"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



25/01/2024

Jurisprudência 2023 (94)


Processo de execução; procedimento de injunção;
aposição de fórmula executória; falta de legitimidade


1. O sumário de RE 20/4/2023 (1442/21.3T8ENT-B.E1) é o seguinte:

I – Estando em causa o cumprimento de uma obrigação pecuniária pelo fiador de uma transação comercial celebrada entre empresas, com valor não superior a 15.000,00€, não se verifica a utilização indevida do procedimento de injunção.

II – A mera afirmação da qualidade de executado de um determinado sujeito não basta para afirmar a legitimidade passiva em processo executivo, sendo necessário que a sua qualidade de devedor se surpreenda do exame do próprio título.

III – Não resultando do título executivo a qualidade de devedor do requerido, a aposição neste da fórmula executiva restringe-se à sociedade requerida, sendo o executado fiador parte ilegítima na execução.

IV – Existindo divergência entre a execução instaurada contra o executado e o que consta no título executivo, em cujo segmento certificativo da obrigação o mesmo não figura, uma vez que o pedido no processo de injunção não foi deduzido contra esse executado, nessa parte, a execução não encontra apoio no título, pelo que, a exequente não dispõe de título executivo contra o executado fiador.

V – A falta de título executivo contra este executado não é suprível, é manifesta, e seria motivo de indeferimento liminar parcial do requerimento executivo, nos termos previstos no artigo 726.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, do CPC.

VI – Consequentemente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, o juiz podia conhecer oficiosamente do vício, e determinar a extinção parcial da execução, ao abrigo do disposto no artigo 734.º do CPC.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Defende a apelante, em apertada síntese, que não tendo havido oposição por parte dos executados, nem à injunção, nem à presente execução, nem à penhora nos autos realizada, o tribunal a quo não podia ter conhecido oficiosamente de uma suposta falta de título executivo, determinada pela ilegitimidade processual passiva do requerido no processo de injunção.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 734.º do CPC, “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento.”

Por seu turno, decorre do preceituado no artigo 726.º, n.º 2, do CPC, na parte que importa considerar no caso em presença, que o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: a) seja manifesta a falta ou insuficiência do título; acrescentando o n.º 3 que é admitido o indeferimento liminar parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados. [...]

In casu, o despacho recorrido foi tempestivamente proferido, uma vez que o imóvel penhorado nos autos não foi transmitido, nem o montante do depósito bancário foi entregue à exequente.

Interpretou a Apelante o despacho recorrido, no sentido de que a consideração pelo tribunal a quo de que a exequente não dispunha de título executivo válido contra o executado pessoa singular, foi determinada pela ilegitimidade processual passiva do requerido no processo de injunção.

Não cremos ter sido esse o concreto (ou, pelo menos, o único) fundamento que esteve na mente do julgador.

Com efeito, atento o teor do despacho recorrido, julgamos que a decisão recorrida teve em vista a falta de título executivo por indevida utilização do procedimento de injunção e consequente invalidade do título executivo contra o referido executado.

Apreciando o requerimento de injunção que constitui o título executivo, entendeu o julgador que a ali requerente, ora Apelante, “no que concerne ao executado AA, alegou tão-somente que o mesmo, «intitulando-se representante da Requerida, sempre reconheceu o montante em dívida e garantiu à Requerente que o pagaria com o seu património pessoal, caso a 1ª Requerida assim não o fizesse». É assim por demais evidente estar ausente do requerimento de injunção em apreço qualquer contrato celebrado com o identificado executado pessoa singular que se inscreva na susodita noção de transacção comercial. O mesmo é dizer que a aqui exequente utilizou indevidamente o procedimento de injunção contra o executado pessoa singular, pois não lhe exigiu o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de qualquer transacção comercial celebrada com o mesmo.

Como assim, a exequente não está munida de título executivo válido contra o executado pessoa singular, o que, nessa parte, determina a extinção da execução nos termos das disposições conjugadas dos artigos 551.º, n.º 3, 726.º, n.º 2, alínea a), e 734.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil”.

Apreciando.

De acordo com a noção vertida no artigo 7.º do DL n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação atualmente vigente [---], considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro.

