Presunções judiciais;
noção; funcionamento*
1. O sumário de STJ 11/5/2023 (3154/18.6T8GDM.P1.S1) é o seguinte:
I - Sendo o pedido reconvencional em sentido processual autónomo do pedido do autor na ação em caso de recurso devem registar-se quanto a ele as exigências de alçada e sucumbência como requisitos de recorribilidade, razão para que se o valor do pedido reconvencional for inferior ao da alçada da Relação não é admissível recurso de revista.
II - A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no apuramento da observância das regras de direito probatório material sindicando se a decisão recorrida se conformou, ou não, com as normas que regulam tal matéria (direito probatório), constitui matéria de direito, caindo, por isso, na esfera de competência própria e normal do Supremo Tribunal de Justiça.
III - No recurso de revista o conhecimento da decisão de facto em matéria de presunções judiciais é limitada, podendo admitir-se que o STJ apenas pode avaliar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados.
IV - Sendo uma presunção judicial uma ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - art. 349 do CC – não constitui presunção a atividade de convicção que o julgador empreende quando na livre apreciação da prova, designadamente das declarações e testemunhos, fixa como provado um determinado facto. Neste caso, de elementos de prova produzida fixam-se como provados factos, na presunção não é de elementos de prova que se extraem ilações, mas sim de outros factos conhecidos, isto é, provados.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Não se insurgindo a recorrente contra a inobservância do disposto no art. 674 nº3 quanto às exigência por parte da lei certa espécie de prova para a fixação dos factos ou quanto à força probatória de determinado meio de prova, protesta antes quanto ao uso que afirma ter sido feito pela Relação na decisão de presunções que, como se sabe, não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcança do art. 349 do Cód. Civil, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos). Efetivamente a presunção consiste num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência comum - cfr., sobre a noção de prova por presunção Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 214, e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, págs. 500 e 501 - sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art. 351 do CPC). Daí que, face à competência alargada da Relação, em sede da impugnação da decisão de facto (art. 662 n.º 1, do CPC), possa a 2ª instância, com base na prova produzida constante dos autos, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1ª instância, nomeadamente no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do art. 607, aplicável por via do art. 663º, n.º 2, ambos do C.PC. Porém, em sede de recurso de revista, a sindicância sobre a decisão de facto das instâncias em matéria de presunções judiciais é limitada, podendo admitir-se, e não sem controvérsia, que o STJ apenas poderá avaliar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados [...] - vide, entre outros, o acórdão do STJ, de 25/11/2014, proferido no processo n.º 6629/04. 0TBBRG.G1.S1, e o acórdão 24/11/2016, proferido no processo n.º 96/14.8TBSPS.C1.S1, ambos acessíveis dgsi. pt/stj.
No caso, foi julgado como provado na sentença que “16 - Os réus tomaram conhecimento deste contrato [de fornecimento] logo de seguida à outorga do mesmo, pelo menos em data anterior à outorga do contrato promessa.”, e tendo a recorrente impugnado através do recurso de apelação este facto, pretendendo-o fixado como não provado, a sua pretensão foi julgada improcedente mantendo-se inalterado.
Uma imediata observação conduz à conclusão de não se estar perante uma presunção em sentido técnico jurídico, mas sim perante um facto julgado como provado com base nos elementos de prova que foram avaliados mediante a livre apreciação do julgador. É evidente nas alegações/conclusões de revista que aquilo que o a recorrente questiona é a motivação que se sustentou a convicção do(s) julgador(es), bastando verificar que transcreve excertos dessa motivação para tentar justificar que dos elementos probatórios, designadamente das declarações e testemunhos ouvidos em primeira instância e reavaliados na Relação, nunca se poderia dar como provado aquele facto. Todavia, dizer-se que segundo as regras de experiência comum resulta das declarações e testemunhos produzidos em audiência um determinado facto não pode significar, nem significa, que esse mesmo facto assim fixado como provado tenha sido extraído por presunção. Por definição antes enunciada, a presunção identifica-se com ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - art. 349 do CC - não reportando à atividade de convicção que o julgador empreende quando na livre apreciação da prova, designadamente das declarações e testemunhos, fixa como provado um determinado facto. Contrariamente ao que neste caso se realiza e que é certificar factos e realidade de elementos de prova produzida, na presunção não é de elementos de prova que se extraem ilações, mas sim de outros factos conhecidos – no sentido de as presunções não serem meios de prova próprios, mas terem de resultar de factos provados conhecidos veja-se o ac. STJ de 11-4-2019 no proc. 8531/14.9T8LSB.L1.S1 e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora in Manual de Processo Civil, p. 500.
