"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



24/03/2016

Jurisprudência (311)



Ónus da prova; documentos autênticos;
força probatória


1. O sumário de STJ 19/1/2016 (893/05.5TBPCV.C1.S1) é o seguinte: 

I. A incapacidade acidental, a que se refere o art. 2199º do Código Civil, afectando a vontade do testador, constitui vício volitivo que determina a anulabilidade do acto; o normativo quer proteger o testador, o seu acto de vontade unilateral, ao passo que o art. 257º do Código Civil, que também versa sobre a incapacidade acidental, mas em actos contratuais e tem o seu campo de aplicação nos negócios jurídicos bilaterais, visa proteger, sobretudo, o declaratário desde logo exigindo como requisito de anulabilidade da declaração que o facto determinante da incapacitação acidental de entender o sentido da declaração de vontade seja notório, ou conhecido do declaratário. 

II. No art. 2199º do Código Civil, prescinde-se dos requisitos notoriedade ou cognoscibilidade do vício que afecta a vontade do declarante, desde logo, por se tratar de um acto unilateral, um negócio jurídico não recipiendo, que não carece de aceitação para produzir os seus efeitos.

III. O estado de incapacidade acidental do testador deve existir no momento da feitura do testamento, incumbindo ao interessado na invalidade o ónus da prova dos factos reveladores de incapacidade acidental – art. 342º, nº1, do Código Civil. 

IV. A incapacidade para entender e querer, no momento da feitura do testamento, não tem necessariamente de estar afirmada por uma sentença que declare a interdição do testador, o que pressupõe um estado continuado, permanente, de incapacidade volitiva; essa incapacidade pode ser meramente ocasional, transitória, desde que seja contemporânea da declaração volitiva plasmada no testamento.

V. A força probatória plena dos documentos autênticos circunscreve-se às percepções neles afirmadas pela autoridade ou oficial público documentador, já não à sinceridade, genuinidade ou verdade das declarações dos intervenientes, ou a factos que não possam por ele ser comprovados cientificamente; o facto de não constar numa escritura pública, suporte de um testamento, que a testadora estava acidentalmente incapaz de entender ou querer, não impede que essa prova se faça ulteriormente. 

2. Transcreve-se (acima de tudo com intuito pedagógico) a seguinte parte da fundamentação do acórdão:

"Nos termos do art. 362º do Código Civil – “Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”. 

Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares; estes podem ser autenticados, precisando os nºs 2 e 3 do art. 363º do Código Civil as definições legais.

Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares” – art. 371º, nº1, do Código Civil.

A força probatória plena dos documentos autênticos circunscreve-se às percepções neles afirmadas pela autoridade ou oficial público documentador, já não à sinceridade, genuinidade ou verdade das declarações dos intervenientes, ou a factos que não possam por ele ser comprovados cientificamente; o facto de não constar numa escritura pública, suporte de um testamento, que a testadora estava acidentalmente incapaz de entender ou querer, não impede que essa prova se faça ulteriormente.

Apesar do nº 2 do art. 393º do Código Civil estipular que “Não é admitida prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena”, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, pág. 342, em comentário a tal normativo, sustentam que o preceito deve ser interpretado “nos seus justos termos”, já que, “nada impede que se recorra à prova testemunhal para demonstrar a falta ou vícios da vontade, com base nos quais se impugna a declaração documentada.

O documento prova, em dados termos, que o seu autor fez as declarações nele constantes; os factos compreendidos na declaração consideram-se provados, quando sejam desfavoráveis ao declarante. Mas o documento não prova nem garante, nem podia garantir, que as declarações não sejam viciadas por erro, dolo, ou coacção ou simuladas. Por isso mesmo a prova testemunhal se não pode, neste aspecto considerar legalmente interdita”.

Tendo sido feita prova da incapacidade volitiva e da ausência de adequada representação das consequências e alcance do testamento, inexorável é a declaração da sua anulabilidade por incapacidade acidental da testadora."

3. Apenas importa acrescentar que, ainda que o notário tivesse atestado a capacidade de entender da testadora, a resposta quanto à força probatória do documento não seria diferente, dado que uma percepção pericial (se assim se pode dizer) do notário também não está coberta pela força de prova plena. Esta força probatória restringe-se aos factos que são comunicados pelas partes e percepcionados pelo notário, assim como aos actos que são atestados como tendo sido realizados pelo notário (cf. art. 371.º, n.º 2, CC).

MTS