunca ter existido prova de que ele tivesse estado com a mãe nos termos descritos nos relatórios preliminares e na Acusação.
Mas o recorrente incorre aqui num manifesto lapso. Ele parece querer fazer retroagir as razões do acórdão que o absolveu ao tempo em que foi decretada a sua prisão preventiva. O que não pode ser feito, de todo. É uma simples questão de a linha temporal ser de um só sentido. A busca do alegado erro grosseiro na aplicação da prisão preventiva tem de ser feita ao tempo em que tal medida de coacção foi aplicada, e mantida, com a prova que existia no inquérito nessa altura, e não à luz do que veio mais tarde a decidir o acórdão final.
Vejamos primeiro, em abstracto, o que entender por erro grosseiro, para efeitos de aplicação deste art. 225º,1,b CPP. Segundo Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário, 3ª edição), “o erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto da privação da liberdade é um erro indesculpável, crasso ou palmar, cometido contra todas as evidências e no qual incorre quem actua sem os conhecimentos ou as diligências exigíveis, bem como o acto temerário, no qual, devido à ambiguidade da situação, se corre o risco evidente de provocar um resultado injusto (acórdão do STJ de 28.1.2003, in CJ, XXVIII, 1, 52)”.
Mais adiante este Professor reitera uma ideia que já aqui avançámos: “os pressupostos de facto da privação da liberdade devem ser avaliados à luz das circunstâncias do momento em que foi aplicada a medida de coacção ou detida a pessoa (acórdão do STJ de 19.10.2004, in CJ, XII, 3, 74…). Isto é, o Tribunal deve proferir um juízo de prognose póstuma reportado à data em que foi proferida a decisão”.
O Acórdão do STJ de 11 de Setembro de 2008 (Santos Bernardino) começa por referir que “o art. 225º, apesar de inserido num diploma de carácter adjectivo, assume natureza eminentemente substantiva; e, estabelecendo o regime da indemnização cível por danos causados pelo Estado a qualquer pessoa, no exercício da função jurisdicional, é verdadeiramente uma regra de direito privado comum ou civil, uma norma sobre a responsabilidade civil extracontratual, sendo a sua aplicação no tempo definida pelas regras do art. 12º do Cód. Civil”. E, mais adiante: “no nº 2 do art. 225º prevê-se o caso de prisão preventiva legal, mas que posteriormente veio a verificar-se ser total ou parcialmente injustificada, por erro grosseiro – ou seja, por erro escandaloso, crasso ou palmar, que procede de culpa grave do errante – na apreciação dos respectivos pressupostos de facto. O erro grosseiro na aplicação da prisão preventiva tem de ser apreciado à luz de um juiz de médio saber, razoavelmente cauteloso e ponderado na valoração dos pressupostos de facto invocados como fundamento desta. O juízo sobre o erro grosseiro na valoração dos pressupostos de facto determinantes da prisão preventiva, a formular em momento posterior, tem por base os factos, elementos e circunstâncias que ocorriam na ocasião em que esta foi decretada ou mantida. E o facto de o arguido sujeito a prisão preventiva legalmente decretada vir a ser posteriormente absolvido em julgamento, por não provados os factos que lhe eram imputados, é, por si só, insusceptível de revelar a existência de erro grosseiro por parte de quem decretou a aludida medida de coacção, e, por isso, não implica, só por si, a possibilidade de indemnização nos termos do art. 225º/2 do CPP”.
E também o Acórdão do STJ de 19-09-2002 (Neves Ribeiro -Relator): “a circunstância de alguém ser sujeito a prisão preventiva, legal e judicialmente estabelecida, e vir depois a ser absolvido em julgamento, e nessa altura libertado, por não se considerarem provados os factos que lhe eram imputados e que basearam aquela prisão, só por si, não possibilita, automaticamente, o direito à indemnização”.
E ainda o Acórdão do STJ de 29-01-2008 - Salvador da Costa (Relator): “o erro significa o engano ou a falsa concepção acerca de um facto ou de uma coisa, distinguindo-se da ignorância porque esta se traduz essencialmente na falta de conhecimento. O erro grosseiro de facto e/ou de direito na apreciação judicial dos pressupostos de facto da prisão preventiva é o indesculpável ou inadmissível, porque o juiz podia e devia consciencializar o engano que esteve na origem da sua decisão e que a determinou. A circunstância de o recorrente ter sido absolvido a final por falta de prova do cometimento do crime por que foi pronunciado é insusceptível, só por si, de revelar o referido erro”.