Assim, o artigo 2.º define o seu âmbito de aplicação, pela positiva, no seu n.º 1, onde estabelece que “o presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais”, e pela negativa, prevendo o respetivo n.º 2 que “são excluídos do âmbito de aplicação do presente diploma: a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros”.

Não estando a situação em presença excluída do âmbito de aplicação da providência de injunção, por via da sua integração em qualquer um dos casos previstos nas diversas alíneas do referido n.º 2, mas relembrando o julgador que o aqui exequente indicou expressamente estar em causa obrigação emergente de transação comercial, atenta a menção ao DL 62/2013, de 10.05, concluiu que, não estando em causa na injunção em apreço qualquer contrato celebrado com o executado pessoa singular que se inscreva na noção de transação comercial ínsita no artigo 3.º, alínea b) deste mencionado diploma, a aqui exequente utilizou indevidamente o procedimento de injunção contra o executado.

Sendo certo que o montante peticionado nos autos tem como fundamento o incumprimento do pagamento do valor devido pela prestação de serviços decorrente do contrato celebrado no dia 12.06.2019, entre a 1.ª Requerida e a Requerente, tendo por objeto a mediação imobiliária de um prédio urbano, acordo que se integra de pleno no que deve entender-se por transação comercial à luz do referido artigo 3.º, alínea b), configurando uma transação entre empresas destinada à prestação de serviços contra remuneração, é também evidente que, tendo o requerido, pessoa singular, outorgado esse acordo em representação da sociedade comercial também requerida, o mesmo não é pessoalmente parte nesse contrato.

Acontece que, se bem virmos o teor do requerimento de injunção, não foi nessa qualidade de outorgante do contrato de mediação em representação da sociedade requerida que o mesmo foi demandado na qualidade de requerido – que obviamente não podia ser –, mas sim, porque “garantiu à Requerente que pagaria com o seu património pessoal, caso a 1ª Requerida assim não o fizesse”.

Portanto, é nesta qualidade de garante de uma dívida proveniente de transação comercial que temos de apreciar se o procedimento de injunção podia ou não ser usado contra o fiador garante.

In casu, a resposta não pode deixar de ser positiva.

Com efeito, a singela alegação da requerente do procedimento de injunção relativamente ao requerido, é juridicamente enquadrável num contrato de fiança, garantia especial e pessoal das obrigações, cuja finalidade é precisamente a de assegurar o cumprimento pelo terceiro garante, da obrigação assumida pelo devedor principal perante o credor, se este a não satisfizer, ou seja, “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor” (artigo 627.º, n.º 1, do CC).

E, porque a obrigação do devedor e a do fiador são autónomas, mas têm o mesmo objeto, isto é, o mesmo conteúdo, na medida em que o fiador se obriga a cumprir a obrigação do devedor na sua plenitude, como resulta do artigo 634.º do CC, considerou-se até no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15.06.2021 [Proferido no processo n.º 11952/19.9YIPRT.G1, disponível em www.dgsi.pt, como os demais citados sem menção de outra fonte.], que “sendo os créditos em discussão de natureza comercial e oriundos das relações comerciais entre a autora e 1ª ré, e garantidos pelas fiadoras, 2ª, 3ª e 4ª rés, na sua plenitude, que asseguram o seu cumprimento, é de aplicar o processo previsto no DL. 62/2013 de 10/05, mais concretamente tendo em conta o disposto no artigo 2º n.º 1 e artigo 3º al. a) e b)”.

Porém, ainda que assim não se entenda – designadamente em face do teor literal dos preceitos e por se tratar de transposição da diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que introduziu medidas adicionais para dissuadir os atrasos de pagamentos nas transações comerciais –, a verdade é que, na situação em presença, o valor alegadamente “afiançado” pelo requerido é inferior a 15.000,00€.

Consequentemente, atenta a formulação alternativa do acima mencionado artigo 7.º, considerando-se ainda “injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular”, ou seja, de obrigações pecuniárias de valor não superior a 15.000,00€, temos de concluir que estando em causa o cumprimento de uma obrigação pecuniária pelo fiador, não se verifica a declarada utilização indevida do procedimento de injunção [---].

