"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



17/02/2016

Eficácia da sentença exequenda em relação a terceiros; intervenção necessária do juiz




Na questão em análise interessa atender à seguinte casuística: foi dada à execução uma sentença condenatória que reconheceu ao exequente um direito de crédito emergente de contrato de trabalho; a ação executiva foi inicialmente instaurada contra a sociedade empregadora; não tendo sido encontrados bens da sociedade, o agente de execução notificou as partes para indicarem bens nos termos do art. 750.º do nCPC; na sequência dessa notificação, o exequente requereu a intervenção de um novo executado, sócio gerente da sociedade empregadora, com fundamento no art. 55.º do nCPC. 

1. Dispõe o art. 55.º do nCPC: "A execução fundada em sentença condenatória pode ser promovida não só contra o devedor, mas ainda contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha força de caso julgado.” 

 A sentença produz, em regra, efeitos apenas entre as próprias partes (cf. art. 581.º, n.º 2, e 619.º do nCPC). Assumindo elas a posição de autor ou réu, a sua situação jurídica, de acordo com o direito substantivo, é necessariamente considerada na sentença e, por isso, a decisão proferida sobre o mérito da causa constitui, quanto a elas, caso julgado, quer tenham intervindo inicialmente na ação, quer tenham intervindo nela em momento posterior, mediante intervenção principal provocada ou espontânea. Diferentemente, em relação àquele que não seja parte principal, a sentença é, quanto a si, res inter alios acta (ressalvado o caso particular da intervenção acessória provocada e do assistente - cf. art. 323.º, n.º 4, e 332.º do nCPC).

 O que se pergunta é se a eficácia do caso julgado também se estende a determinadas pessoas que não tenham sido condenadas pela sentença. A resposta é afirmativa (cf. art. 55.º do nCPC), mas apenas em duas situações: i) em relação àquele que é titular de uma relação jurídica que o torna litisconsorte passivo, quer o chamamento seja realizado pelo autor, quer seja pelo réu, nos termos dos art. 32.º, 33.º e 34.º do nCPC (cf. art. 311.º e 316.º, n.º 1 e 2, 1.ª parte, do nCPC), isto é, em regime de litisconsórcio necessário ou voluntário, ou ainda nos termos do art. 39.º, na hipótese de litisconsórcio subsidiário (cf. art. 316.º, n.º 2, 2.ª parte, do nCPC); ii) em relação ao adquirente de coisa ou direito litigioso, por cessão ou transmissão entre vivos, na pendência de ação declarativa.

A pessoa em relação à qual a sentença dada à execução tenha força vinculativa pode ser demandada juntamente com o devedor condenado, em regime de litisconsórcio voluntário inicial. Mas nada impede que o exequente apenas requeira o prosseguimento da execução contra o terceiro devedor quando se reconheça a insuficiência de bens do devedor condenado ou, em caso de execução para entrega de coisa certa, ela esteja na posse do terceiro, requerendo a sua intervenção provocada (litisconsórcio voluntário sucessivo), nos termos dos art. 316.º a 320.º do nCPC. O credor pode também optar por demandar inicialmente apenas o terceiro devedor e só fazer intervir, de forma subsequente, o devedor condenado, se os bens daquele terceiro (que responde pessoalmente, com todo o seu património) se revelarem insuficientes ou, em caso de execução para entrega de coisa certa, ela esteja na posse do devedor condenado. Não existe, contudo, nenhum ónus de o credor exequente requerer a intervenção do terceiro devedor na mesma execução em que demanda o devedor condenado, pelo que não fica precludida a faculdade de esse credor instaurar contra aquele uma nova ação executiva.

2. O adquirente de coisa ou direito litigioso é alguém que já é titular do interesse subjacente aos fundamentos do pedido ou da defesa, mas ainda não é parte porque não foi habilitado na ação (cf. art. 262.º, al. a), 263.º, n.º 1 e 356.º do nCPC). Exemplo: o mero detentor ou possuidor de um imóvel (réu), numa ação de reivindicação em que é demandado pelo proprietário desapossado (autor) desse bem sobre que incide o direito real invocado, vende o imóvel a terceiro (adquirente) na pendência dessa ação.

Enquanto o comprador (adquirente) não for habilitado a substituir o vendedor (transmitente) nessa ação, este último, a partir do momento da venda, fica a ter legitimidade indireta (como parte substituta), ou seja, perde a legitimidade direta que tinha enquanto detentor ou possuidor do imóvel e passa a assumir a posição de substituto processual do comprador (este que é a parte substituída). Este regime de substituição processual decorre do n.º 1 do art. 263.º do nCPC.

Numa situação como esta, se a sentença vier a ser proferida antes da habilitação do comprador, a decisão produz efeitos em relação a ele, mesmo que não tenha intervindo na ação. E acrescenta-se: ainda que não haja sido citado para a ação ou para o incidente de habilitação, quando suscitado pelo transmitente; isto acontece porque, em caso de transmissão por ato entre vivos, a habilitação do adquirente é facultativa (art. 263.º, n.º 1, do nCPC).

