Pedido reconvencional;
réplica; função
I. O sumário de RG 20/4/2023 (1104/21.1T8PTL-A.G1) é o seguinte:
1) Só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, não podendo a esta opor nova reconvenção;
2) Não podem os autores aproveitar o articulado réplica para extravasar o âmbito da sua defesa, que se limita apenas à matéria da reconvenção e não também da demais contestação;
3) O facto da reconvinte dar como reproduzida a matéria anteriormente alegada na contestação, não legitima a derrogação do regime legal do âmbito da réplica.
II. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"I. Relatório
[...] Foi proferido despacho saneador, onde foi decidido:
“Após notificado da contestação deduzida pela ré, vieram os autores apresentar articulado de resposta.Ora, como resulta do nº 1 do artigo 584º do C.P.Civil só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, não podendo a esta opor nova reconvenção sendo que, nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu.Ou seja, fora dos casos previstos no artigo 584º do C.P.Civil desapareceu o articulado réplica como o articulado normal de resposta às exceções deduzidas na contestação, a não ser que se defenda que é possível que o juiz convide a parte a apresentar um terceiro articulado, ao abrigo do princípio da adequação formal (artigo 547º do C.P.Civil).Não obstante a inexistência de tal articulado, há que conjugar o disposto no artigo 3º, nº 4, com os artigos 572º al. c) e 587º, nº 1 do C.P.Civil, não tendo este último deixado de prever que “A falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu”, seja na audiência prévia, caso haja lugar a esta, seja no início da audiência final, tem o efeito previsto no artigo 574º do mesmo diploma (admissão por acordo dos factos não impugnados), sob pena de os referidos normativos ficarem esvaziados de conteúdo.Por outro lado, dispõe o nº 4 do artigo 3º do mesmo diploma que às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia, ou não havendo lugar a ela, no início da audiência de julgamento.Aliás que a razão pela qual foi estatuído pelo legislador o artigo 3º, nº 4, não pode ser visto apenas como uma faculdade que a parte pode usar ou não, sem que daí decorram quaisquer efeitos cominatórios, antes tem de ser visto como sendo o momento processual que o legislador deferiu à parte para responder às exceções deduzidas com o último articulado, sob pena de se verificarem os efeitos decorrentes da falta do ónus de impugnação.Ora, não sendo a presente ação uma ação de simples apreciação negativa e não tendo a ré se defendido por exceção, mas por impugnação (cfr. nº 2 do artigo 571º do C.P.Civil), pois limita-se, em sede de contestação, a contrariar o alegado pelos autores na petição inicial, não existe fundamento legal para o autor responder, no articulado resposta, à matéria da contestação, como faz.Face a tal inadmissibilidade legal, considera-se como não escritos os artigos 5º e ss. do articulado de resposta apresentado pelos autores.Notifique. [...]
II. Fundamentação
"C) Os apelantes discordam da decisão recorrida na parte em que decidiu considerar como não escritos os artigos 5º e segs. do articulado de resposta apresentado pelos autores, entendendo estes que o despacho recorrido deverá ser substituído por outro que admita o articulado apresentado após a contestação/reconvenção pelos autores/recorrentes como articulado réplica, considerando-se os artigos 5º e seguintes como escritos ou parcialmente escritos, declarando ainda como escritos os artigos 39º e segs.
Vejamos.
Acrescenta no nº 2 que “nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu.”
Ao contrário do que sucedia no Código de Processo Civil de 1939, bem como no Código de Processo Civil de 1961 até ao Decreto-Lei nº 242/85, de 09/07 a réplica tinha sempre lugar no processo ordinário, como um articulado normal, peça essa onde o autor impugnava os factos alegados pelo réu como fundamento das exceções suscitadas, sob pena de, não o fazendo, se terem como provados por admissão (cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, pág. 135 e segs.).
No atual Código de Processo Civil de 2013 (NCPC) a réplica deixou de ser permitida para responder às exceções deduzidas na contestação, salvo no que respeita às ações de simples apreciação negativa, em que a réplica serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu.
