"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



03/02/2016

Jurisprudência (276)


Acção de indemnização; equidade; controlo em recurso;
 indemnização de familiares; acordo ortográfico


1. O sumário de RC 16/12/2015 (18/13.3GAFIG.C1) é o seguinte

I – A equidade, enquanto fonte legal de realização da justiça moral a lesado em bens de natureza não patrimonial – cfr. arts. 4.º, al. a), e 496.º, ns. 1 e 4, 1.ª parte, do C. Civil –, a partir, portanto, de voláteis e subjectivas ponderações de metafísicos valores de bom senso, razoabilidade, justiça natural, justa medida das coisas, igualdade, oportunidade e conveniência…, haverá natural/necessariamente de ser incorporada de afectos e pessoal sensibilidade do julgador, para além, ou com independência, pois, dos limites do sistema jurídico-positivo.

II – Por conseguinte, a decisão judicial definitória do correspectivo valor indemnizatório, que nela se suporte, porque inevitavelmente afectada por subjectiva discricionariedade, apenas poderá merecer juízo de censura por tribunal superior – em sede de recurso –, e consequente alterabilidade, se se empiricamente evidenciar que significativamente destoe da contemporânea linha jurisprudencial respeitante a similares condições contextuais, e, assim, potencialmente comprometa a ideal segurança da aplicação do direito e o princípio constitucional da igualdade relativa, (cfr. arts. 8.º, n.º 3, do C. Civil, e 13.º, n.º 1, da Constituição).

III – Ainda assim, a respeitante resolução recursória, porque também intrinsecamente associada a abstractos critérios de equidade, sempre, no fundo, se haverá outrossim de nortear por idêntica matriz extra-sistémica, inevitavelmente matizada pela cultura e humanidade pessoal dos respectivos Juízes.

IV – O valor indemnizatório a atribuir a vítima de atropelamento com apenas 10 (dez) anos, haverá de reunir ideal aptidão a proporcionar-lhe significativo conforto material/económico aquando da respectiva aquisição da plena capacidade civil, aos 18 (dezoito) anos, e, destarte, facultar-lhe considerável compensação moral/emocional pelas lesões, dores, angústias, frustrações e incómodos para si de tal sinistro decorrentes, no caso
sub judice essencialmente condicionantes de fractura da diáfise do fémur esquerdo, internamento, imobilização e repouso absoluto por 97 dias; défice funcional temporário parcial por 557 dias, e perda de ano lectivo escolar, cujo montante se terá por minimamente razoável fixar em € 15.000,00 (quinze mil euros), correspondente ao recursivamente peticionado, por contraponto ao de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), atribuído em 1.ª instância.

V – O ajuizamento – e respectiva vinculatividade – emergente do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 6/2014, do Plenário das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/2014, (publicado no DR n.º 98, 1.ª série, de 22/05/2014), não obstante especificamente reportado a cônjuge de vítima de evento lesivo de respectivos bens e/ou interesses imateriais (não patrimoniais), por analogia, (cfr. art.º 10.º, ns. 1 e 2, do C. Civil), e sob pena de violação do princípio da
igualdade, prevenido sob o art.º 13.º da Constituição Nacional, deverá também aproveitar às demais individualidades jurídicas elencadas sob o n.º 2 do citado art.º 496.º do Código Civil, que, por reflexo/indirecto efeito do contextual acto ilícito, e em virtude da especial ligação que (à época) mantenham com o sinistrado, pessoalmente sofram acentuados danos morais que doutra forma provavelmente os não acometeriam.

[VI] – Assim, a mãe da criança atropelada que, para além das pessoais
dores sentimentais e angústias naturalmente associadas à percepção do sofrimento do vitimado filho, houve que lhe excepcional e exclusivamente dedicar pessoal assistência durante todo o período da respectiva convalescença e recuperação, mesmo em detrimento dos outros filhos, com significativo esmero, esforço e incómodo, consideravelmente marginais aos comummente associados aos deveres legais da relação paternal-filial, postulados pelo art.º 1878.º, n. 1, do Código Civil, o que, não fora a produção do referido acto lesivo (atropelamento), seguramente/provavelmente não ocorreria, deverá também merecer equitativa e material compensação – absolutamente denegada em 1.ª instância –, que, no caso sub judice, se tem por ajustado fixar pelo valor razoavelmente propugnado em sede recursiva, de € 5.000,00 (cinco mil euros). 

