Processo executivo; documento particular;
embargos de executado; suspensão da execução
1 - Considerando que o legislador pretendeu que a suspensão da execução, em consequência do recebimento dos embargos de executado, constitua uma situação excecional e não a regra, é de colocar uma particular exigência na admissibilidade da suspensão da execução com fundamento nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 733º do CPC.
2 – No caso da alínea b), não juntando os embargantes qualquer documento que constitua princípio de prova, designadamente por ser possível constatar diferenças significativas entre as assinaturas, não pode o juiz, sem que seja prestada caução, determinar a suspensão da execução fundada em documento particular.
3 – Ainda que tais documentos fossem juntos, para que seja decretada a suspensão da execução, ao abrigo deste normativo, é necessário que o julgador, após análise sumária dos documentos em confronto e da ponderação dos demais elementos existentes no processo, se convença da probabilidade séria do título dado à execução não ter sido subscrito pelo executado.
4 – Se tiver sido impugnada a exigibilidade ou liquidação da obrigação exequenda, é necessário que o embargante suporte a alegação numa versão factual verosímil, conforme às regras da experiência, apresentando logo meios de prova com forte valor probatório, sob pena de não se poder afastar a regra de que a suspensão da execução apenas se pode obter mediante a prévia prestação de caução.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"No seu requerimento de oposição à execução mediante embargos de executado, os embargantes solicitaram a suspensão da execução nos termos do artigo 733.º, n.º 1, alínea b) do CPC e, convidado o exequente, pelo Tribunal, a pronunciar-se sobre tal pedido, declarou que não concorda com tal e requereu a realização de perícia à letra e assinatura do executado constante dos cinco contratos de mútuo juntos como título executivo.
Nos termos do disposto no artigo 733.º, n.º 1, alínea b) do CPC, “O recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução se, tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respetiva assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução”.
No caso dos autos, estamos perante execução fundada em documentos particulares – cinco contratos de mútuo – e o embargante impugnou a genuinidade da respetiva assinatura. Contudo, não apresentou qualquer documento que constitua princípio de prova, juntando apenas a procuração com assinatura efetuada recentemente, para conferir poderes de representação nestes autos.
Ora, não juntando os embargantes qualquer documento que constitua princípio de prova, designadamente por ser possível constatar diferenças significativas entre as assinaturas, não pode o juiz, sem que seja prestada caução, determinar a suspensão da execução fundada em documento particular.
A aferição do preenchimento destes requisitos é deixada “em larga escala, ao critério do juiz, no confronto com os elementos, sempre diferenciados, a que possa aceder e dos argumentos que sejam apresentados por ambas as partes. Decidirá em função da análise sumária dos documentos e da ponderação dos demais elementos existentes no processo, declarando a suspensão sempre que se convença da probabilidade séria de que o título dado à execução não terá sido subscrito pelo executado, designadamente por existirem elementos que indiciem uma situação de burla ou que a assinatura do executado não encontra correspondência com a que consta de um documento autêntico” – Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, CPC Anotado, vol. II, pág. 93.
Certo que, para efeitos de ser decretada a suspensão da execução, é ao embargante que compete a prova indiciária de que a assinatura constante do título executivo não é do devedor, constituindo princípio de prova a comparação da assinatura constante do título dado à execução com a assinatura do devedor constante de um qualquer documento autêntico, atenta a presunção da sua genuinidade estabelecida no art. 370.° do Código Civil – cfr. neste sentido, Acórdão desta Relação de Guimarães, de 27/11/2002, processo n.º 658/02, in www.dgsi.pt.
Ora, no caso dos autos, como vimos já, não há nenhum documento que constitua princípio de prova a partir do qual o juiz se possa convencer que o título dado à execução não terá sido subscrito pelo executado, pelo que bem andou ao não decretar a requerida suspensão.
Vêm, agora, os apelantes, em sede de recurso, aludir à alínea c) daquele artigo 733.º, n.º 1 do CPC, onde se estabelece que o recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução se tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.
Em primeiro lugar, deve dizer-se que na oposição à execução mediante embargos, os ora apelantes não colocaram esta questão.
Acresce que os fundamentos da própria oposição se prendem com a ineptidão da petição inicial por não constar da mesma a natureza, origem ou causa da dívida, sendo ainda invocada a ilegitimidade da executada mulher e a inexistência do título executivo por os documentos que servem de base à execução serem cópias certificadas e não os originais, não estando posta em causa a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda.
Conforme referem Abrantes Geraldes e outros, in obra citada, pág. 93, a razão de ser desta alínea prende-se com a certificação das condições de procedência, ou seja, “havendo alguma divergência séria em torno da exigibilidade da obrigação ou do montante da quantia exequenda, o prosseguimento da execução sem a certificação dessas condições de procedência, é suscetível de expor o executado a um risco significativo, justificando, em face das concretas circunstâncias, a suspensão da instância executiva”. Exige-se, no entanto, que o embargante suporte a alegação numa versão factual verosímil, conforme às regras da experiência, apresentando logo meios de prova com forte valor probatório, sob pena de não se poder afastar a regra de que a suspensão da execução apenas se pode obter mediante a prévia prestação de caução.