E bem se compreende que assim seja. Sem ser necessário entrar agora em grandes análises da estrutura do processo penal Português, é sabido que o mesmo é composto de uma fase de inquérito, seguida de uma fase (meramente eventual) de instrução, e, finalmente, a audiência de julgamento. E atentos os vários “filtros” processuais em vigor, à medida que o processo avança de uma fase para outra podem ir desaparecendo provas nas quais se baseou o juízo de aplicação da prisão preventiva. Basta pensar em testemunhos que vão sendo alterados, testemunhas que desaparecem ou falecem, provas que vão sendo declaradas nulas, e já para não falar nas declarações do arguido, as quais têm um regime muito próprio, e que permite que o arguido não apresente nenhuma versão ao longo do processo, ou apresente várias, tudo a coberto, por um lado, do direito ao silêncio, e por outro do direito (que de forma encapotada ou envergonhada lhe foi igualmente conferido) a mentir.
Daí que seja, ao que supomos pacífica a interpretação jurisprudencial segundo a qual “a prisão não é injustificada, e muito menos por erro grosseiro, só porque o interessado vem a ser absolvido. A circunstância de alguém ser sujeito a prisão preventiva, legal e judicialmente estabelecida, e depois vir a ser absolvido em julgamento, sendo então libertado, por não se considerarem provados os factos que lhe eram imputados e que basearam aquela prisão, só por si, não possibilita o direito a indemnização” (Acórdão do STJ de 1-6-2004 - Azevedo Ramos (Relator).
Pensamos ser igualmente incontornável que “a apreciação e qualificação do erro grosseiro ou temerário, de que resultou a prisão preventiva posteriormente revelada como injustificada, há-de ser feita tendo por base os factos, elementos e circunstâncias que ocorriam na altura em que a prisão foi decretada ou mantida, sendo, por isso, em princípio, irrelevante, para tal constatação, o facto de, mais tarde, o detido ter vindo a ser absolvido ou mesmo não submetido a julgamento por, entretanto, haverem surgido novas provas que afastaram a sua anterior indiciação” (Acórdão do STJ de 19-10-2004; Relator - Araújo de Barros).
Resumindo de forma cabal o que até aqui dissemos, pode ler-se no Acórdão do STJ de 27.9.2005 (Ribeiro de Almeida): “a prisão preventiva decorre dos riscos normais da actividade judiciária, que é exercida no benefício da sociedade. Considerando que a prisão preventiva, nos antecedentes do julgamento, se mostrava legal, oportuna e justificada, e que a absolvição posterior do arguido se deveu a falta de prova da prática do crime, e não a prova positiva da sua inocência, inexistem os pressupostos para a responsabilidade civil do Estado consagrada no art.º 27, n.º 5, da CRP”.
Os Juízes que aplicaram e mantiveram a prisão preventiva cometeram um erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto da mesma ?
Para responder a essa pergunta temos de saber o que continham os autos à data da aplicação ao arguido (e posterior manutenção) da medida de coacção prisão preventiva.
Sabia-se que em 04.10.2018, A. L., mãe do Autor, desapareceu. E que em 06.10.2018, a Polícia Judiciária fez buscas à habitação e automóvel do Autor, tendo sido apreendidos vários objectos (roupa e tapete da bagageira com vestígios supostamente hemáticos), a viatura e dois telemóveis (mais tarde apurou-se que nenhum destes objectos continha vestígios genéticos da vítima).
No mesmo dia, o Autor foi constituído arguido, tendo-lhe sido lidos os seus direitos, tendo prestado T.I.R., e nessa qualidade foi interrogado, pelas 19:50 horas, sem a presença de Advogado. De acordo com esse auto, como se pode ver a fls. 31 dos autos, o arguido terá declarado, em resumo, que se cruzou com a sua mãe na estrada e pediu-lhe dinheiro para meter gasolina; esta negou, e o arguido deu-lhe um empurrão, tendo ela caído ao chão. Depois deu-lhe uns abanões e ela levantou-se, metendo-a no carro e levando-a a casa. Depois ela saiu do carro mas foi atrás do arguido, e este deu-lhe outro empurrão que levou a que ela caísse pelo monte abaixo, num local com bastantes fetos.
