"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



17/11/2015

Jurisprudência (231)


Responsabilidade civil; danos não patrimoniais;
direito à sexualidade conjugal


O sumário de RC 20/10/2015 (335/09.7TBNLS.C1) é o seguinte:

I – Tendo a Autora mulher ficado impossibilitada de exercitar a sua sexualidade conjugal em virtude de o marido haver sofrido lesões que o incapacitaram sexualmente, em consequência de acidente de viação de que foi o exclusivo responsável, o dano não patrimonial dela (cônjuge) não está excluído do âmbito do seguro obrigatório, designadamente do art. 7.º, n.º 1, DL n.º 522/85, de 31/12 (vigente à data do acidente).

II - Trata-se de um dano autónomo e próprio da Autora mulher, por violação ilícita do direito de outrem – o direito à sexualidade conjugal enquanto direito de personalidade - e, por isso, o dano é directo, causado indirectamente pelo acidente, da exclusiva responsabilidade do marido, tratando-se de uma situação de hetero-responsabilidade, baseada nas normas dos arts. 483, n.º 1, 496.º, n.º1, e 70.º do CC.

III - O problema do nexo de causalidade no âmbito da responsabilidade civil deve colocar-se, desde logo, ao nível da conduta/evento, pois o comportamento (facto voluntário), jurídica e socialmente relevante, abrange não só a conduta, mas também o resultado, sendo designado por “ duplo nexo de causalidade “, ao incidir sobre as duas etapas do processo de responsabilização: ao nível da ligação entre conduta/evento e do facto/dano, embora assentes no mesmo critério.

IV - A teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa (art. 563.º do CC) não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, admitindo não só a ocorrência de outros factos condicionantes, como ainda a chamada causalidade indirecta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

V - Actualmente há uma preocupação superadora da tradicional categoria de “dano moral“, ampliando o seu espectro, de molde a abranger outras manifestações que a lesão provoca na pessoa, e já não a simples perturbação emocional, a dor ou o sofrimento, visando-se, assim, erigir um novo modelo centralizado no “dano pessoal” correspondendo ao “dano ao projecto de vida”, como núcleo do “dano existencial”.

VI - Esta concepção é a que melhor se adequa à natureza e finalidade da indemnização pelos danos extrapatrimoniais/pessoais, pondo o enfoque na vítima, com implicações na (re)valorização compensatória, maximizada pelo princípio da reparação integral.

VII - Comprovando-se que o casamento perdura há vários anos, que a relação entre ambos os cônjuges sempre foi cheia de afecto e amor e que a privação dos seus desejos sexuais causa à Autora mulher profunda angústia, tristeza e sofrimento permanente, provocando desgosto e mal-estar, revela-se adequado quantificar o dano não patrimonial no valor de € 30.000,00.