Não obstante, tal não significa que na concreta situação em apreciação a apelação deva proceder.

Com efeito, pese embora por fundamentos diversos dos convocados pelo julgador, está certa a decisão recorrida quando refere que “a exequente não está munida de título executivo válido contra o executado pessoa singular”.

E a apelante tocou a razão (rectius, uma das razões) pela qual assim devemos concluir, quando se referiu à questão da legitimidade do executado.

Vejamos.

Conforme decorre do artigo 10.º, n.ºs 1, 4 e 5, do CPC, dizem-se «ações executivas» aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida, tendo na sua base a existência de um título executivo pelo qual se determinam o seu fim e os respetivos limites subjetivos e objetivos (artigo 10.º, n.ºs 1, 4 e 5, do CPC), concretizando o artigo 53.º, n.º 1, do CPC – que rege sobre a legitimidade de exequente e executado –, que a execução tem que ser promovida pela pessoa que figure no título como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor, ou por quem suceda na posição ativa e passiva, nos termos prevenidos no artigo 54.º do CPC, que no caso não releva considerar.

Como refere LEBRE DE FREITAS [In A AÇÃO EXECUTIVA À LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2013, 7.ª edição, GESTLEGAL, Coimbra, 2017, pág. 143.] “a legitimidade das partes determina-se, na ação executiva, com muito maior simplicidade do que na ação declarativa.

Enquanto nesta há que indagar da posição das partes em face da pretensão, o que implica averiguar a titularidade, real ou meramente afirmada pelo autor, da relação ou outra situação jurídica material em que ela se funda, e dá por vezes lugar a dificuldades de distinção perante a questão de mérito, na ação executiva a indagação a fazer resolve-se no confronto entre as partes e o título executivo: têm legitimidade como exequente e executado, quem no título figura, respetivamente, como credor e como devedor (art. 53)”. [...]

Portanto, a primeira tarefa cometida ao julgador para determinar a legitimidade do executado na ação executiva é a análise do título dado à execução, com vista a determinar o seu âmbito e alcance subjetivo e objetivo.

Com efeito, o título executivo é “a peça necessária e suficiente à instauração da acção executiva ou, dito de outra forma, pressuposto ou condição geral de qualquer execução. Nulla executio sine titulo” [---]Por isso, o mesmo tem que ser documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia para servir de base ao processo executivo [---]. [...]

In casu, o título executivo é a Injunção n.º 26813/21.1YIPRT, na qual foram identificados como Requerente, a ora Apelante, e como Requeridos, a sociedade comercial Ternuras Urbanas, S.A. e AA, que igualmente constam identificados, respetivamente, como Exequente e Executados, na ação executiva.

Porém, se bem atentarmos na exigência legal, a legitimidade da parte passiva na ação executiva não se basta com a identificação de uma pessoa pelo exequente, na qualidade de executado.

Com efeito, decorre expressamente do disposto nos artigos 10.º, n.º 5, e 53.º, n.º 1, do CPC, que é pelo título que se determinam os limites subjetivos da ação executiva, devendo a execução ser instaurada contra a pessoa que naquele tenha a posição de devedor.

Destarte, cabe primeiramente verificar se o executado pessoa singular figura no título executivo na posição de devedor, qualidade que não se lhe atribui pelo simples facto de ali haver menção ao seu nome (já vimos que o nome do executado, pessoa singular, consta na injunção na qualidade de requerido). Efetivamente, para que possa dizer-se que o executado é parte legítima na execução, neste momento de análise liminar e meramente formal do título, importa que do seu exame decorra que a execução foi instaurada contra a pessoa que no título tem a posição de devedor, porque no caso contrário, ou seja, se do título não resultar a sua qualidade de devedor, então teremos de concluir que o executado é parte ilegítima. [...]

Assim, a mera afirmação da qualidade de executado de um determinado sujeito não basta para afirmar a legitimidade passiva em processo executivo, sendo necessário que a sua qualidade de devedor se surpreenda do exame do próprio título.

O cerne da apreciação do título neste momento liminar, basta-se, pois, com a confirmação pelo julgador de que no título a parte passiva tem a posição de devedor, o que, porém, não se confunde com a indagação de que o sujeito passivo é realmente devedor da exequente.