Não vale a pena referir aqui a totalidade do auto, pois o resumo que fizemos já é, salvo melhor opinião, totalmente esclarecedor.
Mas estas declarações do arguido, apesar de assinadas por si, nem são o mais importante. Mais importante é o auto de diligência elaborado pela Polícia Judiciária a 7/10/2018, no qual se refere que os Inspectores se deslocaram, juntamente com o arguido, aos locais que ele indicou como tendo sido aqueles onde teria empurrado a sua mãe e ela teria ficado caída. Essas diligências resultaram infrutíferas, não se tendo encontrado o corpo da vítima. No acórdão penal absolutório é feita a referência a este meio de prova nestes termos:
“Fls. 100 a 109: “Auto de diligência”, cujo original se mostra de fls. 219 a 228, datado de -/10/2018, sendo o local da diligência EM 312 (Bragadas), Santo Aleixo e Além Tâmega, identificando-se os inspectores da PJ que executaram a diligência, bem como se identificou que presente esteve como testemunha L. T. (é a primeira testemunha arrolada pela acusação); não esteve presente Defensor do arguido; a fls. 100 e 101 descrevem-se as diligências que foram feitas com base apenas nas declarações do arguido; de fls. 102 a 109 estão fotografias, com legendas, em que se “reconstituem” os factos apenas com base em tais declarações do arguido. E fotografias de alguns locais indicados onde teria sido depositado o corpo de A. L., sem que tenha sido encontrado em qualquer um deles”.
E ainda:
“Fls. 133 com original a fls. 252: “auto de diligência” de 8/10/2018, na EM 312, sentido Ribeira de Pena-Boticas, em que os inspectores aí identificados referem ter feito diligências, com o arguido presente, destinadas à localização do cadáver da progenitora do arguido, não sendo o mesmo localizado”.
Diga-se desde já que é óbvia a urgência e a imperiosidade de realização destas diligências, pois havia ainda a esperança de conseguir encontrar a desaparecida A. L. com vida, e todos os segundos contavam.
Os referidos autos estão documentados com fotografias aéreas, e fotografias do local supostamente indicado pelo arguido como sendo aquele onde teria empurrado a sua mãe e ela teria ficado caída. Nessas fotografias pode ver-se o arguido e uma testemunha, L. T. (a qual foi posteriormente inquirida como tal no inquérito e na audiência de julgamento). Vamos ainda acrescentar, por nos parecer particularmente relevante, que no Acórdão penal se pode ler: “o depoimento desta testemunha é muito relevante, não porque tenha visto a prática de qualquer um dos factos em julgamento, ou tenha estado presente em qualquer momento circunstancial anterior ou posterior à imputada actuação do arguido, mas apenas porque teve intervenção activa e presenciou diligências de investigação da PJ, durante as quais o arguido fez declarações ou gestos relacionados com os factos em julgamento”.
E ainda: “Fls. 913 a 916: auto de diligência de 8/01/2019 executada pelos inspectores da PJ no mesmo identificado em que com recurso a um DRONE foi sobrevoado/registado o local, junto às margens do Rio Tâmega onde apareceu o cadáver de A. L., estando anexas quatro fotografias, com legenda no final, referindo que o local onde foi encontrado o corpo de A. L. que fica a escassos metros do rio Tâmega e nos limites da Quinta onde M. P. trabalhava”.
Com toda esta prova constante dos autos, é por demais óbvio que não foi cometido erro grosseiro algum.
Havia abundante prova de que o arguido sabia o que tinha acontecido à sua mãe, tanto que ele se dispôs voluntariamente a colaborar na diligência conduzida pela Polícia Judiciária para tentar localizar a mesma. Certamente, supomos, ninguém se terá lembrado de dizer que foram os Inspectores da PJ que escolheram os locais para onde foram passear com o arguido, e com a testemunha supra referida, apenas para queimar tempo. Claro que foi o arguido que, repetimos, voluntariamente, indicou os referidos locais, dando ainda outras indicações que constam dos respectivos autos.