II. a) Da fundamentação do acórdão (proferido pela Secção Criminal) consta, no estilo próprio do seu relator, o seguinte trecho:

"[...] vem apenas submetida à apreciação deste tribunal, no particular conspecto, a razoabilidade da decisão definitória do sinalizado montante pecuniário de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), e a respectiva idoneidade à ideal compensação do id.º menor B... pelos danos não patrimoniais que lhe advieram por efeito do atropelamento de que foi vítima em 29/08/2012.

Trata-se de fluida problemática, insusceptível de racional apreensibilidade e científica dilucidação, posto que intrinsecamente associada a abstractos critérios de equidade – postulados pelo art.º 496.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código Civil – e à correspondente margem de discricionariedade do respectivo órgão julgador.

De facto, representando a equidade a fonte jurídica de realização da justiça moral do caso concreto – cfr. arts. 4.º, al. a), e 496.º, ns. 1 e 4, 1.ª parte, do C. Civil –, a partir, portanto, de voláteis e subjectivas ponderações de metafísicos valores de bom senso, razoabilidade,justiça natural, justa medida das coisas, igualdade, oportunidade e conveniência…,natural/necessariamente incorporadas de afectos e pessoal sensibilidade do julgador, para além, ou com independência, pois, dos limites do sistema jurídico-positivo, em bom rigor o exercício decisório que a (equidade) tenha por base muito dificilmente – se não impossivelmente – poderá ser lógico/dialecticamente sindicado mediante os processos metodológicos comuns por qualquer tribunal superior – razão-de-ser decerto condicionante do legal decretamento, sob o n.º 4 do art.º 39.º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV – aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14/12), da irrecorribilidade da decisão arbitral fundada em juízos de equidade[...] –, salvo se se empiricamente inteligir que significativamente destoe da contemporânea linha jurisprudencial respeitante a similares condições contextuais, designadamente da oriunda do Supremo Tribunal de Justiça, e, assim, potencialmente comprometer a ideal segurança da aplicação do direito e o princípio constitucional da igualdade relativa (cfr. arts. 8.º, n.º 3, do C. Civil, e 13.º, n.º 1, da Constituição).

Por conseguinte, a particular/pertinente resolução deliberativa deste órgão colegial da Relação, ainda que ideal/tendencialmente harmónica com simétricos tratamentos jurisprudenciais, em conformidade com o postulado normativo estabelecido sob o n.º 3 do Código Civil, sempre, no fundo, se haverá também inelutavelmente de nortear por idêntica matriz sopesativa extra-sistémica, de incontornável intangibilidade racional-valorativa associada à equidade, inevitavelmente matizada pela cultura e humanidade pessoal dos respectivos Juízes."


b) Sobre esta orientação refere-se o seguinte:

-- A equidade é entendida, desde Aristóteles (Ética a Nicómaco, 1137b ("epieíkeia")),  como a justiça do caso concreto; no século XIX, Windscheid escrevia: "Équo (Billig) é o direito que é adequado às situações realmente existentes", acrescentando que "o ius aequum não é o direito igual para todas as pessoas, mas o direito que é aplicável a todas as situações iguais" (Lehrbuch des Pandektenrechts I (1862), 61 s.); sobre a evolução do conceito "equidade", cf. Repgen, Der Neue Pauly 13, 515 ss.;  

-- É discutível que a equidade deva ser aproximada da discricionariedade, esta realmente orientada por critérios de oportunidade e de conveniência;

-- Quando se trata de uma decisão segundo a equidade, a igualdade deve merecer a mesma ponderação que a desigualdade; isto significa que não basta que duas situações sejam semelhantes para que devam ter, segundo a equidade, o mesmo tratamento; além dessa semelhança, é ainda necessário que uma qualquer diferença nessas situações não imponha um tratamento diferenciado; é, por isso, que, em relação a decisões segundo a equidade, não tem sentido invocar o disposto no art. 8.º, n.º 3, CC (até porque, nessas decisões, nunca pode estar em causa uma interpretação e aplicação uniformes do direito).

