"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



08/03/2016

Jurisprudência (300)



Título executivo europeu; execução


1. O sumário de RE 17/12/2015 (572/14.2TBPTG-B.E1) é o seguinte:

Os Títulos Executivos Europeus (TEE) abrangidos pela aplicação do Regulamento (CE) nº 805/2004, e emitidos em conformidade com o anexo I desse Regulamento, dispensam o exequatur para os créditos não contestados – sem prejuízo da possibilidade de o beneficiário da decisão optar pelo regime de reconhecimento e execução da decisão. 

2. O sentido do acórdão da RE -- totalmente correcto quanto ao nele decidido -- fica mais claro através da transcrição da seguinte passagem da sua fundamentação:

"[...] na presente execução foi, pelos exequentes, apresentado à execução um Título Executivo Europeu (TEE), emitido pelo «Tribunal d’Instance de 16earrondissement de Paris», e documentado a fls. 22-24 (com tradução a fls. 26-28) – sem que ofereça qualquer dúvida, nem esta tenha sido suscitada pelos executados, quanto à sua veracidade.

Sendo assim, estamos perante um título abrangido pela aplicação do citado Regulamento (CE) nº 805/2004, e emitido em conformidade com o anexo I desse Regulamento. Tal diploma veio consagrar a supressão do exequatur para os créditos não contestados e tem consequências que vão para além do regime que resultava do Regulamento (CE) nº 44/2001 – sem prejuízo da possibilidade de o beneficiário da decisão optar pelo regime de reconhecimento e execução da decisão ainda nos termos desse anterior diploma. Entre aquelas consequências salienta-se: a certidão de TEE só pode ser revogada perante o tribunal de origem e não perante tribunal do Estado-Membro de execução (artº 10º, nº 1, al. b) do Regulamento (CE) nº 805/2004); a emissão da certidão de TEE não admite recurso (artº 10º, nº 4); a decisão certificada como TEE não pode ser revista quanto ao mérito no Estado-Membro de execução (artº 21º, nº 2); a execução do TEE só pode ser recusada por tribunal do Estado-Membro de execução se houver incompatibilidade com decisão anteriormente proferida e mediante determinados requisitos (artº 10º, nº 1).

No caso dos autos, os exequentes optaram claramente pela obtenção da emissão de TEE, que concretizaram, ao abrigo do Regulamento (CE) nº 805/2004 – e não pelo mecanismo de reconhecimento da decisão do Regulamento (CE) nº 44/2001. É, portanto, aquele e não este diploma comunitário que se aplica ao caso presente – com todas as consequências acima expostas. Ou seja, e in casu: não é admissível recurso contra o TEE, designadamente perante qualquer tribunal do Estado-Membro de execução, que é, neste caso, Portugal; qualquer impugnação que os executados pretendessem formular contra o TEE teriam de a apresentar perante o tribunal de origem; não estando invocada e demonstrada qualquer incompatibilidade com decisão anterior, inexiste fundamento para recusa da execução do TEE por tribunal do Estado-Membro de execução; e está vedado a qualquer tribunal do Estado-Membro de execução pronunciar-se sobre o mérito da decisão do tribunal francês, objecto do TEE. E, por tudo isso, não tinha (e não tem) qualquer cabimento a apresentação, empreendida pelos executados, de um requerimento de recurso em que pretendiam ainda impugnar um pretenso «pedido de reconhecimento de executoriedade»: este pedido só faria sentido se não houvesse já um TEE e o certo é que aquele pedido não foi formulado pelos exequentes na presente execução, em virtude de já estarem na posse de um TEE. Sendo assim, não há sequer objecto do recurso que os executados pretendiam interpor: não há decisão judicial de que recorrer; ou, dito de outro modo, a decisão condenatória proferida pelo tribunal francês já se transformou em título executivo e de um título executivo não se pode recorrer. 


De tudo isto se conclui assistir plena razão à M.ma Juiz reclamada no indeferimento do requerimento de interposição de recurso dos reclamantes, por inadmissibilidade, conforme previsto no artº 641º, nº 2, al. a), proémio, do NCPC. Com efeito, a decisão condenatória consubstanciada no TEE não admite recurso: em bom rigor, como se deixou dito, não há sequer decisão (que foi, entretanto, convertida em título executivo) – e, logo, nada há de que recorrer."

3. Do acórdão da RE é possível concluir que, qualquer decisão de um tribunal português que recusasse a atribuição de executoriedade a uma decisão certificada como Título Executivo Europeu, seria uma decisão inexistente. Na verdade, assim parece ser.

Dado que a executoriedade da decisão estrangeira foi obtida no exacto momento em que a mesma foi certificada como título executivo europeu, uma decisão portuguesa que recusasse essa executoriedade seria uma decisão não só errada, mas também relativa a uma consequência jurídica que o ordenamento jurídico (europeu e nacional) não conhece. Se o paralelismo se pode estabelecer, essa decisão de recusa de executoriedade seria como uma decisão que negasse a qualidade de maior a uma pessoa que já tivesse completado 18 anos.

MTS