"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



05/11/2015

Jurisprudência (224)



Competência material; responsabilidade extracontratual do Estado


1. O sumário de RC 13/10/2015 (834/13.6TBCLD.C1) é o seguinte:

I – Nos termos do art. 4º, nº 1, g) do ETAF, compete à jurisdição administrativa e fiscal conhecer de ação em que os AA pretenderiam exercer o direito à condenação dos RR no ressarcimento dos danos que, alegadamente, sofreram e que radicam nos actos cometidos pelo R. Estado no âmbito da venda forçada em processo de execução fiscal (ao co-réu) de prédio a cujo gozo, inerente a direito ao arrendamento, aqueles se arrogam, bem como na condenação dos RR a abster-se de voltarem a perturbar o mesmo gozo.

II - Não constitui impedimento à atribuição dessa competência facto de terem sido demandados uma pessoa colectiva de direito público e um particular.
 
2. A fundamentação do acórdão contém a seguinte passagem:

"Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, por força do disposto no art. 211º nº 1 da CRP ([...]), e compete aos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, como preceitua o art. 212º nº 3 da CRP e reafirma o art. 1º nº 1 do ETAF (aprovado pela Lei 13/2002 de 19/2 ([...])), que entrou em vigor em 1/1/2004.

Em matéria de responsabilidade civil extracontratual, o art. 4º nº 1 do ETAF concretiza, exemplificativamente, aquele critério erigido com vista à repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais, estatuindo a sua alínea g), com específico relevo para resolução do presente conflito, que compete aos da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa ([...]).

Supondo que o legislador se soube exprimir com clareza e consagrou nas palavras a solução mais acertada, constata-se que o elemento gramatical do preceito, o ponto de partida na interpretação da lei ([...]), aponta para a atribuição à jurisdição administrativa e fiscal de competência para julgar o pedido indemnizatório fundado em responsabilidade extracontratual de pessoa colectiva pública, eliminando-se, até, o critério delimitador da natureza pública ou privada do acto de gestão em que aquele pedido se estriba ([...]).

Deixou, pois, de relevar a distinção entre actos de gestão privada e de gestão pública como resultava do anterior ETAF. É o que explicou o Ac. do T. de Conflitos de 20/2/2008 (P. 019/07 - Santos Monteiro). O mesmo T. de Conflitos, em Ac. de 26/10/2006 (P. 018/06 - António Samagaio), ponderou:

«Nos termos da alínea g), nº 1, do artigo 4º do actual Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, na redacção da Lei nº 107-D/2003, de 31.XII, compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, quer, pois, por actos de gestão pública, (como no ETAF84) quer por actos de gestão privada praticados no exercício da função pública.» ([Debruçando-se sobre matéria ainda com maior aproximação à versada nesta acção, considerou o recente AC. do STJ de 24/2/2015 (1998/12.1TBMGR.C1.S1-Silva Salazar): «São materialmente competentes para conhecer da validade ou não de um contrato de compra e venda decorrente de uma execução fiscal, em que tal venda é forçada e concretizada pela entidade pública exequente, sendo comprador um particular, os tribunais do foro administrativo e tributário».])".
 
MTS