"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



02/01/2024

Jurisprudência 2023 (77)


Recurso ordinário;
inadmissibilidade; impugnação


1. O sumário de RL 27/4/2023 (2933/20.9T8LSB-A.L1-8) é o seguinte:

I - Não constituindo objecto da reclamação, deduzida ao abrigo do art.º 643º do NCPC, o conhecimento da nulidade da decisão proferida pelo tribunal “a quo”, não existe qualquer omissão de pronúncia no acórdão que se limitou a decidir sobre a inadmissibilidade do recurso interposto daquela mesma decisão.

II - O acórdão do tribunal da Relação que se pronuncia em conferência sobre a admissibilidade do recurso de apelação, no âmbito do incidente de reclamação do despacho do juiz da 1ª instância que não admitiu o recurso interposto (art.ºs 643º, nº 4, 2ª parte, e 652º, nº 3, do NCPC), julga em definitivo a questão da inadmissibilidade ou da subida do recurso de apelação (únicos resultados decisórios admitidos pelo art.º 643º, nº 4, 1ª parte, do NCPC) e é insusceptível de qualquer outra impugnação.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Decorre do acima exposto que a autora veio apresentar recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal da Justiça, nos termos previstos no art.º 672º, nº 1, al. a), do NCPC, do acórdão proferido nestes autos, em 31.01.2023.

Tal acórdão, proferido em conferência, confirma o despacho singular da aqui relatora de não admissão do recurso de apelação, em sede de incidente de reclamação do despacho do juiz de 1ª instância que rejeitou esse mesmo recurso de apelação.

Ora, atenta a natureza da decisão ali proferida afigura-se-nos evidente que a mesma não é susceptível de recurso.

Na verdade, e como muito bem se decidiu, em situação idêntica à dos autos, no ac. do STJ de 17.11.2021, relatado por Ricardo Costa e disponível in www.dgsi.pt “O acórdão do tribunal da Relação que se pronuncia em conferência sobre a admissibilidade do recurso de apelação, no âmbito do incidente de reclamação do despacho do juiz da 1.ª instância que não admitiu o recurso interposto (art.ºs 643.º, n.º 4, 2.ª parte, e 652.º, n.º 3, do CPC), julga em definitivo a questão da inadmissibilidade ou da subida do recurso de apelação (únicos resultados decisórios admitidos pelo art.º 643.º, n.º 4, 1.ª parte, do CPC).”.

Com efeito, tal é o entendimento que vem sendo adoptado pelo Supremo Tribunal de Justiça em vários arestos e com o qual não podemos deixar de concordar.

Com relevo para o que acabamos de dizer, pode ler-se no citado acórdão do STJ de 17.11.2021 o seguinte (desde já nos penitenciando pela extensa, mas esclarecedora citação):

«Um acórdão da Relação que confirma a decisão da 1.ª instância e do Relator em 2.ª instância, ligados pelo resultado decisório comum de rejeição do recurso de apelação dessa decisão de 1.ª instância, segue a disciplina e a lógica do regime do incidente de reclamação, estabelecido no art.º 643º do CPC, assim como os seus desfechos possíveis e excludentes: “ou o recurso é admitido e o relator requisita o processo ao tribunal recorrido; ou o despacho de não recebimento de recurso é mantido e[,] então, o processo incidental é remetido ao tribunal reclamado, para o processo prosseguir aí os seus termos” [ac. do STJ de 24/10/2013, processo n.º 7678/11.8TBCSC-A.L1.S1, Rel. OLIVEIRA VASCONCELOS, in www.dgsi.pt]. (…)

Uma vez proferido tal acórdão, a decisão recorrida não pode ser enquadrada em qualquer das situações previstas para a revista, normal ou excepcional, tal como previstas nos art.ºs 671º, 1, 2, e 672º, 1 e 2, do CPC.

O STJ, em Decisão Singular de 12/2/2018 (art.º 652º, 1, h), ex vi art.º 679º, CPC) [Processo n.º 181/95.7TMSTB-E-E1.S2, Rel. ANA PAULA BOULAROT, in www.dgsi.pt.], asseverou tal conclusão, com clareza e argumentação plural que merecem concordância, uma vez que a recorribilidade nos termos gerais prevista nesse normativo – com especial atendibilidade do art.º 671º, 1 e 2, do CPC – não pode ser de todo e aqui admitida. (…)

“Ora, não sendo possível a Revista, por o Tribunal da Relação não ter admitido o recurso interposto, o Acórdão produzido em Conferência não se afigura impugnável, nos termos do artigo 671º, nº1 do CPCivil, por o mesmo não ter conhecido do mérito da causa.

