Direito de retenção; hipoteca; graduação
1. O sumário de STJ 1/12/2015 (2864/12.6TJLSB-K.L1.S1) é o seguinte:
I - O direito de retenção, como direito real que é, está munido de sequela: se o proprietário de um prédio o transmitir por acto entre vivos ou se se verificar uma sucessão mortis causa o prédio continuará onerado com a garantia real.
II - Antes da partilha, os prédios da herança do de cujus não estão, mas podem vir a estar com efeito retroactivo desde a abertura da herança – art. 2119.º do CC, no património do herdeiro.
III - Os créditos de promitentes-compradores com direito de retenção sobre certos lotes como créditos garantidos para a hipótese de virem a integrar o património do devedor insolvente, com a partilha, devem ser graduados como créditos garantidos prioritários em relação ao crédito hipotecário do banco.
2. Da fundamentação do acórdão transcreve-se a seguinte passagem:
"O direito de retenção (artigos 754.º e seguintes do Código Civil) é um direito real de garantia. Visa, designadamente, garantir ao seu titular um pagamento preferencial relativamente ao valor dos bens sobre os quais incide. Por outro lado, e como direito real, está munido de sequela: se o proprietário de um prédio o transmitir por ato entre vivos ou se se verificar uma sucessão mortis causa o prédio continuará onerado com a garantia real. Assim, não é evidentemente, por morrer o proprietário de um prédio que desaparece o direito de retenção sobre este mesmo prédio: o direito de retenção subsiste, ainda que enquanto não se verificar a partilha nenhum dos herdeiros possa, em rigor, considerar-se proprietário daquele prédio. É à luz da natureza do direito de retenção e do seu escopo, mas também dos efeitos da partilha e da natureza jurídica desta que, a nosso ver, há que apreciar o pedido feito pelo Recorrente.
Trata-se de um credor hipotecário que vem alegar que tendo sido penhorado apenas o quinhão hereditário de um dos herdeiros no processo de insolvência deste o crédito garantido por um direito de retenção sobre determinados imóveis do de cujus não poderia ser graduado como crédito garantido e com prevalência sobre a hipoteca que incide sobre esses mesmos prédios, porquanto não era ainda seguro que tais prédios integrariam o quinhão hereditário deste herdeiro em concreto de cuja insolvência tratam os presentes autos.
Como atrás dissemos, no entanto, o direito de retenção existe e continua a existir após a morte do de cujus, não sendo um direito que tenha cessado ou até esteja em estado de suspensão para só recobrar eficácia após a partilha. Trata-se, como dissemos, de um direito real de garantia que continua a onerar o bem e que tanto se impõe ao proprietário como a quem tem uma expetativa de aquisição do bem. Assim se por acordo de todos os credores os créditos de promitentes-compradores foram reconhecidos no presente processo, então parece lógico que sejam graduados como créditos garantidos, caso tais prédios venham a integrar o património deste herdeiro com a partilha.
É que importa, desde logo, ter em conta a unidade do sistema jurídico e os efeitos e a natureza da partilha.
O artigo 2119.º do Código Civil dispõe que “(f)eita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos”. E daí que a partilha, para uma parte importante da doutrina e da jurisprudência[1], tenha carácter declarativo, “tudo se passando” – nas palavras de PEREIRA COELHO – “como se esses bens (e só esses) tivessem sido sempre seus [do herdeiro a quem foram adjudicados na partilha]”[F. M. PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, Lições ao Curso de 1973-1974, Coimbra, p. 176. No mesmo sentido cfr., também, RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 3.ª ed. renovada (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 239-240: “a nossa partilha hereditária tem um carácter marcadamente declarativo(…) nesta lógica, mesmo os efeitos próprios da partilha, da cessação do estado de indivisão hereditária e da materialização dos bens de cada quinhão hereditário, retroagem também ao momento da abertura da sucessão (art. 2119.º), assim se evitando qualquer hiato na titularidade das relações jurídicas que são objecto da sucessão”.].
Assim, antes da partilha os prédios não estão, mas “podem estar” (podem vir a estar com efeito retroactivo desde a abertura da herança) no património do herdeiro.
E daí que decidir como fez o Tribunal da Relação de Lisboa e graduar os créditos de promitentes-compradores com direito de retenção sobre certos lotes como créditos garantidos para a hipótese de tais lotes virem a integrar o património deste devedor, com a partilha, é a solução mais coerente, não só com o escopo do direito de retenção, mas e sobretudo com o regime legal dos efeitos da partilha."
