"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/03/2016

Jurisprudência (314)


Dever de gestão processual; procedimento de injunção; 
conversão em processo comum; apresentação de testemunhas


1. O sumário de RL 11/2/2016 (173976/14.2YIPRT-B.L1-8) é o seguinte:

- Os ambiciosos objectivos do caderno de encargos que a gestão processual impõe ao juiz só podem ser atingidos se dele se obtiver colaboração, mas também, uma postura super partes, num intransigente respeito pelo seu dever de imparcialidade.

- A boa e efectiva gestão exige dos juízes uma não menos superior capacidade de simplificação processual, uma abordagem do processo não dogmática, antes imaginativa, quando não mesmo heterodoxa, sempre com respeito pelos princípios fundamentais que informam o direito adjectivo.

- Seguindo o processo de injunção a forma de processo comum, por força da distribuição a que se refere o artigo 16º, nº 1, do [anexo ao] DL 269/98 (foi deduzida oposição) e não tendo a autora apresentado testemunhas (que poderiam ser apresentadas na audiência), poderá agora fazê-lo, pois, distribuído o requerimento injuntivo, deverá ser dada a oportunidade às partes de apresentarem os respectivos requerimentos probatórios (artº 6º, nº 1, do NCPC).

2. Na fundamentação do acórdão consta o seguinte:

"A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, consiste em saber se, distribuído o requerimento injuntivo, deverá ser dada a oportunidade às partes de apresentarem os respectivos requerimentos probatórios (artº 6º nº 1). [...]

A autora intentou o requerimento de injunção e não apresentou o rol de testemunhas com tal requerimento, pois as provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas, se o valor da acção exceder a alçada do tribunal de 1ª instância, ou até cinco testemunhas, nos restantes casos – artigo 3º nº 4 do [anexo ao] DL 269/98, de 1 de Setembro, na redacção dada pelo DL 107/2005, de 1 de Julho, que não foi revogado pelo DL 62/2013, de 10 de Maio.

Seguindo o processo de injunção a forma de processo comum, por força da distribuição a que se refere o artigo 16º nº 1 do [anexo ao] DL 269/98 (foi deduzida oposição) e não tendo a autora apresentado testemunhas, poderá agora fazê-lo?

Afigura-se-nos positiva a resposta.

O nº 4 do artigo 590º do Código de Processo Civil preceitua que incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.

A propósito do papel gestionário do juiz e em anotação ao artigo 590º, transcrevemos aqui o que escreveram Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma, 2014, 2ª Edição, Volume I, Almedina, pág. 511-512]: “Os ambiciosos objectivos do caderno de encargos que a gestão processual impõe ao juiz só podem ser atingidos se dele se obtiver colaboração, mas também, uma postura super partes, num intransigente respeito pelo seu dever de imparcialidade (…). Para além de uma superior formação técnica – a capacidade para prescindir das formas com propriedade será tanto maior quanto for o seu conhecimento sobre elas -, a boa e efectiva gestão exige dos juízes uma não menos superior capacidade de simplificação processual, uma abordagem do processo não dogmática, antes imaginativa, quando não mesmo heterodoxa, sempre com respeito pelos princípios fundamentais que informam o direito adjectivo. É este o papel que o juiz desempenha no “argumento” processo civil actual”.

A filosofia subjacente ao Código de Processo Civil – concretizada por diversos modos em várias disposições legais – visa assegurar, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, pretendendo que o processo e a respectiva tramitação possam ter a maleabilidade necessária para que possa funcionar como um instrumento (e não como um obstáculo) para alcançar a verdade material e a concretização dos direitos das partes, como claramente se evidencia no preâmbulo do Dec-Lei nº 329-A/95 de 12/12 (note-se que toda essa filosofia foi reafirmada e até reforçada no CPC actualmente vigente), quando ali se diz que as linhas mestras do processo assentam, designadamente na “Garantia de prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz…”; quando ali se refere que “visa, deste modo, a presente revisão do Código de Processo Civil torná-lo moderno, verdadeiramente instrumental no que toca à perseguição da verdade material, em que nitidamente se aponta para uma leal e sã cooperação de todos os operadores judiciários, manifestamente simplificado nos seus incidentes, providências, intervenção de terceiros e processos especiais, não sendo, numa palavra, nem mais nem menos do que uma ferramenta posta à disposição dos seus destinatários para alcançarem a rápida, mas segura, concretização dos seus direitos”; quando se alude ao “…objectivo de ser conseguida uma tramitação maleável, capaz de se adequar a uma realidade em constante mutação…” e quando se afirma que o processo civil terá que ser perspectivado “…como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo”.

Foi neste nº 4 do artigo 590º que se louvou o despacho de 01 de Julho de 2015. A autora pretende que a primeira instância a convide a apresentar meios de prova, o que foi objecto de recusa.

Já dissemos que no processo de injunção as provas são oferecidas na audiência.

Actualmente, no artigo 552º nº 2 do Código de Processo Civil preceitua que, no final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova.

Os autores acima mencionados, em anotação a este artigo escreveram lapidarmente o seguinte [Ob. cit. pág 475]:

“Estamos perante um ónus da parte cuja não observância é insusceptível de gerar um convite do tribunal ao aperfeiçoamento do articulado (para apresentação serôdia do requerimento probatório), sob pena de violação do dever de imparcialidade. Todavia, importa ter presente que este ónus é imposto à parte que apresente ou possa apresentar um articulado na acção de processo comum, e não ao requerente ou ao requerido no procedimento de injunção, pelo que, nestes casos, distribuído o requerimento injuntivo, deverá ser dada a oportunidade às partes de apresentarem os respectivos requerimentos probatórios (artº 6º nº 1)”."

3. Apenas uma nota complementar: a admissão da apresentação de testemunhas não se pode basear no disposto no art. 590.º, n.º 4, CPC (que se refere ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada), mas, realmente, no estabelecido no art. 6.º, n.º 1, CPC, dado que este preceito contém uma regra de aplicação directa.
 
MTS