"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/02/2016

Jurisprudência (288)


Ónus da prova; non liquet


O sumário de TCAS 16/12/2015 (12543/15) é o seguinte:


I -- Nesta ação, em que se pretende obter uma declaração jurisdicional de inexistência de ligação à comunidade nacional portuguesa, a matéria de facto provada é apenas a seguinte: o réu, interessado em ser português, é cidadão natural do Brasil, onde vive e onde está casado com uma portuguesa antes brasileira.

II -- A matéria de facto aqui provada permite concluir com segurança que o ora réu, aqui interessado em obter a nacionalidade portuguesa, não tem qualquer integração, nem sequer aparente, na comunidade nacional portuguesa, assim não se preenchendo a exigente previsão ou o exigente requisito que se retira da al. a) do art. 9º da Lei da Nacionalidade (uma ligação à comunidade nacional portuguesa, que seja efetiva). Não há, pois, um non liquet.

III – Tal previsão normativa contém um requisito jurídico e não um requisito fático.

IV -- A ligação (efetiva, note-se bem) à comunidade nacional, exigida pela LN, há de ser aferida por factos pessoais do interessado, pelo domicílio, pela língua, por aspetos de ordem privada, familiar, cultural, social, de amizade e económico-profissional, que consubstanciem a ideia de pertença à comunidade portuguesa, o que implica uma integração (efetiva, diz a lei) na sociedade portuguesa.

V -- Naquele caso concreto referido em I e II, irreleva que, porventura, se desconsidere que, em obediência ao art. 10.º do CPC, a presente ação é de simples apreciação negativa; nesse caso, também irreleva afirmar-se, ou não, que o chamado “ónus” da prova cabe ao autor ou ao réu, porque não se chegam a ativar aqui as regras do “ónus” da prova.

VI – É que a questão do chamado “ónus da prova” só se coloca em situação de
non liquet, aqui inexistente, dado que os factos aqui apurados não nos deixam dúvidas sobre a falta de fundamento do direito ou interesse invocado (ou “alardeado”, como diz Antunes Varela) pelo réu no procedimento administrativo e neste processo jurisdicional.

VII – No caso deste tipo de processo especial em concreto, em que a lei nem define com rigor qual o pedido a formular pelo MP, a verdade inegável é que o Direito impõe ao MP que invoque apenas, com ou sem factos concretos, que o interessado réu não preenche os requisitos jurídicos exigidos na lei substantiva, cabendo ao interessado alegar e provar os factos pessoais onde assenta o direito material que alardeia fora do processo judicial.

VIII -- As intenções e as explicações dadas pelo legislador formal não relevam elas próprias do domínio do Direito instituído, carecendo por isso, em si mesmas, de eficácia prescritiva para o intérprete-aplicador do Direito.)