No entanto, o adquirente de coisa ou direito litigioso é protegido pelas regras do registo: ou seja, a sentença já não lhe será oponível quando, estando a ação sujeita a registo, o adquirente tenha registado o seu direito transmitido antes de efetuado o registo da ação (cf. art. 263.º, n.º 3, parte final, do nCPC). Neste caso, o adquirente terá de ser convencido numa nova ação a intentar por aquele que invoca o direito real.

3. No que tange ao interveniente principal (litisconsorte passivo), a extensão a este do caso julgado material obtido na ação contra o réu condenado depende da verificação cumulativa de dois requisitos: i) em primeiro lugar, exige-se que o terceiro (p. ex., um devedor solidário do réu) haja sido citado para a ação; é, pois, necessário que ele tenha sido chamado a intervir, incluindo na modalidade de citação edital; ii) a sentença tenha apreciado a situação jurídica do chamado, que não haja intervindo na ação, por exemplo não apresentou articulado próprio, nem aderiu ao apresentado pelo réu. Os requisitos da vinculação da sentença em relação a intervenientes principais estão previstos no art. 320.º do nCPC.

Sendo assim, a sentença proferida sobre o mérito, que condenou o devedor solidário inicialmente demandado pelo credor, tem força de caso julgado material em relação ao condevedor chamado à causa, desde que este último haja sido citado para a ação e o juiz tenha conhecido e apreciado a sua situação jurídica, ou seja, tenha decidido se subsiste o dever de prestar a que se encontra adstrito, por lei ou convenção. No entanto, há que fazer uma ressalva: a eficácia do caso julgado não se estende ao chamado se a intervenção não tiver sido admitida pelo juiz.

4. No caso em análise, a responsabilidade do sócio gerente da sociedade empregadora pelo pagamento do crédito reconhecido pela sentença ao trabalhador constitui um bom exemplo de um litisconsorte passivo voluntário (cf. art. 334.º e 335.º do CT e art. 78.º, 79.º e 83.º do CSC). O regime processual que lhe será aplicável, quanto à vinculação da sentença, é o enunciado no ponto 3.

Assim, tendo sido dirigido ao agente de execução o requerimento do exequente em que este suscita a intervenção de um novo executado, sócio gerente da sociedade empregadora, com fundamento no art. 55.º do nCPC, o procedimento correto do agente de execução consiste em suscitar a intervenção do juiz de execução, ao abrigo do disposto no art. 723.º, n.º 1, al. d), do nCPC, independentemente da forma de processo que se aplique à execução. É que não basta ao exequente alegar a qualidade de gerente do novo executado para que, por um lado, se verifiquem os pressupostos exigidos pelos art. 334.º e 335.º do CT e, por outro, para que se possa concluir que existe título executivo contra aquele.

5. Compete ao juiz a verificação dos requisitos da extensão do caso julgado relativamente ao chamado a intervir, mas que não teve intervenção efetiva no processo, ou seja, não apresentou articulado próprio, nem aderiu ao apresentado pelo réu. A razão é esta: a falta de exequibilidade (de força executiva) da sentença constitui uma exceção dilatória (cf. art. 726.º, n.º 2, al. a) e 729.º, al. a), do nCPC), que é de conhecimento oficioso (cf. art. 578.º do nCPC). Com efeito, o título executivo é o pressuposto formal específico da ação executiva (nulla executio sine titulo).

Da interpretação conjugada do art. 719.º, n.º 1, do nCPC e do art. 723.º do nCPC é possível retirar a seguinte conclusão: o processo de execução depende de ato a praticar pelo juiz sempre que esteja em causa o controlo da legalidade do processo. A legitimidade do poder de controlo genérico do juiz de execução baseia-se na necessidade de tornar efetiva essa garantia.

Na verdade, aquela intervenção judicial é caracterizada, por um lado, pelo poder de controlo sobre os pressupostos processuais gerais e sobretudo específicos da ação executiva – como a formação do título executivo extrajudicial e a exequibilidade da obrigação exequenda –, que é exercido de forma liminar, e sobre a atuação do agente de execução, por outro, a ter lugar a posteriori. Neste segundo caso, a intervenção do juiz de execução apenas pode ser concebida como um poder de tutela, isto é, de fiscalização da regularidade do processo e da legalidade da atuação do agente de execução, incluindo tanto as suas ações, como as suas omissões. Esse poder permite que o juiz anule e corrija os atos praticados pelo agente de execução, seja a requerimento de alguma das partes, seja ex officio.

6. Em suma, é possível retirar de quanto se disse a seguinte conclusão: é da competência do juiz de execução a verificação de questões de conhecimento oficioso, quer determinem a improcedência do pedido executivo (cf. art. 726.º, n.º 2, al. c), do nCPC), quer obstem ao conhecimento do mérito da causa e determinem a absolvição da instância, como o conhecimento de exceções dilatórias (cf. art. 576.º, n.º 2, do nCPC) ou de nulidades principais (cf. art. 278.º, n.º 1, al. b), do nCPC). 

J. H. Delgado de Carvalho