"3. Motivação [...]
iii)- Saber se foi violado o principio contido no art.º 411.º, do C.P.C., inquisitório.
Antes demais diremos algo a respeito de tal matéria.
Sob a epígrafe “Princípio do inquisitório”, preceitua o citado artigo 411.º do Código de Processo Civil: «Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.».
Este princípio, no seu sentido restrito, adquire plena eficácia na fase da instrução do processo, uma vez que o tribunal não está limitado aos elementos probatórios apresentados pelas partes, tendo o poder-dever de procura da verdade material, dentro do âmbito limitado pelo objeto do processo (cfr . Cfr. Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, Elementos de Direito Processual Civil - Teoria Geral – Princípios - Pressupostos, 2ª ed., 2018, UCEP, pp. 151).
Outorga-se ao juiz um poder para garantir que este reúna toda a prova necessária à formação completa e esclarecida da sua convicção (cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, Almedina, p. 273).
Os poderes probatórios do juiz são-lhe conferidos pela lei processual tendo em vista uma finalidade concreta que o art. 411º do CPC refere expressamente: o apuramento da verdade e a justa composição do litígio.
Por outras palavras, o juiz deverá providenciar pela obtenção da prova necessária à formação da sua convicção quanto aos factos que lhe é lícito conhecer e que possam ter utilidade para a solução da controvérsia suscitada no processo (cfr. Cfr. Nuno Lemos Jorge, Os problemas instrutórios do juiz: alguns problemas, Julgar, n.º 3, Setembro/dezembro 2007, Coimbra Editora, p. 65.).
O mesmo é dizer que o princípio do inquisitório onera o juiz com um poder vinculado ou um poder-dever, que não um poder discricionário (cfr. Cfr. Luís Lameiras, “O princípio do Inquisitório: um poder-dever ou um poder discricionário do juiz?”, II Colóquio de Processo Civil, 2016, Almedina, p. 30.).
Por assim ser, a partir do momento em que se aperceba de que a realização de certa diligência probatória é necessária para o apuramento da verdade e a justa composição do litígio, o juiz não tem o poder discricionário de a ordenar ou não; está, sim, vinculado à prática do ato (cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, 2014, Almedina, p. 363 e Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., Almedina, 2017, p. 32).
O referido princípio aponta para uma conceção do processo em que a investigação da verdade material é também da responsabilidade do juiz, constituindo, dessa forma, uma compressão ao princípio do dispositivo (cfr. Cfr. Rita Lobo Xavier e Outros, obra citada, pp. 151).
A definição do dever funcional do juiz emergente da norma processual convocada, como “poder-dever” subordinado ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, vem sendo sistematicamente afirmada na jurisprudência, apenas com os limites que se sintetizam no sumário do acórdão da Relação de Guimarães, de 14.05.2020, proc.º n.º 659/18.2T8GMR-A.G1, relatado por Alcides Rodrigues, que parcialmente se transcreve: «I- O uso de poderes instrutórios está sujeito aos seguintes requisitos: i) a admissibilidade do meio de prova; ii) a sua manifestação em momento processualmente desadequado; iii) a necessidade da diligência ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; e iv) a prova a produzir incidir sobre factos que é lícito ao juiz conhecer»
O princípio do inquisitório, porém, coexiste com outros igualmente consagrados no nosso CPC, como sejam “os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não poderá ser invocado, para de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, p. 484).
Considerando que sobre as partes continua a incumbir a iniciativa da prova, “o inquisitório deve orientar-se por um padrão mínimo de objetividade, condição para ser exigível que o juiz adopte certa conduta em matéria instrutória. Para isso muito contribuirá o zelo probatório das partes” (cfr. Cfr. Paulo Pimenta, obra citada, p. 372.).
Na verdade, como se explicita no Ac. da RP de 18/11/2013, proc.º n.º 851/10.8TTVFR-B.P1, citado no Ac. da RP de 09-02-2015, proc.º n.º 572/11.4TTPNF-A.C1.P1, relatado João Nunes “esta amplitude de poderes/deveres (…) não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa. Associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso mesmo, aquelas têm interesse direto em cumprir. Até porque, no limite, em sede probatória, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o mesmo aproveita [art. 414º]. Daí que as partes tenham natural interesse em concorrer ativamente no processo de instrução da causa».
E mais adiante acrescenta-se no mesmo aresto: «(…) reconhecendo embora a lei às partes um interesse legítimo na instrução da causa, não lhes permite o exercício desse direito de forma arbitrária. Bem pelo contrário. Condiciona esse exercício a determinados pressupostos, fora dos quais aquele direito pode ficar comprometido. E, neste contexto, não faz sentido que esses pressupostos possam ser contornados por recurso aos poderes/deveres que a lei comete ao juiz em sede instrutória”.