E para que não restem dúvidas, vamos imaginar que o arguido teria sido agredido e coagido pelos Inspectores da PJ a participar dessa diligência, e que teria indicado aleatoriamente alguns locais como sendo aqueles onde poderia estar a sua mãe, apenas para que não lhe batessem mais. Se este cenário fosse verdadeiro, então podemos ter como garantido que mal fosse presente ao Juíz de Instrução (diligência na qual podemos ter a certeza que ninguém o coagiu ou agrediu) o arguido diria que nada do que constava dos autos era verdade, e que tinha sido coagido e agredido. Curiosamente, nesse momento o arguido não disse nada, e usou o seu direito a não prestar declarações. Processualmente, nada de mais legítimo. Porém, nem mesmo no ambiente por vezes esquizofrénico (1) do processo penal português os arguidos podem querer “sol na eira e chuva no nabal”. É que no meio de tanta retórica a exaltar e endeusar o direito ao silêncio dos arguidos, parece ficar esquecido o direito, certamente menor, de prestar declarações e esclarecer erros e contradições da investigação. Neste caso concreto, o arguido não quis prestar declarações, direito que lhe assiste. Mas, ao assim optar, não impugnou os autos de diligência e reconstituição do facto, no momento em que para ele seria mais importante fazê-lo, e perante a entidade certa para o fazer, o Juiz de Instrução. Ao não o fazer, o Juiz de Instrução ficou com um conjunto sólido, uniforme e congruente de indícios que apontavam todos, sem excepção, para ser o arguido o autor do desaparecimento de sua mãe.
Pensamos não ser necessário dizer mais para explicar que não assiste qualquer razão ao recorrente, e que não foi cometido qualquer erro na análise da situação de facto pelo Juíz que decretou a sua prisão preventiva, muito menos um erro grosseiro.
Aliás, à mesma conclusão já tinha chegado este Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão datado de 11 de Fevereiro de 2019, que incidiu sobre a decisão de aplicação da prisão preventiva, e onde se pode ler: “(…) Debruçando-nos sobre os elementos carreados para os autos importa concluir que analisada a prova por declarações prestada pelo arguido de fls. 173 a 175 (fls. 52 a 54 destes autos) e 232 a 236 (fls. 55 a 59 destes autos), os depoimentos colhidos junto das testemunhas L. A. de fls. 176 a 179 e L. T. de fls. 229 a 231 (fls. 63 a 68 destes autos) – e feita a sua conjugação com a prova por documentos de fls. 24 e seguintes – assentos de nascimento, de fls. 24 e seguintes destes autos, auto de noticia de fls. 37 e seguintes, relatórios de ocorrência de fls. 43 e seguintes, auto de ocorrência de fls. 49 e seguintes, auto de busca e apreensão de fls. 60 e seguintes, relatório de exame pericial de fls. 69 e seguintes e os autos de diligencia com fotogramas de fls. 107 e seguintes e fls. 117 importa concluir que se acha fortemente indiciado que:
- O arguido, ora recorrente, é filho da vítima A. L.;- A vítima, nascida a - de Março de 1951, tinha à data dos factos 67 anos de idade e padecia da doença de Alzheimer;- No dia 4 de Outubro de 2018, no período compreendido entre as 18 horas e 30 minutos e as 19 horas e 30 minutos, na localidade de Bragadas, na berma da Estrada Nacional 312, o arguido, ora recorrente, abordou a vítima e pediu-lhe a quantia de 20,00€ para comprar gasolina;- Em virtude de a vítima haver negado a solicitação do arguido, ora recorrente, travou o mesmo com ela uma discussão;- Nessa sequência, o arguido, ora recorrente, usando da força física, empurrou a vítima contra o rail de protecção da estrada, fazendo-a embater com a cabeça no solo;- Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, ora recorrente, a vítima sofreu lesões que determinaram a sua morte;- Em acto contínuo, o arguido, ora recorrente, arrastou o corpo da vítima até ao veículo no qual se fazia transportar, de marca Renault, modelo Mégane, com a matrícula LV, abriu a mala e colocou o cadáver no seu interior, levando-o para lugar desconhecido para que não pudesse ser encontrado;- O arguido, ora recorrente, actuou com o propósito concretizado de usar a força física contra a vítima e de lhe causar lesões corporais para lhe retirar a vida, o que quis e conseguiu;- O arguido, ora recorrente, sabia que a sua investida era determinada por um pretexto insignificante e que era dirigida contra a sua mãe, pessoa idosa e incapaz de se defender;- O arguido, ora recorrente, actuou ainda com o desígnio alcançado de esconder o cadáver da vítima para que não seja possível verificar a amplitude da sua conduta;- O arguido, ora recorrente, agiu de forma calculista e insensível com total indiferença pela vida humana e sempre de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, estando ciente que essa sua conduta, especialmente censurável e perversa, era proibida e punida por Lei”.
