"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



02/02/2016

Jurisprudência (275)


Divórcio sem consentimento de um dos cônjuges;
fundamentos; efeitos; rectroactividade


1. O sumário de RL 17/12/2015 (425/13.1TMLSB.L1-2) é o seguinte:

I. O prazo de um ano, previsto na alínea a) do art.º 1781.º do Código Civil, deve estar completado aquando da propositura de ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge baseada exclusivamente nesse fundamento.
 
II. Porém, se o divórcio se fundamentar na cláusula geral prevista na alínea d) do art.º 1781.º do Código Civil, o prolongamento no tempo de uma situação de separação de facto, na pendência da ação de divórcio, constitui facto a ponderar, pelo menos ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 5.º do CPC.
 
III. As razões da regra geral da retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio, nas relações entre os cônjuges, ao momento da propositura da ação (art.º 1789.º n.º 1 do CC), determinam que o momento do início da separação de facto apenas tenha relevância, nesta matéria, se ocorrer em data anterior à da propositura da ação (art.º 1789.º n.º 2 do CC). Se a separação de facto se iniciar na pendência da ação de divórcio, os efeitos patrimoniais deste produzir-se-ão, nas relações entre os cônjuges, desde a data da propositura da ação.
 

2. Da fundamentação do acórdão extrai-se o seguinte trecho:

"Na sentença recorrida ajuizou-se que estavam preenchidos os requisitos para que fosse decretado o divórcio com base na separação entre os cônjuges por mais de um ano: ficou provado que pelo menos desde março de 2013 o A. e a R. vivem separados de facto e não mantêm qualquer relacionamento entre si, e, além disso, não têm a intenção de restabelecer a vida em comum.

Ora, alega o apelante, a ação foi proposta em 27.02.2013, pelo que, não existindo nessa data separação de facto, o tribunal a quo não poderia levar em consideração esse fundamento do divórcio, por ser irrelevante a circunstância de, à data da sentença (proferida em 05.6.2015), fruto do tempo entretanto decorrido após o início da ação, as partes estarem separados de facto há mais de um ano.

Note-se que o apelante não põe em causa o decretamento do divórcio, tal como a apelada. Pelo contrário, ambas as partes se conformaram com a dissolução do matrimónio no âmbito desta ação, por força da sentença.

Aquilo com que o apelante se rebela é com a data declarada pelo tribunal a quo, quanto aos efeitos do divórcio no âmbito das relações patrimoniais entre os cônjuges. O tribunal a quo fixou tal data em 07.3.2013, dia em que entendeu se iniciou a separação de facto entre os cônjuges. O apelante, como argumento adjuvante para que a data a ter em consideração seja anterior, pelo menos a data da propositura da ação, invoca a inadmissibilidade de se tomar em consideração, pelas razões apontadas, uma separação de facto com início posterior à data da instauração da ação.

Com tal argumentação arrisca-se o apelante a fazer naufragar o divórcio, caso esta Relação lhe dê razão naquele aspeto (como se dá) e, agora em discordância com o apelante, não vislumbre outro fundamento para a dissolução do matrimónio. Isto porque, estando-se no âmbito de relação jurídica indisponível, esta Relação poderá conhecer oficiosamente da falta de fundamentação para o divórcio decretado e revogar a sentença (artigos 608.º n.º 2, parte final, e 663.º n.º 2 do CPC).

Porém, afigura-se-nos que a matéria de facto provada indicia, objetivamente, a falência do matrimónio sub judice, ao abrigo da cláusula geral prevista na alínea d) do art.º 1781.º do Código Civil. Sendo certo que, quanto ao preenchimento dessa cláusula, o prolongamento no tempo de uma situação de separação de facto, na pendência da ação de divórcio, constitui facto a ponderar, pelo menos ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 5.º do CPC (vide acórdão do STJ, de 03.10.2013, processo 2610/10.9TMPRT.P1.S1). Com efeito, há mais de dois anos que o A. e a R. vivem cada um para seu lado, sem fazerem tenção de retomar a vida em comum. O que constitui fundamento para o divórcio, nos termos da alínea d) do art.º 1781.º do CPC.


3. A causa de pedir de uma acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é a situação de ruptura da vida conjugal (art. 1781.º, al. d), CC). Esta situação de ruptura pode ser indiciada por qualquer dos outros fundamentos do divórcio enunciados no art. 1781.º, al. a) a c), CC.

A especialidade do regime reside em que, se for provado qualquer destes indícios de ruptura da vida conjugal, o tribunal tem de decretar o divórcio. Em contrapartida, se o ou a demandante invocar apenas a ruptura da vida conjugal, sem se socorrer de nenhum dos referidos indícios, cabe ao tribunal verificar se, em função da situação concreta, essa ruptura realmente existe.

É apenas neste contexto que pode ter interesse saber se a separação de facto dos cônjuges já dura há mais de um ano no momento da propositura da acção de divórcio. Na verdade:

-- Se tal suceder, o tribunal tem de decretar o divórcio com base na separação de facto;

-- Se tal não se verificar, o tribunal não tem de decretar o divórcio com fundamento na separação de facto, mas não está impedido de valorar -- como, aliás, o acórdão correctamente entende -- a situação de ruptura da vida conjugal em função de uma continuada separação de facto dos cônjuges.

MTS