II - Antes da partilha, os prédios da herança do de cujus não estão, mas podem vir a estar com efeito retroactivo desde a abertura da herança – art. 2119.º do CC, no património do herdeiro.
III - Os créditos de promitentes-compradores com direito de retenção sobre certos lotes como créditos garantidos para a hipótese de virem a integrar o património do devedor insolvente, com a partilha, devem ser graduados como créditos garantidos prioritários em relação ao crédito hipotecário do banco.
2. Da fundamentação do acórdão transcreve-se a seguinte passagem:
"O direito de retenção (artigos 754.º e seguintes do Código Civil) é um direito real de garantia. Visa, designadamente, garantir ao seu titular um pagamento preferencial relativamente ao valor dos bens sobre os quais incide. Por outro lado, e como direito real, está munido de sequela: se o proprietário de um prédio o transmitir por ato entre vivos ou se se verificar uma sucessão mortis causa o prédio continuará onerado com a garantia real. Assim, não é evidentemente, por morrer o proprietário de um prédio que desaparece o direito de retenção sobre este mesmo prédio: o direito de retenção subsiste, ainda que enquanto não se verificar a partilha nenhum dos herdeiros possa, em rigor, considerar-se proprietário daquele prédio. É à luz da natureza do direito de retenção e do seu escopo, mas também dos efeitos da partilha e da natureza jurídica desta que, a nosso ver, há que apreciar o pedido feito pelo Recorrente.
Trata-se de um credor hipotecário que vem alegar que tendo sido penhorado apenas o quinhão hereditário de um dos herdeiros no processo de insolvência deste o crédito garantido por um direito de retenção sobre determinados imóveis do de cujus não poderia ser graduado como crédito garantido e com prevalência sobre a hipoteca que incide sobre esses mesmos prédios, porquanto não era ainda seguro que tais prédios integrariam o quinhão hereditário deste herdeiro em concreto de cuja insolvência tratam os presentes autos.
Como atrás dissemos, no entanto, o direito de retenção existe e continua a existir após a morte do de cujus, não sendo um direito que tenha cessado ou até esteja em estado de suspensão para só recobrar eficácia após a partilha. Trata-se, como dissemos, de um direito real de garantia que continua a onerar o bem e que tanto se impõe ao proprietário como a quem tem uma expetativa de aquisição do bem. Assim se por acordo de todos os credores os créditos de promitentes-compradores foram reconhecidos no presente processo, então parece lógico que sejam graduados como créditos garantidos, caso tais prédios venham a integrar o património deste herdeiro com a partilha.
É que importa, desde logo, ter em conta a unidade do sistema jurídico e os efeitos e a natureza da partilha.
O artigo 2119.º do Código Civil dispõe que “(f)eita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos”. E daí que a partilha, para uma parte importante da doutrina e da jurisprudência[1], tenha carácter declarativo, “tudo se passando” – nas palavras de PEREIRA COELHO – “como se esses bens (e só esses) tivessem sido sempre seus [do herdeiro a quem foram adjudicados na partilha]”[F. M. PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, Lições ao Curso de 1973-1974, Coimbra, p. 176. No mesmo sentido cfr., também, RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 3.ª ed. renovada (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 239-240: “a nossa partilha hereditária tem um carácter marcadamente declarativo(…) nesta lógica, mesmo os efeitos próprios da partilha, da cessação do estado de indivisão hereditária e da materialização dos bens de cada quinhão hereditário, retroagem também ao momento da abertura da sucessão (art. 2119.º), assim se evitando qualquer hiato na titularidade das relações jurídicas que são objecto da sucessão”.].
Assim, antes da partilha os prédios não estão, mas “podem estar” (podem vir a estar com efeito retroactivo desde a abertura da herança) no património do herdeiro.
E daí que decidir como fez o Tribunal da Relação de Lisboa e graduar os créditos de promitentes-compradores com direito de retenção sobre certos lotes como créditos garantidos para a hipótese de tais lotes virem a integrar o património deste devedor, com a partilha, é a solução mais coerente, não só com o escopo do direito de retenção, mas e sobretudo com o regime legal dos efeitos da partilha."
MTS