"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



05/02/2016

Jurisprudência (278)



Execução sumária; oposição à execução antes da citação do executado;
indeferimento liminar


1. O sumário de RG 26/11/2015 (118/14.2TBCMN-A.G1) é o seguinte:

I. Na norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 732º do Código de Processo Civil, em que se determina a rejeição liminar dos embargos quando tenham sido deduzidos fora de prazo, abrange-se não só as situações em que os embargos são apresentados extemporaneamente por decurso do prazo peremptório, como também aquelas em que são deduzidos antes do prazo se iniciar.
 
II. Tal interpretação, em função dos elementos literal, histórico e sistemático do processo executivo, sai reforçada em sede de processo executivo sob a forma sumária, no qual, por força do disposto no n.º 1 do artigo 856º, a citação só ocorre, em regra, após a penhora, e marca o início do prazo, não só para dedução de embargos de executado, mas também para oposição à penhora, cuja efectivação é notificada simultaneamente com a citação.
 

2. O sumário não é totalmente explícito quanto ao que estava em causa no caso sub iudice. O que sucedeu foi o seguinte; numa execução sumária para pagamento de quantia certa (na qual, como se sabe, a citação do executado só ocorre depois da penhora: cf. art. 856.º, n.º 1, CPC), o executado deduziu oposição à execução antes da sua citação; depois de realizada a tentativa de conciliação nos próprios embargos de executado e tendo esta sido infrutífera, o tribunal da execução indeferiu, por intempestividade, os embargos; a RG confirmou esta decisão de indeferimento.

É duvidoso que a 1.ª instância e a RG tenham decidido bem. Antes do mais, é discutível que a 1.ª instância tenha decidido correctamente ao indeferir os embargos depois de ter convocado as partes da execução para uma tentativa de conciliação (supõe-se que na audiência prévia desses embargos). Se, na opinião da 1.ª instância, a dedução dos embargos antes do tempo justifica o seu indeferimento, então este indeferimento tinha de ter ocorrido antes da notificação do exequente para apresentar a sua contestação aos embargos e da convocatória das partes para a audiência prévia.

O mais relevante é, no entanto, um outro aspecto. O indeferimento liminar decidido pela 1.ª instância leva a pensar que, para este tribunal, ainda tinha de se realizar a citação do executado e que só depois dessa citação os embargos seriam admissíveis. É a necessidade desta citação que se pode questionar. A citação é -- na definição do art. 219.º, n.º 1, CPC -- o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu (ou ao executado) de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender. A questão que se pode colocar é a seguinte: faz sentido proceder à citação de um executado que mostra que já tem conhecimento da execução e que até já foi notificado para comparecer numa audiência prévia nos embargos que deduziu?

Parece impor-se uma resposta negativa a esta questão: nas condições do caso, essa citação seria um acto inútil. Sendo assim, se não tem que se proceder à citação do executado, então há que concluir que não lhe vai ser dada uma nova oportunidade de apresentar embargos de executado. A apresentação antecipada dos embargos pelo executado consumiu não só a necessidade da citação desta parte, mas também a faculdade de essa parte apresentar outros embargos.

A 1.ª instância e a RG parece terem-se esquecido deste aspecto essencial. Ao decretar o indeferimento dos embargos, esses tribunais julgavam -- pode supor-se -- estar a sancionar a conduta indevida do executado. Nada de mais equivocado. Na verdade, ao indeferirem os embargos "antecipados", a 1.ª instância e a RG tornam possível que o executado possa vir a apresentar uns segundos embargos (depois da sua inútil citação?), coisa que nunca sucederia se aqueles embargos tivessem sido admitidos. Em vez de uma sanção do executado, acabou por lhe ser concedido um benefício.

Lembre-se, a propósito, esta circunstância: no regime legal da execução sumária para pagamento de quantia certa, os embargos são deduzidos depois da penhora (art. 856.º, n.º 1, CPC). Assim, se os embargos "antecipados" tivessem sido aceites, estaria precludida qualquer dedução de novos embargos para oposição à penhora. Tendo os mesmos sido indeferidos, atribui-se ao executado a possibilidade de, nos novos embargos que venha a apresentar, não só repetir (e até aperfeiçoar) a sua defesa contra a obrigação exequenda, mas também deduzir uma oposição à penhora que, de outro modo, estaria precludida.

Se o executado estava consciente dos riscos que corria ao deduzir os embargos antes do tempo, isso é irrelevante. O que se pode concluir é que, talvez nolens volens, a 1.ª instância e a RG acabaram por vir em seu socorro.

MTS