Com efeito, louvando-nos no afirmado no aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 10.07.2008 [Proferido no processo n.º 08A1057.], “ao interrogarmo-nos sobre se a recorrida tem ou não legitimidade passiva para a execução que lhe foi movida pela recorrente, temos, necessariamente, que averiguar se a mesma consta nos títulos como devedora da exequente, aqui recorrente. Só vendo se lá consta como tal é que poderemos afirmar a sua legitimidade; caso contrário, outra conclusão não pode ser tirada que não seja a da sua ilegitimidade. É, pois, este particular ponto que nos interessa e já não saber se ela é, efectivamente, devedora da exequente”. [...]

Revertendo este enquadramento à concreta situação em apreço, verificamos que, apesar de ter sido identificado como Requerido no requerimento de injunção apresentado pela ora exequente, e de neste ter sido mencionado que “o 2º Requerido, intitulando-se representante da Requerida, sempre reconheceu o montante em dívida e garantiu à Requerente que o pagaria com o seu património pessoal, caso a 1ª Requerida assim não o fizesse”, a verdade é que não foi formulado qualquer pedido contra o mesmo, como cristalinamente decorre do segmento final, onde expressamente se refere que “deverá a Requerida ser condenada a pagar à Requerente a quantia total 7.112,46 €” (…).

Portanto, a fórmula executória aposta neste requerimento de injunção limita-se ao pedido formulado contra a empresa requerida, a real devedora, e não contra o requerido, seu administrador.

Aliás, mal se compreende que o mesmo tenha sido identificado como executado, já que também o próprio requerimento executivo foi desenhado apenas por referência à sociedade comercial executada, sem qualquer menção à existência do devedor subsidiário (supomos, já que nada concretamente se alegou na injunção também a este respeito), relativamente ao qual não foram sequer alegados “os factos de aquisição de um direito ou poder a uma prestação exigível”. Efetivamente, como sintetiza RUI PINTO [---], “a lei exige que o credor demonstre por meio do título a existência da obrigação (reconhecida ou constituída pelo título), nos termos do artigo 703.º, e que a obrigação é exigível, conforme o artigo 713.º, mesmo que o não seja em face do título”.

Na espécie, como a Apelante bem sabe – tanto assim que o afirma na explanação dos fundamentos de facto em que suporta o pedido formulado –, a pessoa singular indicada como requerido, celebrou a transação comercial fundadora da obrigação como “representante da Requerida”. Como assim, o requerido não é devedor principal, pois os atos daquele repercutem-se na esfera jurídica desta, em face da personalidade jurídica que lhe é conferida pelo disposto no artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais, sendo que os titulares das participações sociais, não são responsáveis pelo pagamento das dívidas contraídas pela sociedade comercial, já que, como decorre do preceituado no artigo 601.º do Código Civil [---], pelo cumprimento da obrigação respondem os bens do devedor.

Ademais, a qualidade de devedor do executado, pessoa singular, também não encontra arrimo na mera alegação de que o administrador da sociedade devedora “garantiu à requerente que pagaria com o seu património pessoal”. É certo que os sócios e administradores das sociedades comerciais podem prestar garantias pessoais ou reais, tornando-se solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações sociais. Porém, tanto umas como outras obedecem a requisitos de forma. No caso, como acima referimos, a requerente sustentou a demanda contra o requerido na alegação de um acordo entre ela credora e o terceiro garante da satisfação do seu direito de crédito contra a empresa. Acontece que, em face do disposto no artigo 628.º, n.º 1, do CC, a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal, e, no caso, o contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito, conforme previsto no artigo 16.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, o que nem sequer foi alegado. É certo que in casu, o título dado à execução não foi o contrato de fiança, mas a apresentação da injunção a que foi aposta a fórmula executória.

Porém, do exame do título resulta, final e decisivamente, que no requerimento de injunção a requerente/exequente não formulou qualquer pedido contra este requerido/executado.