Refere Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 2014, a páginas 206 e seg., que a réplica é um articulado eventual que só pode ter lugar nas duas situações previstas no artigo 584º nº 1 e 2 NCPC e servia, no Código de Processo Civil de 1961 (artigo 502º), para o autor responder às exceções deduzidas na contestação, não dispondo agora o autor de articulado próprio para responder às exceções deduzidas, quando o réu se defenda por exceção.
No entanto, sempre fica assegurado ao autor o exercício do contraditório quanto a tal matéria, na audiência prévia, por força do disposto no artigo 3º nº 4 NCPC.
Impugnando a decisão recorrida, entendem os apelantes que a decisão recorrida não foi a mais ajustada e correta, uma vez que a ré deduziu reconvenção e nesta alega factos da contestação, dando-os reproduzidos por remissão.
Apreciando, dir-se-á que não é assim.
Com efeito importa notar que a reconvenção faz parte da contestação, não obstante esta esteja dependente da vontade do réu e da verificação dos pressupostos que a lei impõe que se verifiquem, para poder ser deduzida (artigo 266º NCPC), isto é, a reconvenção é voluntária, mas não é necessária, podendo haver contestação sem reconvenção, mas não há reconvenção sem contestação.
Naturalmente que a reconvenção tem de ser deduzida separadamente na contestação (artigo 583º nº 1 NCPC), embora, como se referiu, faça parte desta, daí que não faça sentido, como por vezes se vê, iniciar a reconvenção afirmando que aí se dá por reproduzido, o que acabou de se ler imediatamente antes, como se se tratasse de matéria que não constasse da mesma peça processual, ou não fosse lícito aproveitar o enquadramento que consta da contestação para se deduzir o pedido reconvencional.
De qualquer forma, independentemente de se referir (ou não), que se dá como reproduzida a matéria alegada na parte inicial da contestação, não podem os autores aproveitar o articulado réplica para extravasar o âmbito da sua defesa, que se limita apenas à matéria da reconvenção e não também da demais contestação, conforme a lei claramente determina e não é uma declaração da ré, na parte da reconvenção, de dar como reproduzida a matéria anteriormente alegada na contestação, que legitima a derrogação do regime legal do âmbito da réplica, dado que a lei o não permite (cfr. artigo 584º NCPC).
Importa ter em atenção que a contestação serve para o réu se defender, pronunciando-se sobre a matéria da petição inicial, defesa essa que pode assumir-se como impugnação, contrariando diretamente a pretensão do autor ou os termos em que é deduzida, ou como exceção, quando essa defesa é indireta.
Pode ainda ocorrer a dedução pelo réu de reconvenção contra o autor, de pedidos, num contra-ataque (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 127), ou num cruzamento de ações (José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, pág. 96).
Assim sendo, o despacho recorrido não violou qualquer das normas jurídicas que os apelantes referem ter violado, antes cumpriu o que se encontra legalmente prescrito, motivo pelo qual se terá de manter a douta decisão recorrida e, em consequência, julgar-se a apelação improcedente."
*3. [Comentário] Uma vez que o acórdão não fornece elementos suficientes, tem de admitir-se que, no caso concreto, a solução está correcta.
Importa, no entanto, chamar a atenção para que não se pode dizer que, na réplica, o autor reconvindo nunca se pode pronunciar sobre matéria alegada pelo réu na contestação. Basta considerar que, se a reconvenção se basear na defesa do réu (isto é, se a causa de pedir da reconvenção for integrada por factos que constam da contestação) (art. 266.º, n.º 2, al. a), CPC), a resposta do autor incide necessariamente sobre esses factos. Por exemplo: se o réu excepcionar a nulidade do contrato celebrado com o autor e, nesta base, pedir, em reconvenção, uma indemnização, nada pode impedir que o autor, na réplica, responda à matéria da excepção.
MTS