Litisconsórcio necessário; pressupostos processuais; caso julgado
1. O sumário de RC 12/1/2016 (37/09.4TBSRT-D.C2) é o seguinte:
I - Dizendo respeito a uma pluralidade de partes principais que se unam no mesmo processo para discutirem uma só relação jurídica material estamos perante uma situação de litisconsórcio, que poderá ser voluntário (artigo 27° do C.P.C.) ou necessário (artigo 28° do CP C.).
II - Essa presença é exigida, nos termos da lei, quando é necessária a intervenção de todos os interessados e quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a relação produza o seu efeito útil normal (artigo 28°. n.° 2 do C.P.C).
III - É coisa afirmada por várias vezes, quer na doutrina, quer na jurisprudência dos Tribunais Superiores, a possibilidade do julgamento implícito de determinados pressupostos processuais, admitindo-se, inclusivamente, a formação de caso julgado quanto ao assim decidido quando as questões em causa, “...dados os termos da causa, constituem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido.”
IV - Havendo decisão inequívoca no sentido da legitimidade dos AA, embora não se tenha formado, ainda, caso julgado formal sobre essa questão, o artº 613, nºs 1 e 3, do NCPC, tal como outrora o correspondente artº 666º, nºs 1 e 3, do CPC, obsta a que o Tribunal, no despacho-saneador, se pronuncie sobre a mesma, mais a mais em sentido oposto àquele que havia determinado a admissão da intervenção das sociedades para pleitearem ao lado dos AA.
V - As decisões interlocutórias que não sejam passíveis de recurso autónomo imediato não deixam de transitar em julgado quando, sendo desaforáveis a quem interponha recurso das decisões comtempladas no nº 1 do artº 644º do NCPC (691º, nº 1, do CPC), o recorrente não inclua aquelas no âmbito desse recurso (nº 3 do mesmo artº 644 e nº 3 do artº 691 do CPC), ou se, sendo desfavoráveis ao recorrido, quando este não suscitar a respectiva apreciação no âmbito das contra-alegações, assim ampliando o âmbito do recurso (solução imposta por aplicação analógica do nº 1 do artº 636º do NCPC).
VI - Proferindo-se despacho em que, referindo-se a necessidade de as sociedades de quem os Autores eram sócios terem também instaurado a acção, por se estar perante uma situação de litisconsórcio necessário activo, convidaram-se os Autores a provocar a intervenção dessas sociedades, que, subsequentemente, com alicerce no apontado litisconsórcio, foram admitidas a intervir como “associadas dos Autores”, deixou-se inequivocamente afirmada, de modo não tabelar, a legitimidade activa dos primitivos Autores, pelo que se forma caso julgado quando a essa matéria, o que obsta a que, posteriormente, nessa mesma acção, estes venham a ser declarados partes ilegítimas.
2. a) O acórdão incide sobre uma questão interessante. A questão é esta: tendo a 1.ª instância convidado a parte a chamar um terceiro ao processo para sanar a ilegitimidade decorrente da preterição de um litisconsórcio necessário, pode o tribunal, mais tarde, considerar que a parte à qual dirigiu o convite é, afinal, parte ilegítima?
A RC respondeu que a 1.ª instância não pode contrariar a sua decisão anterior, porque a mesma está vinculada a um caso julgado implícito sobre a legitimidade da parte que foi convidada a sanar a falta do litisconsórcio necessário. O argumento utilizado é este: se o tribunal convida a parte a chamar um terceiro, é porque o tribunal considera que essa parte tem legitimidade para estar em juízo; logo, esta decisão está coberta pela força de caso julgado e não pode ser contrariada mais tarde.
O caminho mais fácil é o de considerar que este entendimento está correcto. No entanto, é possível seguir uma outra via.
b) É certo que um convite dirigido a uma parte para que esta sane a ilegitimidade decorrente da preterição de um litisconsórcio necessário pressupõe que a parte que está em juízo é parte legítima (se o convite se destinar a chamar um terceiro para se associar à contraparte) ou será parte legítima (se o convite se destina a provocar a intervenção de um terceiro para se associar à própria parte convidada).
A circunstância de a legitimidade da parte convidada ser um pressuposto do convite não quer dizer, contudo, que, na hipótese de ser dirigido o convite sem uma prévia análise da legitimidade da parte, haja caso julgado sobre esta legitimidade. Podem ser invocadas três justificações:
-- Uma primeira é a seguinte: o caso julgado só pode incidir sobre o decidido, nunca sobre o não decidido, especialmente quando deveria ter havido uma decisão do tribunal sobre o não decidido; o que se pode dizer de uma decisão que, antes de convidar a parte a chamar um terceiro, não aprecia a legitimidade da parte convidada é que essa decisão não fundamenta o que dispõe: noutros termos, trata-se de uma decisão nula por falta de fundamentação (art. 615.º, n.º 1, al. b), CPC); que possa haver caso julgado sobre algo cuja falta é causa de nulidade da decisão, é coisa que, para além de tudo o mais, não é nada evidente;
-- Uma segunda justificação é esta: a haver caso julgado (implícito) sobre a legitimidade da parte à qual é dirigido o convite, então também teria de haver caso julgado sobre a sua personalidade e capacidade judiciárias, sobre a sua devida representação por mandatário judicial e sobre o seu interesse processual; é claro que assim não pode ser, o que demonstra precisamente que, do convite dirigido à parte, não pode resultar nenhum caso julgado implícito sobre os pressupostos processuais relativos à parte convidada;
-- Por fim, a terceira justificação é a seguinte: a haver caso julgado (implícito) sobre a legitimidade da parte convidada a sanar a preterição de um litisconsórcio necessário, esse caso julgado vincularia não só parte convidada, mas também a contraparte; isto significa que esta contraparte teria o ónus impugnar o convite dirigido à outra parte e alegar a nulidade da decisão por falta de fundamentação para evitar que se formasse caso julgado (implícito) sobre a legitimidade da parte convidada; é muito discutível que assim se deva entender.
3. Não quer dizer que não seja anómalo que o tribunal dirija um convite a uma parte para sanar a falta de um litisconsórcio necessário e, depois, conclua que, afinal, a parte convidada não tem legitimidade processual. Só que esta anomalia procedimental não pode ser ultrapassada através de um entorse dogmático.
MTS