O problema é, em suma, este: sendo a equidade um critério de decisão que não é nem geral, nem abstracto, dificilmente se pode utilizar, por analogia, uma decisão de equidade para decidir um outro caso. Por muito análogos que sejam os casos, há sempre que admitir que uma particularidade de um deles possa justificar uma decisão diferente. O critério de equidade é o mesmo, mas as soluções casuísticas são distintas.  

Esta divergência entre a identidade do critério e a diversidade de soluções é exactamente o que se pretende obter através do recurso ao critério de equidade. A lei promove a igualdade de soluções, a equidade a sua desigualdade. Numa palavra: nada está mais afastado da realização da igualdade do que o critério da equidade. 

III. O relator fez inserir, em nota de pé-de-página, a seguinte posição pessoal sobre o acordo ortográfico: 

"Em conformidade com a dimensão normativa extraída da conjugada interpretação dos arts. 12.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, 21.º e 78.º, n.º 1, da Constituição Nacional, deixo consignada a minha firme oposição/objecção, e consequente insubmissão, enquanto magistrado judicial e comum cidadão, à (bizarra) disciplina normativo-alterativa da grafia etimológico-científica e cultural-tradicional do idioma português europeu (de Portugal), postulada, máxime, sob as bases IV, n.º 1, b), IX, ns. 9 e 10, XV, n.º 6, a) e b), XVII, n.º 2, e XIX, n.º 1, b), do Anexo I do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Oficial Portuguesa – Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) – adoptado na V Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa(CPLP), realizada em São Tomé em 26 e 27 de Julho de 2004, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16/05/2008, publicada no DR n.º 145, I Série, de 29/07/2008, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 52/2008, assinado em 21/07/2008 e publicado no mesmo DR (n.º 145, I Série)de29/07/2008 – actos necessária/constitucionalmente publicitados pelo Aviso n.º 255/2010 do Ministério dos Negócios Estrangeiros,firmado em 13/09/2010 e publicado no DR n.º 182, I Série, de 17/09/2010 [como exigido pelo art.º 119.º, n.º 1, al. b), da Constituição] –, pela seguinte essencial/nuclear/fundamental ordem-de-razões:

a) Por atentar contra o meu pessoal direito constitucional ao livre desenvolvimento da minha própria personalidade, à liberdade de expressão escrita, e à estabilidade e fruição do património linguístico e ortográfico nacional, particularmente protegidos pelos arts. 26.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, 16.º, n.º 1, e 78.º, n.º 1, da Constituição;
 
b) Por apenas eventualmente assumir virtual vinculatividade jurídica no ordenamento nacional (interno) em 
22/09/2016, data em que se perfectibilizará a moratória de 6 (seis) anos estabelecida sob o n.º 2 do art.º 2.º da dita Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008 e sob o n.º 2 do art.º 2.º do referenciado Decreto Presidencial n.º 52/2008, necessariamente computada desde a data da publicação do mencionado Aviso n.º 255/2010 do Ministério dos Negócios Estrangeiros (de 17/09/2010), e acrescida do legal período de 5 (cinco) dias de vacatio legis prevenido sob o n.º 2 do art.º 2.º da Lei n.º 74/98, de 11/11, (entretanto noutros conspectos alterada pelas Leis ns. 2/2005, de 24/01, 26/2006, de 30/06,e 42/2007, de 24/08, est’última dela republicativa);  
 
c) Por, enquanto representante do 
órgão de soberania tribunal (e cidadão), não me encontrar sujeito à injunção administrativa estabelecida sob o n.º 1 da Resolução do Conselho de Ministros (RCM)– regulamento administrativo independente – n.º 8/2011, de 09/12/2010, publicada no DR n.º 17, 1.ª Série, de 25/01/2011, acto, aliás, orgânica e formalmente inconstitucional, quer, designadamente, por abstrair de prévia e necessária lei parlamentar habilitante reguladora do objecto da respectiva temática/matéria, ou fixativa da competência objectiva e subjectiva para a sua emissão, quer por não assumir a forma de decreto regulamentar, [cfr. ainda arts. 110.º, n.º 1, 111.º, n.º 1, 112.º, ns. 6 e 7, e 165.º, n.º 1, al. b), da Constituição]."

MTS