O recorrente, nas suas conclusões de recurso, mais não faz do que acolher-se à argumentação do acórdão que o absolveu, nomeadamente à parte em que ali se decidiu que a variada prova acabada de referir não podia ser valorada pelo Tribunal do julgamento, sejam as conversas informais, seja a reconstituição do facto. Registamos apenas com alguma surpresa um passo dessa argumentação, quando se escreve que “acresce que tais declarações haviam sido logo desmentidas pelo A., que as justificou pelo medo com que estava da situação em que se encontrava”. Não sabemos a que é que o Tribunal se refere, pois como vimos, no primeiro interrogatório, logo a seguir a toda essa situação que incutiu medo ao arguido, ele optou por não prestar declarações.
Dito isto, não custa reconhecer razão ao recorrente quando diz que não é por ele ter reagido tardiamente à prisão preventiva que se pode concluir que não houve erro grosseiro.
Ou ainda quando diz que não foi absolvido com base na regra in dubio pro reo. Com efeito, da leitura do acórdão absolutório, não resulta que ele tenha sido absolvido com base numa dúvida insanável sobre os factos. O que resulta, isso sim, é que ele foi absolvido porque o Tribunal considerou que a prova que demonstrava a sua culpabilidade não podia ser valorada.
Mas ao contrário do que refere o recorrente, não ficou comprovado que o arguido não tenha sido o agente do crime.
Uma coisa é não se terem provado os factos que preenchiam o tipo de crime imputado ao arguido.
Que foi o que aconteceu.
Coisa bem diferente é ter ficado demonstrado que o arguido não cometeu o crime: isto poderia suceder se tivesse ficado provado que foi um terceiro a cometer o crime, ou que, por razões objectivas incontornáveis, o arguido não poderia ter cometido o crime naquele local e naquele momento.
Coisa que não aconteceu, de todo. Como já vimos, o Tribunal Colectivo absolveu o arguido porque considerou, pelas razões que ficaram explicadas no Acórdão, que não podia valorar as provas que apontavam o arguido como autor do crime.
Esse Acórdão transitou em julgado, e é definitivo.
Mas temos de dizer aqui, embora respeitando a argumentação utilizada e que levou à absolvição do arguido, que essa não é a única interpretação possível do quadro legal pertinente.
Havia outra, quanto a nós, mais correcta, a qual teria levado, ou pelo menos poderia ter levado à condenação do arguido pelos crimes pelos quais vinha acusado.
