"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



18/11/2015

Jurisprudência (232)



Âmbito objectivo da penhora; subsistência económica


I. O sumário de RC 20/10/2015 (160/08.2TBCTB-A.C1) é o seguinte:

1. O artigo 738.º, nº 6, do Código de Processo Civil prevê excepcionalmente a possibilidade de redução ou mesmo de isenção de penhora, quando a penhora efectuada afecte a subsistência condigna do executado e do seu agregado familiar.

2. Para os efeitos do disposto no artigo 738.º, n.º 6, do NCPC não podem ser consideradas as despesas dos executados com o auxílio monetário que prestam aos filhos desempregados que não fazem parte do seu agregado familiar.
 

 II. A fundamentação do acórdão contém o seguinte trecho:

"[...] circunscreve-se o objecto do presente recurso à questão da abrangência da excepção conferida pelo n.º 6 do artigo 738.º do NCPC.

Na decisão recorrida entendeu-se que, em face da natureza excepcional de tal norma, a mesma só se deve aplicar tendo em vista as necessidades do executado e do seu agregado familiar.

Por seu turno, os recorrentes pretendem estendê-la às necessidades dos seus filhos desempregados, a quem, referem, ajudar monetariamente, apesar de não integrados no seu agregado familiar.

Conforme resulta do preceito em referência, foi a seguinte a opção do legislador:

«Ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excepcionalmente e a requerimento do executado, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora».

Como se acentua no normativo em causa, trata-se de um benefício concedido ao executado, com carácter de excepcionalidade, a conceder, desde que ponderados os pressupostos nele definidos, ou seja:

- a ponderação do montante e natureza do crédito exequendo, por comparação com as necessidades do executado e do seu agregado familiar, tudo com vista, como corolário do disposto nos seus n.ºs 1 a 3, a salvaguardar uma existência com o mínimo de dignidade do executado e seu agregado familiar.

Como se refere no Acórdão desta Relação, de 21/10/2014, Processo n.º 434/13.0T6AVR.C1, [...] “Tal faculdade excepcional, depende de ponderação judicial, tendo o executado requerente que alegar e provar que as necessidades sua e do seu agregado familiar merecem sobrepor-se ao interesse do credor na satisfação do seu crédito, cuja origem e montante são igualmente factores a sopesar.”.

Efectivamente, a satisfação do interesse do credor (embora mitigado ou o possa ser, com a possibilidade conferida ao devedor, pelo dispositivo em análise), também tem guarida constitucional, ao fazer parte da tutela da propriedade privada, tal como decorre do disposto no artigo 62.º, n.º 1, da CRP.

Também, Rui Pinto, in Manual da Execução E Despejo, 1.ª, Edição, Coimbra Editora, Agosto de 2013, de pág.s 515 a 517, acentua que a faculdade conferida pelo artigo 738.º, n.º 6, do NCPC tem um carácter excepcional e que os factores que determinam a decisão do juiz são a natureza e o montante da dívida exequenda e as necessidades do executado e do seu agregado familiar.

É aqui que reside o cerne deste recurso, no sentido de que não se verifica este último requisito: necessidades dos executados e do seu agregado familiar, mas sim de seus filhos, que não fazem parte do agregado familiar dos executados [...].

Não se nega que é dever de todos os pais ajudar os seus filhos, na medida das necessidades e rendimentos de cada um e é meritória a intenção dos executados em ajudar seus filhos, se estes disso necessitam.

Só que tal não pode servir como pretexto para que os executados não paguem (ou não o façam quando para tal solicitados) as suas próprias dívidas em benefício das dos seus filhos.

A “benesse” concedida pelo artigo 738.º, n.º 6, do NCPC, dada a sua excepcionalidade, só pode ser concedida nos estritos limites dos parâmetros nele definidos, o que exige que se trate das «necessidades do executado e do seu agregado familiar» e não de quaisquer outras, por mais meritórias que sejam. Foi esta a opção do legislador e não pode ser considerada e concedida, para além da previsão ali, saliente-se, excepcionalmente, considerada e concedida".


MTS