Ora, nada disso acontece nos presentes autos, em que os fundamentos da oposição são de caráter marcadamente formal – ineptidão, ilegitimidade – e o único elemento de prova junto é uma carta enviada pela advogada ao exequente.
Veja-se que, no que diz respeito à impugnação da exigibilidade da obrigação exequenda, prevista no artigo 733º, n.º 1, al. c), do CPC, haverá que ter presente o estatuído no artigo 713º do mesmo diploma, a propósito dos requisitos da obrigação exequenda, no qual se refere que ela deve ser certa, exigível e líquida, em face do título executivo. A obrigação que se pretende executar tem de ser exigível, isto é, tem de estar vencida (mas, obviamente, ainda não cumprida). Sempre que a obrigação preencha este requisito o credor pode promover a execução, a fim de lograr a satisfação coativa do seu direito.
Como decorre do requerimento executivo, o executado foi interpelado para pagar, não tendo liquidado qualquer valor.
Ora, advertindo para as “redobradas cautelas” a ter na aplicação do invocado fundamento de suspensão da execução, Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, citados no Acórdão da Relação de Guimarães de 15/12/2022, processo n.º 31/22.0T8VNC-C.G1 (Alcides Rodrigues), in www.dgsi.pt, salientam que não se deverá perder de vista que o legislador pretendeu que a suspensão da execução, em consequência do recebimento dos embargos de executado, constitua uma situação excecional e não a regra. Daí ter de haver também uma particular exigência na admissibilidade da suspensão da execução com fundamento na al. c) do n.º 1 do artigo 733º do CPC.
E esse vem sendo o entendimento da jurisprudência.
Veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 05/05/2015 (relator Manuel Capelo), in www.dgsi.pt, «[d]eixando o art. 733º, nº1, al.c) do CPC ao critério do juiz a consideração de entender ou não como justificado suspender a execução sem prestação de caução, em face da regra restritiva que é a de os embargos não suspenderem a execução (a não ser mediante caução), não bastará a impugnação da existência, validade, vencimento, liquidez ou exigibilidade da prestação exequenda para obter a suspensão sem caução, exigindo-se que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, nesse momento liminar do recebimento dos embargos, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da ação executiva».
No mesmo sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 2/07/2015 (relator Aristides Rodrigues de Almeida), in www.dgsi.pt, no qual se decidiu que «[p]ara obter a suspensão da execução sem prestar caução não basta ao embargante impugnar a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, sendo ainda necessário alegar circunstâncias em função das quais se possa concluir que se justifica excecionalmente o afastamento da regra de a suspensão depender da prestação de caução».
Ainda no mesmo sentido, como se explicitou no Acórdão da Relação de Coimbra de 13/11/2018 (relator Fonte Ramos), in www.dgsi.pt., «[q]uando nos embargos o executado impugna a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda a conclusão de que se justifica a suspensão sem prestação de caução há-de exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento».
Finalmente, no mesmo sentido, vejam-se os Acórdãos desta Relação de Guimarães de 14/10/2021 (relator José Cravo) e de 24.2.2022 (relator Maria dos Anjos Melo Nogueira), in www.dgsi.pt., especificando-se neste último aresto que «[j]ustificar-se-á, pois, suspender a execução (trazendo justo equilíbrio à relação de interesses opostos e conflituantes), ao abrigo da alínea c), do n.º 1 do art. 733.º do CPC, quando os elementos carreados aos autos (conjugando os que constem do processo executivo com os carreados aos embargos) permitam concluir (num juízo forçosamente sumário e não definitivo – prévio ao que a contraditoriedade da audiência permitirá formular a final), pela consistência da argumentação, ou seja, quando os elementos existentes nos autos imponham concluir estar abalada (pelo menos consistentemente questionada) a exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda».
Claro que, na decisão a proferir está arredada a formulação de qualquer juízo sobre a bondade do mérito (ou falta dele) dos embargos de executado e do seu eventual ou provável sucesso, daí que nos absteremos de quaisquer desenvolvimentos sobre essa matéria (decisões de mérito, aliás, vieram já a ser tomadas em sede de despacho saneador nos embargos de executado, conforme nos foi dado observar pela consulta do processo respetivo no CITIUS).
Assim, considerando que o legislador pretendeu que a suspensão da execução, em consequência do recebimento dos embargos de executado, constitua uma situação excecional e não a regra, é de colocar uma particular exigência na admissibilidade da suspensão da execução com fundamento, tanto na al. b), como na alínea c) do n.º 1 do artigo 733º do CPC e, em face do que fica dito, entendemos que foi correta a decisão proferida em 1.ª instância, que, assim, deverá ser mantida."
[MTS]
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