Vamos referir aqui o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 30 de Setembro de 2020 (Relator: Paulo Ferreira da Cunha), que defende solução diversa para uma situação semelhante à destes autos. Estava em causa o regime legal do meio de prova designado “reconstituição do facto”, previsto no art.º 150º do CPP. E afirma-se nesse aresto que, havendo o contributo do arguido nesse meio de prova, a sua participação na diligência não se confunde com a prova por declarações. Afirma-se nesse Acórdão, concretamente, o seguinte: “a jurisprudência assim como a doutrina têm vindo a entender de forma unânime que a reconstituição dos factos constitui prova autónoma, que contém contributos do arguido, mas que não se confunde com a prova por declarações. “A verbalização que suporta o acto de reconstituição não se reconduz ao estrito conceito processual de “declaração”, pois o discurso ou “declaração” produzidos não têm valor autónomo, dado que são instrumentais em relação à recriação do facto” (cfr. acórdão do STJ de 20.04.2006; ST200604, in wwwdgsi.pt). Entende-se, assim, que só poderão ser valorados os factos que resultem da reconstituição e as declarações do arguido indispensáveis à compreensão da reconstituição, sem outra feição que não a explicitação do ocorrido, assim se ficando a conhecer os termos em que decorreu a diligência e o seu resultado. Donde, tudo o que o arguido tenha admitido e que esteja para além do âmbito intrínseco da diligência, excede o âmbito probatório deste meio de prova, não podendo ser valorado. E este meio de prova só não será admissível se não tiver sido validamente adquirido, sendo um dos pressupostos de validade assegurar que não foi utilizado qualquer método proibido de condicionamento da vontade do arguido ou de outro interveniente, “seja por meio de coacção física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciados no art.º 126º do CPP” (cfr. acórdão do STJ de 5.01.2005, relator Cons. Henrique Gaspar, in www.gjsi.pt). Este meio de prova autónomo fica documentado nos autos (art.º 99º, CPP), e por essa via processualmente adquirido, bastando-se a si próprio, a valorar segundo as regras de experiência e a livre apreciação da prova, nos termos do art.º 127º do CPP. Também os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre o modo e os termos em que decorreu a diligência. (…) Tratando-se de prova documentada a mesma pode ser feita valer em audiência de julgamento, mesmo que o arguido opte pelo direito ao silêncio. Esta tem sido a posição jurisprudencial dominante, de valoração da prova documental, ainda que não lida ou examinada em audiência, mostrando-se garantido plenamente o exercício do contraditório, pois os arguidos tiveram oportunidade de se pronunciarem ao longo do processo acerca de tais meios de prova”.
E, mais adiante: “dos autos resulta que o arguido, ora recorrente, se disponibilizou para indicar o percurso percorrido dias antes, e tendo sido devidamente esclarecido dos seus direitos (fls. 78 e 79), prescindiu de defensor em auto por si assinado (cfr. fls. 79 a 81), e acompanhou os Agentes da Polícia Judiciária, conduzindo-os por onde havia circulado dias antes, indicando a estação de abastecimento da … onde foi adquirido o isqueiro e o combustível e vasilhame, assim como o local onde se encontrava o cadáver da vítima, conforme auto de diligência de reconstituição do facto de fls. 90 a 92, donde a alegada omissão de assinatura do arguido nos autos é manifestamente irrelevante”.
E ainda: “o relato de órgãos de polícia criminal sobre afirmações ou contribuições do arguido (v.g. factos, gestos, silêncios, reacções) de que tomaram conhecimento fora do âmbito de diligências de prova (…), bem como no âmbito de actos de investigação e meios de obtenção de prova (v.g. buscas, revistas, exames ao local do crime, reconstituição do crime (…) que tenham autonomia técnico-jurídica constituem depoimento válido e eficaz por se mostrarem alheias à tutela dos arts. 129.º e 357.º do CPP”. (in www.dgsi, relator Santos Cabral). Podemos assim concluir, sem necessidade de mais alongadas considerações, que os depoimentos dos Inspectores da Polícia Judiciária prestados em audiência são válidos, contemplando o contraditório, pelo que nada impedia a sua valoração pelo tribunal, nem a reconstituição se mostra ferida de inconstitucionalidade, não merecendo por isso qualquer censura a decisão recorrida”.
Podemos ainda acrescentar o seguinte: o regime legal da prova de “reconstituição do facto” está previsto no art. 150º CPP, que dispõe no seu nº 1 o seguinte: “1. Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo”.
É uma diligência que não depende da intervenção do arguido, mas também não a exclui, e pela natureza da diligência faz todo o sentido a sua participação. E no caso concreto, o arguido colaborou voluntariamente na mesma.
Este meio de prova só não será admissível se não tiver sido validamente adquirido, sendo um dos pressupostos de validade assegurar que não foi utilizado qualquer método proibido de condicionamento da vontade do arguido ou de outro interveniente, “seja por meio de coacção física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciados no art.º 126º do CPP” (cfr. acórdão do STJ de 5.01.2005, relator Cons. Henrique Gaspar, in www.dgsi.pt).
Como já vimos, o arguido, quando foi levado perante Juíz de Instrução, agora por vezes referido como o “Juiz das garantias e das liberdades”, não se queixou de ter sido coagido a participar na diligência referida, podendo tê-lo feito. Optou por ficar em silêncio.