Ora, de acordo com o previsto no artigo 10.º, n.º 3, do citado DL 269/98, durante o procedimento de injunção não é permitida a alteração dos elementos constantes do requerimento, designadamente do pedido formulado, pelo que, nem sequer pode haver lugar a qualquer aperfeiçoamento.

Destarte, mesmo na perspetiva de análise da Apelante, não resulta do título executivo a qualidade de devedor do requerido, nem sequer como devedor subsidiário em decorrência da garantia pessoal da obrigação da sociedade devedora, pela simples, mas decisiva razão, de não haver sido formulado contra si qualquer pedido.

Consequentemente, restringindo-se a aposição da fórmula executiva no processo de injunção à requerida, então teremos necessariamente de concluir que o executado AA é parte ilegítima na execução.

Não obstante, defende a Apelante ter título executivo contra o executado pessoa singular, pelo facto de não ter sido por este deduzida oposição, nem à injunção nem ao processo executivo.

Porém, em face do que dispõe o referido artigo 10.º, n.º 5, do CPC, no caso em presença, a exequente também não tem razão quando pretende ter título válido contra o executado, por este motivo.

Com efeito, se bem virmos, a situação de ilegitimidade em presença entrecruza-se com a constatação de que a execução instaurada contra a pessoa singular, não é conforme ao título executivo formado no processo de injunção, porque não há correspondência entre a pretensão deduzida contra o executado e o documento certificativo da existência e extensão, subjetiva e objetiva, da obrigação exequenda.

Efetivamente, decorre da análise atenta do seu conteúdo que o título executivo foi formado apenas contra a requerida, porque o pedido de condenação [---] formulado no processo de injunção só a esta foi dirigido: “deverá a Requerida ser condenada a pagar à Requerente a quantia de 7.112,46”. Aliás, que a ora Apelante bem sabe que quem tem a qualidade de devedora é apenas a sociedade comercial e não a pessoa singular, decorre do próprio teor do requerimento executivo acima transcrito. Basta a sua leitura para se verificar que, apesar de ter instaurado a presente execução também contra o requerido no processo de injunção, este só é mencionado no lugar destinado à identificação do executado, sendo os fundamentos do requerimento e o pedido exclusivamente articulados contra a executada: “Deve, assim, a Executada à Exequente a quantia de 7.112,46€”.

Ora, como ensina ALBERTO DOS REIS [In COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, vol. 1.º, 2.ª edição, COIMBRA EDITORA, 1960, pág. 63.] “É pelo título que se determinam os limites da ação executiva, isto é, a extensão e o conteúdo da obrigação do devedor e consequentemente até onde pode ir a ação do credor.

Podem dar-se várias hipóteses:

1.ª promoveu-se uma execução sem título;

2.ª Promoveu-se uma execução com base num título que não tem força executiva;

3.ª Promoveu-se uma execução que está em desconformidade com o título, ou no tocante ao fim ou no tocante aos limites (…)

O terceiro caso assemelha-se ao primeiro. Desde que a execução não é conforme ao título, na parte em que existe a divergência tudo se passa como se não houvesse título: nessa parte a execução não encontra apoio no título”.

Em retas contas, é o que acontece no caso dos autos. Existindo divergência entre a execução instaurada contra o executado e o que consta no título executivo em cujo segmento certificativo da obrigação o mesmo não figura, uma vez que – repete-se –, o pedido não foi dirigido no processo de injunção contra o ora executado, nessa parte a execução não encontra apoio no título, o mesmo é dizer que a exequente não dispõe de título contra o executado, pessoa singular.

A falta de título executivo contra este executado não é suprível, é manifesta, e seria motivo de indeferimento liminar parcial do requerimento executivo, nos termos previstos no artigo 726.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, do CPC.

Consequentemente, o juiz podia conhecer oficiosamente do vício, e determinar a extinção parcial da execução, ao abrigo do disposto no artigo 734.º do CPC, não merecendo censura o segmento decisório da sentença recorrida na parte em que considerou que “a exequente não está munida de título executivo válido contra o executado pessoa singular, o que, nessa parte, determina a extinção da execução nos termos das disposições conjugadas dos artigos 551.º, n.º 3, 726.º, n.º 2 alínea a), e 734.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.”"

[MTS]