Título executivo; cheque prescrito;
nulidade do negócio subjacente
nulidade do negócio subjacente
1. O sumário de RP 25/1/2016 (4568/13.3TBMAI-A.P1) é o seguinte:
Um cheque que se encontre privado da sua eficácia cambiária, por prescrição da obrigação cartular, e que titule um contrato de mútuo, nulo por vício de forma, não pode servir como título executivo.
2. Da fundamentação do acórdão retira-se a seguinte passagem:
"Após a revisão do Código de Processo Civil operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, teremos que atender ao disposto no n.º 1 do art. 703º, nos termos do qual são título executivo:
Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo, al. c);
Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva, al. d).
Encontra-se assente que o título dado à execução é um cheque que, apesar de ter a obrigação cambiária prescrita, sempre poderia valer como título executivo na qualidade de mero quirógrafo, pois que o exequente invocou os factos constitutivos da relação subjacente à emissão do cheque dado à execução, apresentando-se como portador do mesmo.
Mas também está assente que o cheque titula um contrato de mútuo.
Ora, o contrato de mútuo, nos termos do art. 1143º, do Código Civil, de valor superior a 20.000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública.
O contrato de mútuo titulado pelo cheque em causa é nulo por falta de forma.
O cheque que se pretende dar à execução, ou seja usar como título executivo, tem por base um contrato de mútuo nulo.
Quando o título executivo é um cheque relacionado com um mútuo nulo a jurisprudência tem proferido decisões antagónicas.[...]
Todavia tem vindo a fazer vencimento a posição que defende que o cheque que representa o mútuo nulo ou que lhe serve de garantia não pode servir de título executivo.
Refira-se que o mesmo sucede nos casos dos documentos particulares.
Relativamente a estes a posição dominante (pensamos que unânime) na jurisprudência entende que não tem força executiva o documento de confissão de dívida que tenha subjacente um contrato de mútuo nulo por vício de forma[...].
Não vemos razões para não aderirmos à corrente jurisprudencial que defende que o cheque que representa o mútuo nulo ou que lhe serve de garantia não pode servir de título executivo (tal como se defende na decisão recorrida.
Na verdade, se formalmente o cheque dado à execução está revestidos de exequibilidade (como já se disse, trata-se de documento assinado pelo devedor, no qual é reconhecida uma obrigação pecuniária de montante determinado), a verdade é que substancialmente existem razões que lhe retiram essa exequibilidade.
A dívida é emergente de um contrato de mútuo, que atentas as quantias envolvidas é nulo por vício de forma. Não foi respeitada a forma – exigência de escritura pública – (artigo 1143 do Código Civil).
Ora, se o contrato de mútuo que deu origem ao documento que serve de título executivo é nulo não pode tal documento estar revestido de força executivo pois os efeitos daquela nulidade reflectem-se no título.
Ou seja, se formalmente o documento tem os requisitos legais para ser título executivo substancialmente não os tem pois a relação subjacente ao mesmo está viciada – nulidade.
A nulidade da relação subjacente – contrato de mútuo – afecta a validade do documento enquanto título executivo.
Importa recordar que estamos perante uma acção executiva na qual se pretende realizar coercivamente um direito. Ora este direito ainda não está declarado.
O contrato do qual aquele direito pode emergir é nulo.
Assim ao credor/exequente importa ver, em primeiro lugar, declarado esse direito e para tanto necessita de propor contra o devedor/executado a respectiva acção declarativa e só após obter uma condenação (na restituição da quantia mutuada) é que poderá intentar a respectiva acção executiva.
Como se escreveu no Ac. desta Relação de 21.10.2014, in www.dgsi.pt «Não pode pois o cheque dos autos servir, por esta via, de título executivo, atendendo a que a invalidade formal do contrato de mútuo que lhe subjaz atinge também a exequibilidade da pretensão incorporada no título.
Tal como refere Lebre de Freitas (in “A Acção Executiva”, 5ª ed., pág. 72) “no plano da validade formal (…) quando a lei substantiva exija certo tipo de documento para a sua constituição ou prova, não se pode admitir execução fundada em documento de menor valor probatório para o efeito de cumprimento de obrigações correspondentes ao tipo de negócio ou acto em causa.”»; no mesmo sentido o Ac. desta Relação de 14 de Fevereiro de 2005 «Os cheques, apresentados a pagamento fora do prazo de oito dias, não podem constituir títulos executivos, enquanto documentos particulares (quirógrafos), quando referentes a obrigação que emerge de um negócio formal e sempre que a forma legal prescrita não tenha sido observada».
Em conclusão, podemos afirmar que um cheque que se encontre privado da sua eficácia cambiária, por prescrição da obrigação cartular, e que titule um contrato de mútuo, nulo por vício de forma, não pode servir como título executivo."
MTS