"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/11/2015

Jurisprudência (233)


Competência material; responsabilidade civil de concessionária; 
acidente de viação provocado por animal


1. O sumário de STJ 8/10/2015 (1085/14.8TBCTB-A.C1.S1) é o seguinte:

I – Nos termos da alínea i) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF são da competência dos tribunais administrativos os litígios sobre a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público.

II – Decorre do artigo 1.º, n.º 5, da Lei 67/2007, de 31 de dezembro, que «as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público, (...), por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado e respectivos trabalhadores, (...), por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo».

III – A jurisdição administrativa é competente para conhecer de uma ação, na qual se pede a condenação de uma pessoa coletiva de direito privado concessionária da exploração e conservação de auto-estradas, em determinada quantia indemnizatória, por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de um acidente de viação ocorrido nessa via, provocado pela entrada e permanência de um animal, resultante de omissão de cumprimento de deveres que incumbiam à concessionária nos termos do contrato de concessão.


2. Tem interesse dar a conhecer esta parte da fundamentação do acórdão:

"De acordo com as regras gerais de fixação da competência em razão da matéria, esta é determinada pela forma como o autor configura a ação na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir.

No caso concreto em discussão, os autores, ora recorridos, na petição inicial, basearam o seu pedido nas normas de direito privado relativas à responsabilidade civil extracontratual [...].

O facto de as normas invocadas pelos autores serem de direito privado não implica que a jurisdição competente seja o tribunal comum, pois a questão da determinação do tribunal competente é prévia relativamente à da aplicação do regime geral civil.

A jurisprudência dominante do Tribunal de Conflitos tem remetido a resolução deste tipo de litígios entre particulares e as empresas concessionárias de auto-estradas para a jurisdição administrativa, nos casos em que os factos são praticados após a entrada em vigor da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro (cf. acórdãos do Tribunal de Conflitos, de 20-01-2010, proc. n.º 025/09; de 30-05-2013, Proc. n.º 017/13; de 27-02-2014, proc. n.º 048/13, de 27-03-2014, Proc. n.º de 046/13), para os tribunais administrativos.

No mesmo sentido, veja-se, recentemente, o acórdão do Tribunal de Conflitos, de 25-03-2015, proferido no proc. n.º 053/14:

«I – A concessão de serviços públicos a uma entidade privada não significa que as respectivas actividades percam a sua natureza pública administrativa e por essa circunstância adquiram intrinsecamente natureza de actos privados a serem regulados pelo direito privado.

II – Apesar de ser uma sociedade anónima, a lei atribuiu à Concessionária, no contrato de concessão aprovado pelo DL nº 86/2008, de 28/5, poderes, prerrogativas e deveres de autoridade típicos dos atribuídos ao Estado, que representa.

III – Assim, a sua eventual responsabilização por actos ou omissões dessa sua actividade insere-se no quadro de aplicação da norma do art. 1º, nº 5 da Lei nº 67/2007, e, consequentemente, serão os tribunais administrativos os competentes, em razão da matéria, para conhecer do litígio, nos termos do disposto no art. 4º, nº 1, alínea i) do ETAF»."


MTS