O que significa que o princípio do inquisitório não afasta a auto-responsabilidade das partes quanto à obrigação de indicarem, tempestivamente nos momentos processuais próprios, os meios de prova (cfr. sobre a articulação entre o princípio da autorresponsabilidade das partes e do inquisitório, Ac. da RC de 6/06/2017 (relator Arlindo Oliveira), Ac. da RG de 23/05/2019 (relatora Conceição Sampaio), Ac. da RG de 20/0372018 (João Diogo Rodrigues), Ac. da RL de 6/06/2019 (relatora Laurinda Gemas) e Ac. da RL de 11/07/2019 (relator Luís Filipe Sousa), todos disponíveis in www.dgsi.pt.).
Como refere Lopes do Rego, in Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., Almedina, 2004, p. 533.– a propósito do anterior art. 645º do CPC –, “[o] exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes.
A inquirição por iniciativa do tribunal constitui um poder-dever complementar de investigação oficiosa dos factos, que pressupõe, no mínimo, que foram indicadas provas cuja produção implica a realização de uma audiência» [para o efeito].
No mesmo sentido propugna Lemos Jorge, in Estudo citado, p. 70., que, no que diz respeito à prova testemunhal, a conjugação do disposto no art. 411º (anterior art. 265º, n.º 3), com o preceituado no art. 526º (anterior art. 645º) “mostra que a necessidade de promoção de diligências probatórias pelo juiz deve resultar do normal desenvolvimento da lide. Se foi a própria parte a negligenciar os seus deveres de proposição da prova, não seria razoável impor ao tribunal o suprimento dessa falta”. autor (in Estudo citado, p. 72.) – é que esta logre “convencer o tribunal de que a diligência a promover é absolutamente necessária ao esclarecimento dos factos e que esta necessidade se impõe, por si, desligada da vontade que a parte manifesta na sua realização. Tal vontade é meramente acidental, não deve revelar autonomamente para a decisão do juiz, não sendo requisito ou critério legalmente previsto. O tribunal não deverá providenciar pela realização da diligência sugerida pela parte se: i) entender que a prova já produzida ou requerida é suficientemente esclarecedora; ou ii) não se convencer da especial utilidade da diligência que a parte pretenda que venha a ser promovida”.
Em suma, como sublinha Paulo Pimenta (in obra citada, pp. 372/373 (nota 871) obra citada, pp. 372/373 (nota 871). obra citada, pp. 372/373 (nota 871 obra citada, pp. 372/373 (nota 871) o “equilíbrio do nosso quadro legal resulta da intersecção de das duas dimensões: por um lado, o ónus da iniciativa probatória das partes; por outro, o poder-dever do juiz em sede instrutória. Daqui resulta o seguinte: jamais as partes podem encontrar naquele poder-dever um pretexto para negligenciarem a sua iniciativa probatória; jamais o juiz pode ver naquela iniciativa probatória um alibi para a sua própria inércia. O critério firmado no art. 411º coloca a questão ao nível da necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa composição do litigo. Verificando-se o pressuposto da necessidade, o juiz tem um dever oficial de agir. Não se verificando o pressuposto, inexistirá aquele dever”.
Feitos tais considerandos a respeito do principio em questão, principio do inquisitório, cuja violação é invocada pelo recorrente, quanto a nós, não se verifica.
Na verdade, o Tribunal, como já referimos in supra, procedeu corretamente na gestão processual, nem lhe cabia fazer diligências, como parece apontar o recorrente, quando invoca a violação do principio do inquisitório.
Se algo correu, menos bem, para a recorrente, só a si se pode queixar.
A exequente foi notificada de todos os requerimentos apresentados pela executada, o Tribunal satisfez a sua pretensão, quando esta apresentava requerimentos, neste ou naquele sentido, mormente, quando solicitava prazos (cfr. pontos 1.3 a 1.21).
Tanto assim, que a recorrente em 20/6/2022, apresentou requerimento a solicitar um prazo de 5 (cinco) dias com vista ao exame e consolidação da informação a Prestar, (cfr. ponto 1.17.), que foi deferido (cfr. ponto 1.18.), nunca mais tendo apresentado ou requerido fosse o que fosse.
Assim, o Tribunal, não podia estar eternamente, à espera que a exequente referi-se [sic], fosse o que fosse, tanto mais que a executada apresentou os requerimentos aludidos em 1.19. e 1.20, os quais foram notificados à recorrente.
Assim, pelo exposto, não vemos que assiste razão à recorrente, também nesta vertente."