Sentença inexistente; abuso de direito; litigância de má fé
1. O sumário de RC 20/10/2015 (30/14.5T8PNH-D.C1) é o seguinte:
I – O vício da inexistência da sentença, sendo um “vício radical”, caracteriza-se pelo facto de faltarem todos os elementos que a qualificam como acto jurisdicional ou em que, existindo o acto, só na aparência é uma decisão (por exemplo, não provir de quem está investido de poder jurisdicional - a non judice -, ser o acto emitido a favor ou contra pessoas fictícia, não conter qualquer decisão).
II - É consensual a opinião de que a sentença inexistente não produz qualquer efeito jurídico, é insusceptível de formar caso julgado, e tal vício pode ser sempre arguido, prevendo a lei a inexistência formal de sentença como fundamento de oposição à execução (art. 729 a) CPC).
III - Não é inexistente uma sentença que contém um erro quanto à identificação de um prédio.
IV - A lei estabelece o dever de boa fé processual, enquanto regra de conduta para as partes, servindo de critério ou cláusula geral para aferir os casos de abuso processual. O exercício do direito de acção ou de quaisquer direitos processuais está subordinado aos limites impostos pelo “abuso de direito”, cuja elaboração dogmática em processo civil vem sendo construída a partir da teoria do direito substantivo.
V - O juízo de censura que enforma o instituto da litigância de má fé radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “ justo e equitativo “, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil.
VI - Actua com abuso de direito processual (na modalidade de venire contra factum proprium) e litiga de má fé a parte que não obstante um erro de identificação do prédio na sentença (que condena a destruir um poço) age numa primeira fase como não sendo relevante esse erro, nem impeditivo da exequibilidade, demonstrando compreender o alcance e o efeito prático jurídico da sentença, e passados anos assume uma atitude contraditória, vindo arguir reiteradamente a inexistência da sentença na pendência da respectiva execução (seis anos após a sua entrada em juízo), porfiando em não cumprir a obrigação exequenda (destruição de um poço).
2. O acórdão mostra que o abuso de direito processual (ou, para utilizar uma linguagem antiquada, o abuso do direito de acção) é sancionado através da litigância de má fé. Pode afirmar-se que isso sucede sempre que, genericamente, a parte faz do processo um uso manifestamente reprovável (cf. art. 542.º, n.º 2, al. d), CPC).
O acórdão também demonstra que, ao contrário do que é preconizado por algumas orientações, o abuso de direito processual não tem autonomia perante a litigância de má fé. Note-se que a parte que abusa do processo com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado de uma decisão não pode deixar de actuar com dolo ou, pelo menos, com negligência grave. Assim, constituindo o dolo ou a negligência grave um requisito da litigância de má fé (cf. art. 542.º, n.º 2 pr., CPC), não fica nenhum espaço para uma aferição objectiva do abuso de direito processual de acordo com a boa fé, os bons costumes ou o fim económico ou social do direito (cf. art. 334.º CC).
MTS