De outra banda, também se não verifica qualquer das situações a que se referem as várias alíneas do nº 2 do artigo 671º, do CPCivil, já que não estamos perante uma decisão interlocutória, de estrita natureza incidental e que verse unicamente sobre a relação processual, mas antes face a uma decisão final proferida no âmbito de procedimento de reclamação.”

Estas mesmas razões foram sufragadas pelos recentes Acs. do STJ (nomeadamente desta Secção), de 19/12/2019 [Processo nº 2589/17.6T8VCT-A.G1-A-S1, Rel. MARIA DA GRAÇA TRIGO, in www.dgsi.pt], 19/5/2020 [Processo n.º 361/04.2TBSCD-S.C1.S1, Rel. MARIA DA ASSUNÇÃO RAIMUNDO, in https://jurisprudencia.csm.org.pt], 13/10/2020 [Processo n.º 4044/18.8T8STS-B.P1, Rel. GRAÇA AMARAL, in www.dgsi.pt4], 26/1/2021 [Processo n.º 19477/16.6T8SNT-B.L1.S1, Rel. MARIA OLINDA GARCIA, in www.dgsi.pt.] e de 28/4/2021 [Processo n.º 206/14.5T8OLH-W.E1.S1, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt].

Julgaram consensualmente que, consistindo o presente objecto recursivo, exclusivamente, na reapreciação do acórdão da Relação de confirmação do despacho singular de não admissão do recurso de apelação, tal objecto está manifestamente excluído de pronúncia nesta sede, nomeadamente por via do art.º 671º, 1, do CPC – e muito menos por via do art.º 672º, pois de revista ainda se trata, ainda que na modalidade excepcional para a dupla conformidade das decisões das instâncias, que aqui não se discute: não é de nenhum acórdão da Relação que reaprecie a decisão de 1.ª instância que se interpõe revista –, ao qual se pudesse chegar por via do art.º 652º, 5, b), do mesmo CPC, justamente por, independentemente das razões que fundaram a decisão do acórdão recorrido, assumir o carácter jusprocessual da definitividade decisória.

Em suma, como se concluiu no Acórdão do STJ de 10/11/2020 [Processo n.º 2657/15.9T8LSB-S.L1-A.S1, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt]:

(i) o incidente da reclamação prevista no artigo 643.º do CPC apresenta-se como um expediente de impugnação que versa sobre a não admissão de recurso e visa em exclusivo o efeito adjectivo-processual de modificação pelo tribunal ad quem do despacho de não admissão do recurso pelo tribunal a quo; uma vez proferido acórdão em Conferência, por efeito de nova reclamação da decisão do Relator que confirmara o despacho de 1.ª instância de não admissão do recurso de apelação, de acordo com o previsto nos art.ºs 643º, 4, 2.ª parte, e 652º, 3, do CPC, estamos perante decisão definitiva e insusceptível de qualquer outra impugnação; na medida em que também concorre para esta conclusão;

(ii) a esta decisão inserida no incidente de reclamação e tomada a final em Conferência não se aplica a previsão do art.º 652º, 5, b), do CPC («recorrer nos termos gerais»), enquanto faculdade de recurso de revista permitida nos termos gerais do art.º 671º para as decisões proferidas no âmbito do art.º 652º, 3, do CPC, pois nem estamos perante o elenco de decisões da Relação abrangidas pelo n.º 1 – em particular, às que se referem como colocando nesse campo «termo ao processo» [Concordante, ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art.º 671º, nt. 507 – pág. 353.] –, nem sequer perante uma decisão da Relação que aprecie decisão interlocutória proferida pela 1.ª instância que incida exclusivamente sobre a relação processual (como parece ter sido a base da pretensão dos Reclamantes) – antes uma decisão final e definitiva de 2.ª instância no âmbito restrito do incidente de Reclamação.”» [...].

Posto isto, e vertendo para o caso em apreço todas as considerações acabadas de expor, não podemos deixar de concluir que o recurso de revista excepcional interposto pela autora não é admissível, dado que o acórdão proferido nestes autos, em 31.03.2023 não é impugnável, quer por via de recurso de revista normal, quer por via de recurso de revista excepcional.

Diga-se, ainda, que a circunstância de o fundamento do recurso consistir igualmente numa nulidade e também por omissão de pronúncia, não torna a decisão recorrível. Com efeito, no caso, se a decisão em causa não é susceptível de recurso ordinário ou extraordinário, está igualmente vedado à autora suscitar as ditas nulidades, por via de tal forma recursiva."

[MTS]