Em suma, é um meio de prova autónomo que fica documentado nos autos (art. 99º CPP), e por essa via processualmente adquirido, bastando-se a si próprio, a valorar segundo as regras de experiência e a livre apreciação da prova, nos termos do art.º 127º do CPP. E como deveria ser evidente, pode ser valorado mesmo que o arguido mais tarde exerça o seu direito ao silêncio.
Também os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre o modo e os termos em que decorreu a diligência.
Não se pode dizer que assim fique por qualquer forma afectado o princípio do contraditório, pois o arguido teve oportunidade de se pronunciar ao longo do processo acerca de tal meio de prova. E a jurisprudência tem trilhado este caminho, mesmo ao nível da prova pessoal, vindo o STJ mais recentemente a fixar jurisprudência no sentido de que “as declarações para memória futura, prestadas nos termos do art.º 271º do CPP, não têm que ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente utilizável para formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355º e 356º, nº 2, al. a) do mesmo Código” (Ved. acórdão nº 8/2017, in DR nº 224/2017 de 21/11/2017, Serie I).
Mais: a competência para determinar na fase de inquérito a reconstituição do facto pertence ao Ministério Público. O art. 1º, al. b) do CPP define como “Autoridade judiciária” o Juiz, Juiz de instrução e o Ministério Público, cada um relativamente aos autos processuais que cabem na sua competência”.
Por sua vez, a al. c) define “Órgãos de polícia criminal” todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código”.
Acontece que a diligência em causa não está sujeita à competência reservada da autoridade judiciária (nº 2 do art.º 270º, CPP), podendo o Ministério Público delegar competência para o efeito a órgãos de polícia criminal (OPC), dispondo precisamente o nº 1 do mesmo art.º 270º que “O Ministério Público pode conferir a órgãos de polícia criminal o encargo de procederem a quaisquer diligências e investigações relativas ao inquérito”.
Terá sido o que ocorreu nos autos.
Assiste razão à Magistrada Judicial recorrida quando escreve: “ora, ao contrário do que o autor refere, na decisão de manutenção proferida a 02 de Janeiro de 2019, e nas sucessivas decisões que determinaram a manutenção da medida de coacção, a decisão baseou-se numa apreciação fundamentada quanto à subsistência dos pressupostos daquela medida de coacção. Como o próprio autor refere, a senhora juíza “sustentou que os elementos recolhidos entre o momento em que foi aplicada a referida medida de coacção e a presente data não infirmaram os indícios elencados no despacho de aplicação da medida de coacção nem permitem concluir pela necessidade de alteração da medida imposta”. Ou seja, a senhora juíza, ao contrário do que o autor alega, não desconsiderou em absoluto as informações periciais constantes dos autos ou outros elementos probatórios, apenas considerou que nada de relevante traziam aos autos, que levasse a que devesse ser alterada a medida de coacção. Efectivamente, o facto de não ter sido encontrado sangue ou ADN da vítima na viatura ou roupas do arguido, não significa que percam validade os demais indícios que existiam nos autos e que levaram à aplicação da prisão preventiva, sendo certo que tal facto também não infirma os tais indícios”.
E, para terminar, vamos citar o Acórdão do STJ de 22.1.2008 (Revista n.º 2381/07 - 1.ª Secção - Moreira Alves (Relator), cuja doutrina se pode aplicar ao caso destes autos, no qual se pode ler: “a decisão do acórdão da Relação que anulou o primeiro julgamento, ou a decisão final que na sequência daquele absolveu o ora autor e então arguido do crime que lhe vinha imputado, não vincula este Tribunal quando se trata de saber se estão ou não reunidos os pressupostos de que depende a atribuição ao autor da indemnização por ele peticionada ao Estado. Não existindo prisão manifestamente ilegal, pois à data em que foi decretada e mantida a prisão preventiva estavam presentes os requisitos gerais exigidos pelo art. 204.º do CPP, nem prisão injustificada por erro grosseiro, já que os fundamentos do acórdão absolutório da Relação – ilegalidade na obtenção da prova - não são pacíficos, não tem o autor direito à peticionada indemnização”.
Aqui chegados, estamos em condições de concluir pela total improcedência do recurso."
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