A lei acolhe nesta matéria o carácter dedutivo da presunção, a dependência das máximas da experiência admitindo um certo facto por outro, como se tratasse de um só ou de um único o que torna exigível ter de existir um facto conhecimento concreto e provado sem presunção de onde se extrai um facto desconhecido provável através de uma conexão natural e lógica entre o primeiro e o segundo. A obtenção do segundo facto (o provável) e não do primeiro que tem de ser conhecido, evidencia um raciocínio necessariamente lógico, razoável e seguro em que a presunção funciona como a explicação conclusiva de forma a que se afigure como consistente dizer-se que, se este facto está provado deveremos na extensão dos fundamentos que detém concluir que também, se deve julgar provado este outro que está no desenvolvimento (lógico, razoável e seguro) do evidente, não podendo porém esquecer-se nunca que o facto que serve de ponto de partida é já um facto conhecido ou provado, em que apenas se pretende alcançar um facto desconhecido – vd. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora in Manual de Processo Civil, p. 501e Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil. Reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 215. Também Hélder Martins Leitão considera que as presunções são o resultado da aplicabilidade de máximas da experiência, visto que o julgador, ao partir de um facto provado ou conhecido e ao aplicar as máximas da experiência, conclui a existência de um outro facto, que poderá ser uma mera consequência do facto que serve de base à presunção – in Da Instrução em Processo Civil: das Provas. 4ª edição. Ecla Editora, 1991, p.45. Se as presunções judiciais em que a Relação sustente a sua convicção são extraídas das regras da experiência comum a verdade é que estas regras têm de incidir, sempre, sobre algum ou alguns factos que estejam acessíveis nos que venham a ser julgados provados. Quando não, qualquer facto julgado como provado que para assim ter sido julgado comportasse uma observação das regras de experiência comum sobre as próprias declarações e testemunhos prestados teria sempre de se considerado uma presunção.
Pode argumentar-se que são as regras de experiência comum quando acionadas que identificam o que é ou não é uma presunção e não que essas regras tenham de ser obtidas a partir de factos provados, não podendo retirar-se de elementos de prova de livre apreciação como o são os depoimentos ou testemunhos. Todavia tal argumento soçobra se tivermos presente que impugnar a matéria de facto com base na deficiente convicção do julgador em 1ª instância não é o mesmo que pretender que seja sindicado se o uso de determinada presunção judicial extraída na decisão recorrida ofende qualquer norma legal, se padece de evidente ilogicidade ou se foi extraída de factos não provados. [...] Se não houvesse esta distinção não haveria diferença alguma entre factos provados e presunções e estaria encontrada a possibilidade de ser sempre admitido recurso para o STJ desde que se alegasse (como a recorrente alega) que determinado facto fixado como provado foi obtido com base nas declarações de testemunhas e depoentes e que para o julgador formar a sua convicção se socorreu das regras lógicas de experiência comum. Em verdade nenhum facto que seja julgado provado e resulte de elementos de prova de livre apreciação se obtém a não ser através do socorro das regras da lógica e experiência pois a inexistência de prova plena implica precisamente um juízo de convicção não absoluto que só aquelas regras tornam minimamente lógico, razoável e seguro. Deve perguntar-se até que diferença haveria entre presunções e erro de convicção se ambas significassem o mesmo. É evidente que uma exigência como aquela que decorre da interpretação feita do art. 349 do CC reduz a aplicação da previsão do art. 674 nº3 do CPC para abrigar os recurso com base no protestado erro sobre a presunção extraída pela decisão recorrida, mas isso é precisamente o que corresponde ao sentido dessa previsão quando se afastou o âmbito da presunção como matéria de facto e o configurou como matéria de direito, o que só se respeitará na medida em que o STJ nesse segmento recursivo não seja chamado a apreciar convicções, mas sim juízos lógicos e normativos sobre factos. [...]
Nesta conformidade, porque no caso presente a decisão recorrida não extraiu por presunção qualquer facto provado (de outros provados) devem ser julgadas improcedentes as conclusões de recurso dirigidas quanto ao pedido da autora."
*[Comentário] Salvo o devido respeito, o acórdão -- que tem de se admitir que, quanto à decisão do caso concreto, esteja certo -- não prima pela clareza quanto às presunções judiciais.
Afirma-se no acórdão o seguinte:
"[...] dizer-se que segundo as regras de experiência comum resulta das declarações e testemunhos produzidos em audiência um determinado facto não pode significar, nem significa, que esse mesmo facto assim fixado como provado tenha sido extraído por presunção".
A verdade é que, se se afirma que foram utilizadas regras de experiência, o mais correcto na linguagem técnica é considerar que o facto foi julgado provado através de uma presunção judicial, ou seja, através da sua inferência de um facto provado. Se, por exemplo, uma testemunha afirmar que viu o carro, sem qualquer passageiro a bordo, resvalar pela ribanceira (facto probatório) e se o tribunal concluir que o automóvel não estava devidamente travado (facto probando), pode certamente "dizer-se que, segundo as regras de experiência comum, resulta das declarações e testemunhos produzidos em audiência [...] que esse mesmo facto assim fixado como provado [foi] extraído por presunção".
Também não é muito claro o que, no contexto do acórdão, se pretende significar com a expressão "elementos de prova". De um meio de prova resultam factos provados ou não provados (ou, pelo menos, princípios de prova ou verosimilhanças de factos), não "elementos de prova".
MTS