"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



21/11/2015

Um lapso manifesto no CPC


1. O art. 89.º, n.º 4, CPC estabelece o seguinte: 

É igualmente competente o tribunal da situação dos bens a executar quando a execução haja de ser instaurada em tribunal português, por via da alínea b) do artigo 63.º, e não ocorra nenhuma das situações previstas nos artigos anteriores e nos números anteriores deste artigo.

O art. 63.º, al. b), CPC dispõe o seguinte:

Os tribunais portugueses são exclusivamente competentes:

[...] b) em matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades ou de outras pessoas colectivas que tenham a sua sede em Portugal, bem como em matéria de validade das decisões dos seus órgãos; para determinar essa sede, o tribunal português aplica as suas regras de direito internacional privado [...].

Causa estranheza a relação, estabelecida pela remissão constante do art. 89.º, n.º 4, CPC para o art. 63.º, al. b), CPC entre a execução de bens em Portugal e uma acção respeitante à validade da constituição ou da dissolução de uma sociedade ou relativa à validade das decisões dos seus seus órgãos. Uma análise histórica do regime legal mostra que se trata de um lapso (como, aliás, já foi detectado por Lebre de Freitas/I. Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, I, 3.ª ed. (2014), 175).

2. O disposto no actual art. 89.º, n.º 4, CPC tem origem no art. 94.º, n.º 4, CPC/1961 (na redacção do DL 38/2003, de 8/3), que dispunha o seguinte:
 
É igualmente competente o tribunal da situação dos bens a executar quando a execução haja de ser instaurada em tribunal português, por via da alínea e) do artigo 65.º-A, e não ocorra nenhuma das situações previstas nos artigos anteriores e nos números anteriores deste artigo.

Por seu turno, o art. 65.º-A, al. e), CPC/1961 (na redacção do DL 38/2003) estabelecia o seguinte:

Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, os tribunais portugueses têm competência exclusiva para:

[...] e) As execuções sobre bens existentes em território português.

Era assim claro que o regime anterior determinava que, não sendo aplicável nenhum outro critério determinativo da competência territorial, era territorialmente competente para a execução o tribunal da situação dos bens em Portugal.

3. É este regime que faz sentido manter, pelo que a remissão que consta do art. 89.º, n.º 4, CPC deve ser entendida como realizada, não para a al. b) do art. 63.º CPC, mas para a al. d), do mesmo preceito (equivalente à al. e) do art. 65.º-A CPC/1961, na redacção do DL 38/2003).

MTS