Ampliação do pedido;
admissibilidade; consequências
I. O sumário de RG 20/4/2023 (1342/21.7T8VCT.G2) é o seguinte:
1 - Admitida a ampliação do pedido, em recurso que apenas baixou já depois de proferida a sentença final, terá que reabrir-se a audiência para apreciação dos novos factos ali contidos.
2 – Sendo a ampliação desenvolvimento do pedido primitivo, deve ser considerada toda a prova indicada pelas partes, seja documental, testemunhal ou outra, mesmo apresentada em momento anterior àquele em que é pedida essa ampliação, independentemente de ter sido indicada e/ou renovada a sua indicação no requerimento de ampliação.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Torna-se desnecessário transcrever os factos considerados provados e não provados na decisão sob recurso, uma vez que eles nada têm a ver com a matéria de facto objeto da ampliação do pedido.
Na decisão objeto de recurso considerou-se, estranhamente, os factos já assentes na primeira sentença proferida nos autos, por “esta já ter transitado em julgado”, uma vez que foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação.
Ora, o que está em causa, a partir do momento em que, por Acórdão desta Relação, se revogou o despacho que havia indeferido a ampliação do pedido e se admitiu essa mesma ampliação do pedido, “com as necessárias consequências a nível da tramitação dos autos”, obviamente que não podem ser os factos considerados na sentença proferida antes desta admissão da ampliação do pedido, porque nessa sentença tais factos, consubstanciadores da ampliação do pedido, não foram considerados (nem provados nem não provados).
A sentença ora em recurso é, portanto, nula, por ausência completa de fundamentação de facto – artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC – bem como por obscuridade que a torna ininteligível – alínea c) do mesmo artigo – pois, não pode concluir-se que o pedido não tem suporte nos factos apurados, quando não foram considerados os factos constantes da ampliação, mas apenas os que já constavam da primeira sentença, quando não se havia admitido a ampliação.
Não pode dizer-se, como a Sra. Juíza sustenta no seu despacho final, que a pretensão de ampliação do pedido não teve qualquer suporte factual e que nada foi alegado para justificar a pretendida ampliação, uma vez que tal questão ficou decidida no Acórdão por nós proferido que admitiu a ampliação do pedido e ordenou a prossecução dos autos, com a tramitação necessária.
Como se salienta no referido Acórdão, “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”, numa clara exceção ao princípio da estabilidade da instância, consagrado no artigo 260.º do CPC”.
Remete-se para o Acórdão proferido a explicação doutrinal e jurisprudencial para, a final se concluir que “No caso dos autos, sendo a causa de pedir o direito de propriedade do autor, dos bens cuja restituição reivindica da ré, bens esses de que se disponibilizou uma lista inicial que, posteriormente se pretendeu completar com o requerimento de ampliação do pedido, justificando tal requerimento com o lapso do anterior mandatário, que não incluiu tais bens na lista inicial, entendemos, ao contrário do decidido em 1.ª instância, que ocorre uma ampliação do pedido em função do surgimento de segunda lista de bens do autor que se encontram na posse da ré (por referência à mesma causa de pedir, que é o direito de propriedade do autor de bens que se encontram a ser detidos pela ré e que aquele reivindica). E, assim sendo, a ampliação requerida não envolve qualquer alteração da causa de pedir, e é um mero desenvolvimento do pedido primitivo, pois apenas se acrescentam novos bens, que se integram no mesmo complexo de factos, estando virtualmente contida no pedido inicial, caso em que a ampliação sempre seria de admitir”.
Ora, admitida a ampliação do pedido, teria que reabrir-se a audiência para apreciação dos novos factos aí contidos, devendo considerar-se, não só a prova oferecida com o requerimento de ampliação, como a prova oferecida inicialmente, uma vez que, como vimos, a ampliação do pedido, relativamente a dois bens que não foram inicialmente incluídos na lista de bens reivindicados, é feita por referência à mesma causa de pedir, que é o direito de propriedade do autor relativo a bens que se encontram a ser detidos pela ré (não se podendo, por isso, dizer que não há factos que os sustentem, porque os factos são os alegados na petição inicial relativamente a todos os outros bens, mas agora, por virtude da ampliação, devendo considerar-se, também, relativamente a estes dois bens não incluídos inicialmente). Ou seja, importa averiguar se estes dois bens fazem parte daqueles que são propriedade do autor e que, pelos motivos indicados na petição inicial, estão na posse da ré, que não os devolve.
O pedido formulado é o mesmo, quer inicialmente, quer na ampliação – no caso, condenação da ré a reconhecer o direito de propriedade do autor sobre esses bens e a restituí-los – sendo que o facto de serem diversos os bens, não lhes retira a natureza de serem bens que o autor levou para a casa da ré e que esta se recusa a entregar.
Daí que, como bem se conclui no Acórdão da Relação de Lisboa de 02/06/2020, processo n.º 1121/13.5TVLSB-D.L1-7 (Dina Monteiro), in www.dgsi.pt:
“Tendo a A. ampliado o pedido inicialmente apresentada – através do articulado superveniente junto em Audiência Prévia -, ampliação que é o desenvolvimento do pedido primitivo, deve ser considerada toda a prova indicada pelas partes, seja documental, testemunhal ou outra, apresentada em momento anterior àquele em que é pedida essa ampliação, independentemente de ter sido indicada e/ou renovada a sua indicação neste requerimento. No caso, não se trata aqui de prostergar a aplicação do disposto no artigo 588.º, n.º 5, do Código de Processo Civil Revisto, mas sim, de considerar que, estando em face de uma ampliação do pedido inicial, que mantém a sua natureza intrínseca na ampliação do pedido deduzido – obras e custos das mesmas -, a prova testemunhal inicialmente apresentada para esse efeito deve ser considerada e admitida como meio de prova para essa ampliação do pedido inicial”.
O que não pode é dizer-se que a sentença transitou em julgado e que, por isso, os factos a considerar são aqueles que aí ficaram assentes, quando em tal sentença não foi considerada a ampliação do pedido nem os factos que a sustentaram. A decisão proferida sobre a ampliação do pedido, com base em factos que não a consideraram, sofre de falta de fundamentação de facto e de obscuridade, uma vez que não pode concluir-se que o autor não fez prova, quando não lhe foi dada a oportunidade de o fazer, nem se fundamentou a improcedência do pedido em qualquer facto que se tivesse considerado não provado.
Do que fica dito resulta a procedência da apelação, sendo que, para dar integral cumprimento ao Acórdão por nós proferido a 26 de maio de 2022, que admitiu a ampliação do pedido, terá a audiência que ser reaberta e dada oportunidade às partes de produzirem prova – a que foi junta com o requerimento de ampliação e a que constava dos articulados iniciais – relativamente aos dois bens incluídos na ampliação, passando a decisão quanto aos mesmos a fazer parte integrante da sentença."
[MTS]